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Projeto do RN quer obrigar vítimas de estupro a ver imagens de aborto

Mulheres que defendem o direito ao aborto no caso da menina de 10 anos também se mobilizaram para retirar de discussão texto na Assembleia do RN - Carlos Ezequiel Vannoni/Estadão Conteúdo
Mulheres que defendem o direito ao aborto no caso da menina de 10 anos também se mobilizaram para retirar de discussão texto na Assembleia do RN Imagem: Carlos Ezequiel Vannoni/Estadão Conteúdo

Murilo Matias

Colaboração para Universa

19/08/2020 13h28Atualizada em 19/08/2020 13h52

Na semana em que religiosos se reuniram em frente a um hospital de Recife para tentar impedir o aborto legal de uma menina de 10 anos, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte pretendia analisar um projeto que quer, na prática, dificultar o aborto legal no estado e sujeitar mulheres a técnicas que sugerem tortura psicológica para que desista da interrupção da gravidez.

"Ao ser expedido alvará por autoridade judiciária permitindo o aborto, antes de realizá-lo, a gestante aguardará o prazo mínimo de 15 dias em que se submeterá obrigatoriamente a atendimento psicológico com vistas a dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento", prevê o projeto 028/2020, de autoria do deputado Kleber Rodrigues (PL-RN).

Em outro trecho do artigo 2 o projeto determina a "demonstração de técnicas de abortamento com explicações sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto, bem como a reação do feto a tais medidas".

O texto ignora as determinações do Ministério da Saúde, que traz protocolos de atendimento à mulher vítima de violência sexual. Além disso, o projeto contraria a lei ao afirmar que é preciso autorização judicial para que uma mulher tenha acesso ao aborto legal no país.

O projeto estava previsto para entrar na pauta da Comissão de Constituição e Justiça e Redação (CCJ), presidida por Kleber Rodrigues, na terça-feira. Uma série de protestos provocados por movimentos de mulheres no estado por meio redes sociais fez com que o texto fosse retirado de discussão.

Entre os grupos que protestaram estão coletivos feministas como o da Marcha Mundial das Mulheres, além de uma campanha organizada nas redes sociais com a divulgação de vídeos cobrando a rejeição do texto..

"Desde ontem [segunda] iniciamos uma mobilização nas redes repercutindo a questão e hoje [terça] recebemos a notícia de que o projeto não estava mais na pauta. Mas pode voltar a qualquer momento, por isso a luta segue para que seja arquivado", afirma a estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brisa Bracchi, que faz parte da Marcha das Mulheres. "São propostas absurdas, não são parte de um acolhimento psicológico de que as vítimas precisam, mas um procedimento de obstrução, constrangimento e julgamento da decisão da mulher."

Para socióloga Renata Sapucaí, também militante da Marcha Mundial das Mulheres, há um cenário propício com o governo do presidente Jair Bolsonaro para se colocar em pauta retrocessos em relação ao direito da mulher. "Cometemos um grave erro no início do governo Bolsonaro ao achar que as declarações absurdas da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, eram uma cortina de fumaça para distrair a opinião pública. Os frutos dos ataques aos direitos humanos e ao movimento feminista estão aí, disputando a opinião pública, ocupando a Assembleia Legislativa e atacando concretamente nossas vidas", observa.

Procurado, o deputado Kleber Rodrigues afirmou, por meio de sua assessoria, que considera alterar pontos do projeto ou até retirá-lo em definitivo diante da reação contrária.

Para advogada, proposta tem trechos inconstitucionais

Para Mariana de Siqueira, advogada e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, há prováveis inconstitucionalidades na proposta. "Esse projeto aparenta ter vício de constitucionalidade em seu conteúdo ao violar a liberdade, a saúde psicológica, a dignidade da mulher e a autonomia para cuidar de seu corpo, especialmente numa situação na qual ela se encontra amparada por uma decisão judicial que a protege quando decidida pelo aborto."

Apesar de ser o único estado do país com uma governadora mulher, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte conta com apenas 3 das 24 cadeiras ocupadas por mulheres.

Além disso, a situação de violência contra as mulheres apresenta números preocupantes no estado. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desde o início do isolamento social, registrou-se um aumento de 80% nos registros de estupros no estado em comparação a 2019.