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Julia Konrad sobre relação abusiva: Você nunca sabe se será a próxima louca

A atriz Julia Konrad - Flora Negri/Divulgação
A atriz Julia Konrad Imagem: Flora Negri/Divulgação

Marcela de Genaro

Colaboração para Universa

16/08/2020 04h00

"Você nunca sabe se você vai ser a próxima louca, na próxima história". A frase, dita pela atriz Julia Konrad, serve como um alerta e um apelo. Alerta para as mulheres que vivem em uma relação abusiva, calcada em afirmações manipuladoras. E apelo pois ouvir o que outra mulher viveu, antes de prejulgá-la, pode trazer a possibilidade de conforto da sororidade.

Julia Konrad sentiu na pele o que está falando. Em junho, a atriz revelou que descobriu ter sofrido estupro conjugal em um relacionamento durante anos, em relato à revista Claudia. Disse que foi vítima de violência sexual, psicológica e verbal na relação e que, ainda que estudasse o feminismo e o defendesse, só entendeu o que passou anos depois que a relação chegou ao fim.

"Sempre dou o exemplo de outra ex parceira desse cara, que era tachada de louca. Se ela viesse até mim enquanto eu estava me relacionando com ele contar o que viveu, eu não ia acreditar", diz a atriz, que estrelou novelas como "Malhação" e "O Sétimo Guardião".

"Eu só tinha a história dele, o lado dele, de que ela era a louca. Você nunca sabe se você vai ser a próxima louca, na próxima história. Então, sempre que alguém tiver a coragem de expor o que viveu, acolha. Pergunte como ela está, ajude", afirma a atriz. "Não fique do lado do macho, já tem muita gente do lado dele. Sororidade, para mim, é compartilhar a experiência e acolher a mulher que compartilha."

Após compreender a violência vivida anos antes, ainda que estivesse decidida e preparada para torná-la pública, para alertar outras mulheres, não imaginou o nervosismo que passaria na noite anterior à revelação, quando ficou sem dormir.

Ia ao banheiro a cada cinco minutos, tinha receio que vissem seu depoimento como "qualquer coisa". Segundo ela, vivia quase uma experiência fora do corpo, porque, junto a isso, havia um peso imenso sendo retirado de suas costas.

"Caraca, eu não sou maluca"

Foi então que a definição de sororidade se expandiu na vida de Julia. As experiências traumáticas, as feridas e as sessões de terapia haviam sido catalisadas. Ela recebeu dezenas de mensagens de mulheres contando seus relatos.

"Tanta mulher passa por isso sem saber o que é, sem saber por que se sente tão errada na hora [do sexo], sem o porquê daquela sensação ruim depois, sem entender que você vive uma violação às vezes dia após dia num casamento. Ver em palavras alguém realmente falar sobre e conseguir se identificar deve ser uma catarse", acredita Julia. "Imagino algo como: 'Caraca, eu não sou maluca, eu também passei por isso'. Ao mesmo tempo em que eu validava essas mulheres com o meu relato, elas me validaram com os delas."

Ela fez questão de ler e responder a todas as mensagens.

"Escutei, acolhi e, em alguns casos, direcionei para movimentos como o Mapa do Acolhimento e as Justiceiras, rede de psicólogas e advogadas voluntárias que trabalham com mulheres em situação de violência. Foi uma coisa de se enxergar como irmã mesmo."

Tornar pública sua vivência e colocar os holofotes no estupro conjugal e na cultura do estupro deu força à Julia. Ela não tem medo dos julgamentos e responde com firmeza aos que acham que, não dando nome ao agressor (segundo ela, porque os crimes prescreveram), quis apenas chamar a atenção:

"Eu quero chamar a atenção para esse assunto. Esse é meu objetivo. Vamos falar sobre isso? A gente não vai entender isso da noite para o dia", diz.

Quatro mulheres agredidas pelo mesmo homem

Julia diz que tomou muito cuidado ao fazer seu relato, pois não acredita no tribunal da internet nem na cultura do cancelamento.

"Isso não é sobre expor ninguém, não é sobre fazer uma denúncia. Ao mesmo tempo, foi muito importante ter falado, porque, desde a publicação, outras vítimas [dele] entraram em contato comigo", diz.

"Somos agora quatro mulheres agredidas por essa pessoa. Infelizmente, como os crimes prescreveram, nenhuma de nós pode fazer nada. Mas acho importante dizer que, se alguém no futuro precisar, nós serviremos como testemunhas. Estamos juntas nessa."

Barganha por sexo

Julia conta que o ex usava o sonho dela de se casar como barganha na hora do sexo.

"Ele dizia: 'Como é que eu vou me casar com você se você não me dá o que eu quero?'. E eu pensava que, se eu quero esse sonho, então o problema é meu", conta a atriz.

"Eu não gostava porque doía, sangrava, não me sentia bem, mas era obrigada a fazer. Não é que ele me pegava à força e segurava no colchão, era uma coação psicológica mesmo, de que se eu não fizesse aquilo aquele homem ia me deixar."

O sexo tinha peso de obrigação, ela conta. "Sofria quase uma lavagem cerebral por parte dele, de que eu teria algum problema, algum bloqueio mal resolvido e que eu não gostava de sexo por isso. Mas que era o meu dever, se não ele iria procurar fora de casa", declara Julia.

Ainda assim, ela diz que a convivência do casal tinha surpresas, presentes, viagens, declarações públicas de amor. "Mas, nos bastidores, acontecia essa coação psicológica. Se eu não fizer isso eu vou perder esse homem que faz tudo isso, que está aqui para me proteger de todos os males do mundo, entende? Era muito complicado."

O ex-companheiro gostava até de controlar as amizades da atriz. Conta que ele chegou a fazer com que ela cortasse a relação com uma amiga de infância que é lésbica "porque ela estaria dando em cima de mim".

"A manipulação é muito sutil, complexa e, se você está ali dentro, você não consegue enxergar. É necessário afastamento para você ver de fato a situação."


Esperando um pedido de desculpas

Julia Konrad diz que os homens podem rever atitudes, mas que a mudança de comportamento não apaga os abusos indevidos do passado.

"Que ele respeite a mulher dele, que seja ativo na causa feminista, isso não invalida tudo o que ele pode ter feito para outras mulheres lá atrás", afirma.

"Hoje, para mim, o que me daria paz de espírito seria que ele reconhecesse o que fez e pedisse perdão. Se você realmente quer fazer parte dessa mudança para o futuro, fazer parte desta luta, admita o seu erro. Reconheça. Peça perdão. E quem sabe a gente possa caminhar para frente."