Aborto não é decisão judicial, diz advogada sobre menina grávida de 10 anos
A lei brasileira permite que um aborto seja realizado por meio do serviço público de saúde no caso de a gravidez ser resultado de um estupro, assim como nas situações de risco para a mãe ou de anencefalia do feto. Caso a vítima de estupro tenha menos de 18 anos, quem decidirá pelo procedimento são os responsáveis.
Mas essa garantia legal não está sendo cumprida no caso da menina de dez anos que ficou grávida após ser estuprada, sendo o tio o principal suspeito, na cidade de São Mateus (ES), a 220 km da capital do estado, Vitória. A criança, que morava com os avós, foi levada para um abrigo na cidade. E a decisão sobre ela realizar o aborto ou não está nas mãos do TJ-ES (Tribunal de Justiça do Espírito Santo).
Em entrevista ao jornal A Gazeta, a secretária de Assistência Social de São Mateus, Marinalva Broedel, afirmou que a realização de um aborto "está em análise" e que é preciso "aguardar o posicionamento do judiciário".
O TJ-ES afirmou na sexta-feira (14) que "todas as hipóteses constitucionais e legais para o melhor interesse da criança serão consideradas" na decisão. A Universa, disse, também, que o julgamento não terá "influências religiosas, filosóficas, morais, ou de qualquer outro tipo".
Para a advogada Isabela Guimarães Del Monde, especialista em direitos das mulheres e integrante da Rede Feminista de Juristas, uma série de equívocos foram cometidos no caso, sendo o primeiro deles a "judicialização" da decisão sobre o aborto.
Condução equivocada
"O que estamos vendo aqui é uma condução absolutamente equivocada, pautada por percepções conservadoras e religiosas. Não é um caso que deveria estar no judiciário, é um direito da vítima fazer essa interrupção. Não tinha que ter escalado dessa maneira, a ponto de chegar ao Tribunal de Justiça. Isso impõe à vítima mais sofrimento e mais exposição", afirma a advogada.
"Já há um entendimento bastante consolidado na legislação brasileira de que, para a realização de aborto em caso de gravidez advinda de estupro, não é necessário nem boletim de ocorrência", diz.
Para Isabela, a Secretaria de Saúde não ofereceu o atendimento adequado à vítima. "O que deveria ter sido feito: uma reunião com os responsáveis, no caso os avós, explicando que a criança tem direito a um procedimento de interrupção de gravidez e que a autorização deveria vir deles", afirma. "Se houvesse recusa dos avós, a secretaria poderia acionar o Ministério Público para que defendesse o interesse da criança."
A Secretaria de Saúde de São Mateus foi procurada pela reportagem na tarde da sexta-feira (14). Não houve resposta em nenhum dos três números disponíveis. O contato também foi feito por email, questionando o porquê de levarem o caso para o Tribunal de Justiça, uma vez que o procedimento está garantido na lei. Universa também indagou sobre a posição dos avós sobre a possibilidade de aborto. Não houve resposta até a conclusão da reportagem.
Suspeito está foragido
O tio da garota, um homem de 33 anos, está foragido. A Polícia Civil do estado afirmou que a criança era vítima de estupros há quatro anos, mas o caso só foi registrado na delegacia no sábado (8), depois que, em um exame feito no Hospital Estadual Roberto Silvares, foi constatada a gestação de cerca de três meses.
Isabela destaca que, além da garantia legal do aborto em caso de estupro, a garota também estaria amparada pelo risco que a gravidez pode trazer a sua vida. "Essa situação toda revela o descumprimento, pelo Estado, de uma lei criada pelo próprio Estado. E é triste pensar que, como essa menina do Espírito Santo, deve haver várias outras garotas grávidas, nos rincões do país, que também não têm acesso a um serviço de saúde nem à informação sobre seus direitos."
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