Ele celebra 1º Dia dos Pais: Como homem trans, podia gerar um filho e o fiz
Para o baiano Theo Brandon, 24, de Salvador, este será um Dia dos Pais diferente. Pela primeira vez, ele passará a data com o filho, de 11 meses, nos braços. E não é por uma mera questão de formalidade com a data. O técnico em informática chegou a pensar que jamais conseguiria gestar um filho. Mas, ao conhecer outros homens transgêneros como ele, que conseguiram engravidar, o estudante de medicina viu que esse desejo era, sim, possível. Então, engravidou, deu à luz e hoje é pai de Dionísio.
Theo e sua companheira, a estudante de direito transgênera Yuna Santana, 27, sempre quiseram ter filhos e já pensavam na adoção antes mesmo de se conhecerem. Quando se uniram, passaram a considerar filhos biológicos. Para isso, no fim de 2017, o casal realizou uma série de exames de fertilidade, mas ele recebeu o resultado de atrofia no ovário esquerdo, e ela o de ausência de espermatozoides. Ambos associaram os problemas aos hormônios dos quais faziam uso e, imediatamente, interromperam as doses.
"Decidimos que aquele era o momento de investirmos no sonho, pois se deixássemos para depois poderia ser tarde demais", diz Theo.
Após a decisão, Theo e Yuna começaram a imaginar a transfobia que enfrentariam a partir dessa gestação, do preconceito de profissionais da saúde ao da sociedade em geral.
Eles mesmos convivem com ataques diários, e sabem que não seria diferente com a criança. Há alguns anos, Theo chegou a pensar em suicídio e confiou na rede de apoio entre amigos para seguir adiante:
"Hoje entendo que, se alguém tem problema com minha naturalidade, identidade, cor de pele, bairro que resido ou condição financeira, essa pessoa é quem precisa reavaliar seus valores éticos e morais e buscar um tratamento, não eu".
Dificuldade para registrar a criança
Com a ajuda de amigos, Theo conseguiu ser atendido, durante a gravidez, por alguns médicos mais esclarecidos sobre o tema. Mas, na rua, não puderam evitar palavras de ódio. "Ouvíamos que Dionísio nasceria uma aberração, entre outros absurdos."
A gestação toda de Dionísio, em termos de saúde, correu de forma bem tranquila, detalha Theo. E a equipe médica que fez o parto cesárea passou por uma capacitação para receber pai e filho.
O maior obstáculo, porém, surgiu logo após o nascimento da criança. Eles tiveram dificuldade na emissão da Declaração de Nascido Vivo, documento entregue pela maternidade após o parto, contendo, entre outras informações, o nome dos responsáveis pela criança. É com a DNV que a família consegue obter a certidão de nascimento.
O problema apareceu na hora de preencher os campos "pai" e "mãe" do documento. O hospital insistia em registrar o casal de acordo com o sexo biológico de cada um, desrespeitando a identidade de ambos, já registrada em cartório, inclusive.
"Infelizmente esse ainda é um documento cisheteronormativo [termo usado para descrever um cenário em que o único padrão correto é a pessoa ser heterossexual e estar em acordo com o gênero atribuído no nascimento], que ostenta a categoria pai e mãe e é preenchido pelos médicos considerando a gestação como um fenômeno natural da mãe, e não do pai, como é o meu caso."
Foi necessária uma intervenção do Ministério Público e da Defensoria Pública para o casal conseguir o documento, respeitando a sua realidade.
"Homens cisgêneros precisam aprender a lidar com o fato de não poderem gerar uma vida, no lugar de limitar o nosso corpo. E não eu mesmo limitar meu corpo por isso. Enquanto um homem trans, eu podia gerar meu filho e o fiz."
"Genital não é relevante na criação de uma criança"
Passado quase um ano do parto, Theo detalha que a educação de seu filho carregará o mesmo carinho e respeito que recebeu de seu pai. Ele conta que foi em casa onde aprendeu a divisão igualitária de tarefas, sem preocupações com o gênero. O único diferencial agora, ele aponta, será com relação aos brinquedos dados à criança. Na sua casa, nada de presentes e atividades atribuídas a determinado sexo.
"Dionísio vai crescer entendendo que existem pessoas plurais e que essas pessoas podem ter qualquer identidade de gênero e sexualidade. Será natural para ele, como deveria ser para todos. A única diferença entre eu e os outros pais é a transfobia que destilam em mim", diz.
E para quem ainda não entende ou aceita que um homem trans pode ser pai, Theo ensina: "Homem trans não é mulher. Genital não define gênero e muito menos é relevante na criação de uma criança, já que não é, ou não deveria ser, utilizado para exercer a paternidade".
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