Brasil fica atrás só da Malásia em ranking de intolerantes ao aborto
O protesto de políticos e religiosos nesse domingo (16) contra o direito legal ao aborto a uma criança de dez anos, vítima de estupro, reacendeu ainda mais um debate que nunca esteve, de fato, pacificado no Brasil. E, se depender de dados mais recentes, esse é um direito que tende a seguir um tabu no país. É o que revela uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (17) com 25 países, segundo a qual o Brasil perde apenas para a Malásia na posição de menos tolerante ao aborto do feto em qualquer circunstância.
A pesquisa "Global Views on Abortion" ("Visões Globais sobre Aborto"), realizada anualmente pela Ipsos, ouviu 1 mil entrevistados brasileiros, entre maio e junho deste ano. Somente 16% deles acreditam que o aborto deveria ser permitido indiscriminadamente, ou seja, sempre que uma mulher assim o desejar. O índice é praticamente um terço da média global, 44%, e coloca o país como o mais intolerante à prática no ocidente, ao lado do Peru, e como um dos três mais intolerantes no mundo inteiro, dentre as 25 nações consideradas.
Único país mais refratário que Brasil e Peru ao aborto sob qualquer circunstância, a Malásia teve 10% favoráveis à interrupção da gravidez sempre que pela escolha de uma mulher.
Na pesquisa, foram feitas perguntas como: "o aborto DEVE ser permitido sempre que uma mulher assim o desejar?"; "o aborto DEVE ser permitido em determinadas circunstâncias, por exemplo, no caso de uma mulher ter sido estuprada?"; "o aborto NÃO deve ser permitido em hipótese alguma, exceto quando a vida da mãe estiver em risco?" e "o aborto NUNCA deve ser permitido, não importando sob quais circunstâncias?".
Considerando os 25 países, foram 18 mil entrevistas, coletadas online.
Além dos 16% de brasileiros totalmente favoráveis em relação ao aborto, 38% creem que deve ser permitido em casos específicos, como estupros. Já entre os desfavoráveis, 21% acham que não deve ser permitido em momento algum, à exceção de a saúde da grávida estar em risco. Outros 13% não apoiam a permissão do aborto em nenhuma circunstância. Os outros 12% não souberam ou não quiseram opinar.
Brasil voltou ao patamar de seis anos atrás, diz diretora
De acordo com a diretora de contas da Ipsos no Brasil, Maiani Della Monica Machado, a pesquisa anual, que é realizada no país desde 2014, revelou na edição deste ano que o apoio ao aborto regrediu quando comparado a seis anos atrás.
"Esse é um fenômeno global, já que diversos países, entre os quais o Brasil, passam por um momento de conservadorismo generalizado, com lideranças indo por esse caminho. A média global de permissividade ao aborto, no entanto, se manteve estável de 2018 a 2020, mas, no caso brasileiro, caiu dois pontos em relação a 2014", destacou.
Na avaliação da diretora, o fato de o Brasil passar por um período de gestão conservadora no governo federal, bem como o de o direito ao aborto vir sendo tratado mais sob um viés moral e religioso que de saúde pública, ajudam a explicar o aumento da intolerância.
"Mesmo em países como Espanha e Itália, a religião e a moral, embora ainda sejam questões relevantes, não se sobrepõem tanto ao direito individual da mulher, como aqui. No Brasil, as políticas públicas sobre o aborto ainda são muito pouco discutidas e a questão de saúde pública tende a ser relevada", definiu.
O continente europeu encabeça o ranking dos mais permissivos: 58% acham que o aborto deve ser permitido sempre que uma mulher desejar e 22% são favoráveis à interrupção da gestação sob determinadas circunstâncias, totalizando 80%.
Na América do Norte, 47% são totalmente a favor e 24% em certos casos, somando 71%. No conjunto de países da Ásia e do Pacífico, os índices são de 43% e 28%, respectivamente, totalizando os mesmos 71%.
Os percentuais de apoio ao aborto diminuem consideravelmente na América Latina, no Oriente Médio e na África. No Oriente Médio, 38% acreditam que o aborto deve ser permitido sempre que uma mulher desejar e 22% são favoráveis sob certas circunstâncias, somando 60%. Já na América Latina, a taxa de entrevistados com ponto de vista favorável ao aborto em qualquer caso cai para 26%, e em algumas situações, como um estupro, fica em 36%. O total é de 62%.
Quem são os mais favoráveis à legalização no Brasil
A pesquisa entre os brasileiros apontou que 55% dos homens acham que o aborto deve ser permitido — indiscriminadamente e sob determinadas circunstâncias —, diante de 52% das mulheres. Considerados somente os resultados à questão "deve ser permitido sempre que uma mulher assim o desejar?", o índice de respostas favoráveis é maior entre mulheres (17% a 15%).
Os mais jovens são mais flexíveis sobre o tema: entre os menores de 35 anos, 58% acham que o aborto deve ser permitido sempre que uma mulher quiser e também em casos específicos, como estupro. Chamou atenção dos pesquisadores a maior tolerância ao tema por parte dos entrevistados na faixa de 50 a 74 anos, que partilhou de uma opinião ligeiramente mais favorável do que aqueles entre 35 e 49 anos (51% a 48%).
Maior apoio à legalização foi registrado ainda entre os brasileiros com maior grau de escolaridade: 59%, contra 54% entre os de nível médico de educação, ou 39% entre os de escolaridade mais baixa.
De acordo com a pesquisa, em uma análise global, o perfil do indivíduo favorável a tornar o aborto legal é de mulheres, com idade entre 50 a 74 anos e com alto grau de instrução.
Melhores posições do ranking
A Suécia e a Grã-Bretanha são os dois países com as maiores taxas de tolerância ao aborto em quaisquer circunstâncias — 76% e 67%, respectivamente. Em seguida aparecem a França (66%), a Hungria (63%), Bélgica (62%), Holanda (61%), Canadá (59%), Espanha (58%), Austrália (57%) e Rússia (52%).
Na sequência, aparecem Itália (51%), Alemanha (49%), Turquia (43%), Coreia do Sul (37%), Chile (36%), Estados Unidos (35%), Índia (35%), Argentina (35%), África do Sul (34%), Japão (33%), Polônia (27%), México (25%), Peru (16%), Brasil (16%) e Malásia (10%).
A margem de erro da pesquisa no Brasil é de 3.5 pontos percentuais para mais ou para menos.
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