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Aos 11 anos e com 6M seguidores, MC Divertida dá visibilidade ao nanismo

Maria Clara e sua família fazem sucesso com seus vídeos de humor no Youtube - Andrea Karla
Maria Clara e sua família fazem sucesso com seus vídeos de humor no Youtube Imagem: Andrea Karla

Marcela de Genaro

Colaboração para Universa

13/08/2020 04h00

- É a Maria Clara ou é a MC Divertida?
- Hum? As duas.
- Mas tem duas ou uma só?
- Uma, porque sou Maria Clara (MC).

Pronto, o papo já começa claro, bem resolvido e divertido, assim como a vida da família de Brasília (DF) que acabou fazendo da diversão uma espécie de sobrenome na internet. Claudiene Rosa de Santana, de 39 anos, e Leonardo Fernandes Matias, 41, são os pais de Maria Clara. Ela tem 11 anos, 6 milhões de inscritos em seu canal no Youtube e vídeos que chegam a 165 milhões de visualizações.

Vídeos divertidos com piadas, brincadeiras com efeitos simples na tela, mãe, pai, avó aparecendo, conteúdo adequado infantil. O canal infantil MC Divertida foi criado por desejo, insistência, carisma e puro talento de Maria Clara, com o objetivo de levar alegria mas acaba, também, quebrando preconceitos, já que Maria Clara é uma criança com nanismo:

"O canal dá visibilidades. As pessoas olham para quem é diferente muitas vezes não só por mal, mas pela curiosidade, por não estar acostumado a ver. O nanismo foi por muito tempo escondido, os pais queriam esconder seus filhos dentro de casa. Vão ser diferentes para sempre se não mostrar. Se eu quero que seja igual e tenha os mesmos direitos, ela tem que sair, viver", explica Claudiene.

Lendo assim pode parecer simples? Não é. Medos, julgamentos, preconceito, consciência, aprendizado, família, proteção, alegria e, mais do que qualquer outra coisa, amor, são palavras que intercalam a história dessa família. Com os três juntos via vídeo em conversa com Universa, não houve assunto que não fosse tratado com Maria Clara presente, nem mesmo quando perguntamos se seria mais adequada uma conversa só com os pais sobre coisas sensíveis, que poderiam trazer lembranças dolorosas:

"Só se a Maria Clara quiser sair. Falamos tudo abertamente. Aqui é junto, sem segredos, sem receios", responde Claudiene.

"Mamãe, não liga para os haters, não"

A decisão de colocar uma criança na internet não foi simples. Maria Clara começou a brincar de vídeo aos 4 anos e os celulares dos pais e avós viviam com a memória entupida com suas gravações. Só aos 8, em 2018, primeiro vídeo para o canal foi gravado.

"Nele, ela respondia perguntas que escrevi num caderno para que ela se apresentasse. Foi uma surpresa positiva tão grande. Percebemos o dom. Ela sabe se expressar, sabe se comunicar. Vieram muitas dúvidas: 'E agora? O que a gente faz? Ela quer o canal mas e a superexposição, e o medo?'", conta a mãe.

A decisão se mostrou certa, mesmo quando a janela de exposição foi acertada pela primeira pedra:

Vídeos do canal de MC Divertida chegaram a ter 20 mil comentários, sendo 98% deles positivos, diz a família - Andrea Karla - Andrea Karla
Vídeos do canal de MC Divertida chegaram a ter 20 mil comentários, sendo 98% deles positivos, diz a família
Imagem: Andrea Karla

"Quando o primeiro vídeo estourou e começaram a chegar os comentários de haters. Nossa, como era difícil ler. O primeiro recadinho feio que chegou Maria Clara estava do meu lado. Pensei: 'E agora? Ela viu!'. Então ela me disse: 'Mamãe, não liga para isso não. Só apaga e aí a gente reza para pessoa'. E passou. Claro que demorou um tempo para a gente se acostumar a ler uma pessoa falando que a sua filha é feia, que a sua filha 'não sei o quê'. Havia um medo muito grande de expor essa pequena e a machucarem. Mas, eu não ia apoiar a minha filha? Superamos nossos medos para dar força para ela ser quem ela quer ser".

Neste caminho que Maria Clara foi, aos poucos, se tornando um fenômeno da internet. Quando era permitida interação em canais infantis no Youtube, alguns vídeos chegavam a ter 20 mil comentários, segundo os pais, que tentavam responder a todos possíveis.

"Sempre tinha algum sem noção, mas digamos que 98% eram positivos".

Da gestação à exposição: o apontar de dedos

Ser mãe de uma criança com nanismo não é planejado. Conviver com o diferente pode até ser algo incluído na educação, com o respeito ao próximo como base. Mesmo assim, na pele, Claudiene e Leonardo não se sentiam prontos:

"Seria mentira se eu dissesse que quando estava grávida estava preparada, que o bebê que viesse estava tudo certo. A gente espera aquele bebê de revista. É diferente para a Maria Clara: ela nasceu pequenininha, ela é amada pequeninha, ela tem toda uma estrutura familiar que apoia e está do lado dela para o que der e o que vier. Ela sabe que tem a opinião dos outros, mas que a opinião mais forte é a dela e das pessoas que a amam. Se o outro falar alguma ofensa, a gente fica com pena. Que ele não teve educação, que não tem amor no coração. Claro que não é da noite para o dia, foi todo um processo de transformação no meu coração e no do Léo", conta.

O caminho, como todos, tem dias mais fáceis e outros nem tanto. Em todos eles, tem uma coisa em comum que tanto Maria Clara, quanto os pais, não gostam: o apontar de dedos.

"Não é fácil quando você vai no shopping, por exemplo, e vê um pai, uma mãe, uma criança, apontando o dedo para o seu filho. Tem dia que você está preparado para isso, que você simplesmente ignora e vai embora. Mas também sou um ser humano e posso não estar no melhor dia, machucada, e não possa lidar bem com aquela situação. Como o Léo fala: ela lida melhor que a gente. Parece que a Maria Clara nasceu preparada para a vida que ela tem", diz Claudiane.

O pai, que é desenvolto em papéis engraçados nos vídeos, conta que uma vez que acabou perdendo a cabeça em uma churrascaria. Ele viu uma criança apontando e falando coisas sobre Maria Clara, mas não foi isso que o tirou do sério:

"Por acaso estava atrás da mãe e a vi abaixar para falar com a filha: 'Não faz isso que é feio. Não vê que ela é doente?'. A minha reação - (destemperada, na opinião dele) - foi dizer: 'A única doente aqui é a senhora, a sua filha é uma criança e não tem culpa', conta Léo, que evita reações impensadas, preferindo esclarecer dúvidas se perguntado.

Família Divertida

E se o canal começou como brincadeira virou uma responsabilidade que tomou mais que o esperado da vida da família. Servidora pública - hoje licenciada - Claudiane deixou sua carreira, ponto importante para ela, quando tinha conquistado um cargo de diretoria. Em casa, ela usava parte do tempo que deveria estar na cama na edição dos vídeos:

"Às vezes pensava de madrugada: eu não dou conta, vou desistir, e abria um comentário que me fazia mudar. Um que marcou foi de um rapaz de 23 anos, de São Paulo, que sofria de insônia e o que trazia alegria para as madrugadas dele eram os vídeos da Maria Clara. Aí você se dá conta da responsabilidade que tem e vem a força para não desistir", diz Claudiane.

"Foi o sonho da Maria Clara, a forma que ela encontrou de se apresentar para essa sociedade tão cruel. Com o jeitinho dela: 'olha, eu sou pequenininha, mas eu sei fazer tudo o que eu quero'. E sem se esconder atrás de um problema para ficar se fazendo de coitado", diz.

Leo garante que eles seguem iguais antes e depois do canal. Não há nada de 'ostentação'. Se há quem olhe com desconfiança, Leonardo tem a resposta: "O que posso dizer é: se brincar com a minha filha, poder estar com ela todo dia, embarcar no sonho dela, poder ganhar dinheiro com isso junto com ela e com a mãe, for exploração, então a gente está 'explorando'. Nunca houve exploração em nenhum sentido, a gente se diverte muito", conta ele. Segundo a família, esse tipo de questionamento não costuma acontecer.

E os dedos? Eles seguem apontados para a pequena, mas são outros, segundo a mãe: "Hoje é mais fácil para a gente essa superexposição. O canal trouxe a oportunidade para a comunidade que tem nanismo de ser vista através da Maria Clara. Aquele apontar de dedos, que antes era por maldade ou curiosidade, hoje em dia é por reconhecimento. Isso muda muito a visão das pessoas não só em relação ao nanismo, mas em relação a outras deficiências também."