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Betty Boop faz 90 anos: polêmicas da HQ têm nudez e apropriação cultural 

Animação "Betty Boop" completa 90 anos hoje - Divulgação
Animação "Betty Boop" completa 90 anos hoje Imagem: Divulgação

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

09/08/2020 04h00

Ela é, sem dúvida, uma referência em estilo e uma das divas mais charmosas e encantadoras da cultura pop. Aos 90 anos idade, provavelmente Betty Boop continuará exalando charme e graça ao se tornar uma centenária. Uma centenária muito sexy, é claro, cuja trajetória foi marcada por altos e baixos — e um episódio bem polêmico de apropriação cultural.

Sensualidade sob censura

No fim da década de 1930, o sex appeal de Betty e sua nudez insinuada receberam doses de recato devido ao Código Hays, um conjunto de normas morais aplicadas aos filmes lançados nos Estados Unidos entre 1930 e 1968 criado pelo advogado e político presbiteriano Will H. Hays (1879-1954), presidente da MPPDA (Motion Picture Producers and Distributors of America; em português, Associação de Produtores e Distribuidores de Filmes da América). Nessa época, a moça passou a usar um vestido comprido e ganhou um namorado, Fearless Fred, perfeito para a acompanhar em situações bem mais "família" do que anteriormente. Seus últimos curtas datam de 1939, o que não a impediu de se tornar uma das personagens de animação mais conhecidas e populares em todo o mundo. Foram 9 anos intensos e mais de 100 desenhos.

Inspiração na apropriação

A fama a consagrou quando interpretou "Boop-Oop-a-Doop-Girl", da cantora e atriz nova-iorquina Helen Kane (1904-1966). Sua voz e aparência teriam servido de inspiração para a criação de Betty, o que motivou Helen a mover uma ação contra o Fleischer Studios sob a alegação de terem usado seu estilo, apelidado de "Boop-Oop-a-Doop". A ação foi anulada, porém, porque um caso de apropriação cultural veio à tona. O tal "Boop-Oop-a-Doop", na verdade, havia sido copiado da artista Baby Esther (nascida em 1919, data da morte desconhecida). Nascida Esther Lee Jones, a afro-americana se apresentava regularmente no Cotton Club do Harlem, local frequentado por Helen. Uma gravação sonora de uma atuação de Baby Esther foi usada como evidência do plágio — que nunca foi admitido.

Apagamento de cantora negra

Voltada ao público infantil, Baby Esther era uma criança e fazia voz de bebê e, em uma das canções, cantava "boo-boo-boo" e "doo-doo-doo". Em uma gravação do clássico "I Wanna Be Loved By You" — interpretada, inclusive, por Betty em um curta com sua conhecida voz infantilizada —, Helen trocou as sílabas por "boop-boop-a-doop".

No processo, o visual da atriz do cinema mudo Clara Bow (1905-1965) também foi mencionado como inspiração para Betty Boop, o que ajudou a invalidar a reclamação de Helen Kane — que, historicamente, é tida como a principal precursora de Betty Boop. O professor e escritor americano, estudioso de estudos de jazz Robert O'Meally, especialista em história do jazz, costuma se referir a Jones como a "avó negra" de Betty Boop. Ela ficou em atividade até 1934. Imagens de uma suposta Baby Esther vestida Betty Boop viralizaram tempos atrás, mas são obra da modelo e cosplay ucraniana Oyla — que é branca, inclusive, em um exemplo típico de Black Face.

Episódios ousados e polêmicos

Alguns fatos sobre Betty Boop são o pesadelo dos conservadores — capazes até de levar alguns hoje em dia a estrilar nas redes sociais, por conta da disponibilidade do YouTube. Nos desenhos animados originais, a garota altamente sexualizada era apenas uma adolescente. Em vários curtas ela perdia a roupa, mas nunca chegou a ficar completamente nua. Seu corpo surgia escondido atrás de episódios. Algumas interações com outros personagens sugeriam abusos e até estupros.

Em 1934, dois episódios causaram controvérsia. O primeiro, "Red Hot Mamma", mostrava uma visita de Betty ao inferno, onde dançava jazz com os demônios. Já "HA! HA! HA!", em que Betty precisa arrancar o dente de um palhaço e, para tranquilizá-lo, decide usar o gás hilariante, foi censurado por, em tese, fazer apologia às drogas. Em geral, os desenhos tinham uma narrativa meio maluca e até mesmo psicodélica, apesar da coloração em preto e branco. Bons exemplos são os inspirados nas histórias de Branca de Neve e Alice no País das Maravilhas. Betty, aliás, apareceu no primeiro desenho animado "color classic", "Poor Cinderela", no qual foi retratada com cabelo ruivo, em vez do costumeiro preto.

Resgatada e icônica

Os anos 1980 marcaram uma espécie de revival de Betty Boop. Ela apareceu em dois especiais de TV: "The Romance of Betty Boop" (1985), produzido pela mesma equipe criativa por trás animações dos Peantus, e "The Betty Boop Movie Mystery" (1989). Em 1988, o mix de live-action e animação "Uma Cilada para Roger Rabbit", dirigida por Robert Zemeckis e produzida por Steven Spielberg, conquistou vários Oscar e reacendeu o interesse do público por personagens vintage. Betty, após uma ausência de 50 anos das telonas, faz uma aparição como a garçonete da boate onde a musa Jessica Rabbit se apresentava.

Mae Questel, sua dubladora mais conhecida, fez sua voz novamente. Em 2005 o edifício Empire State, um dos mais conhecidos cartões postais de Nova York, homenageou seu 75º aniversário iluminando a torre com luz vermelha, em alusão à cor do seu vestido. O vermelho adotado por Betty, aliás, também já inspirou uma coleção do estilista americano Zac Posen, um tom de batom da M.A.C e uma nuance na paleta da Pantone. Como representação da cultura pop, a personagem é destaque em produtos licenciados em todo o mundo, como dos bonecos colecionáveis Funko. Também ilustra tatuagens, como a que a cantora Amy Winehouse (1983-2011) tinha nas costas. Notícias sobre um possível musical na Broadway e um longa-metragem em produção pela Syco, do X Factor Simon Cowell, volta e meia surgem na mídia, mas por enquanto não há nada de concreto - o que não significa que, passada a pandemia, Betty Boop ressurja ainda mais poderosa.

Garota do jazz

Betty Boop foi criada por Max Fleischer (1883-1972), polonês radicado nos Estados Unidos, e desenhada pelo animador americano Myron "Grim" Natwick (1890-1990). Desde o início a garota tinha um jeito independente, moderno e atrevido, além de ostentar cabelos bem curtinhos e mostrar as pernas esculpidas e uma cinta-liga. Era o retrato fiel dos sonhos das mulheres da época, principalmente pelo comportamento ousado para a época. Ela surgiu na série de curtas de animação Talkartoons, produzida pelo Fleischer Studios (ainda em atividade e na posse dos direitos de imagem da personagem. Ao som de muito jazz, sua estreia aconteceu em 9 de agosto de 1930, no curta "Dizzy Dishes" - disponível, entre outras de suas muitas animações no YouTube.

Début antropomorfizado

Em suas primeiras aparições, Betty Boop contava com longas orelhas e focinho de cachorro. Ao longo tempo, as orelhas foram trocadas por grandes brincos de argolas e seus traços ganharam suavidade. Os olhos imensos e os lábios delicados foram mantidos.

Rainha das HQs

Além de brilhar no cinema, entre 1934 e 1937 Betty Boop ilustrou tirinhas de jornal. Em 1990, a First Publishing publicou a graphic novel Betty Boop's Big Break, escrita por Joshua Quagmire e ilustrada por Milton Knight. A Dynamite Entertainment comprou em 2015 a licença para produzir revistas em quadrinhos, graphic novels e republicar as tiras em edições encadernadas.

Fontes: Betty Boop Wikia; "Como Ser uma Betty - O Guia Indispensável para Libertar a Betty Boop que Há Dentro de Você!" (Ed. Madras), de Sherrie Krantz, e série "O Guia dos Curiosos" (Panda Books), de Marcelo Duarte.