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Família busca justiça por jovem morta pelo ex dentro de carro da polícia

Laís Fonseca foi morta pelo ex dentro de um carro policial - Arquivo pessoal
Laís Fonseca foi morta pelo ex dentro de um carro policial Imagem: Arquivo pessoal

Abinoan Santiago

Colaboração para Universa

20/08/2020 04h00

Quase três anos depois do assassinato de Laís Fonseca, aos 30 anos, praticado pelo ex-namorado dela, em Pavão (MG), a família da vítima ainda pede por justiça por acreditar que o caso poderia ter tido um desfecho diferente.

Ao descobrir uma câmera instalada no banheiro pelo ex, Valdeir de Jesus, a jovem acionou a Polícia Militar. Mas os dois foram levados à delegacia no mesmo banco do carro policial. Sem algemas e sem passar por revista, o homem matou Laís com uma faca dentro do automóvel.

Desde 2017, a família de Laís batalha na Justiça para responsabilizar o estado mineiro. No dia 6 de agosto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou o governo do estado a indenizar a família da vítima. Ainda cabe recurso ao processo.

"Se os policiais a tivessem protegido, minha irmã não sairia assassinada da viatura na presença deles. Ela deveria ser protegida, mas foi morta", desabafa a vendedora autônoma Luciene Fonseca, de 41 anos, irmã de Laís. "Foram muito negligentes ao carregar os dois no mesmo banco. Minha irmã morreu sob responsabilidade do Estado, dentro de um veículo oficial da Polícia Militar. Ela buscou ajuda e foi assassinada dentro da viatura."

Segundo a decisão da Justiça, o estado deve pagar R$ 70 mil para cada um dos pais de Laís e R$ 40 mil para cada um dos três irmãos. Procurada por Universa, a Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais informou que não se manifestará sobre o caso.

A defesa da família de Laís recorrerá da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por discordar do valor estipulado pelo judiciário mineiro.

"Nada vai pagar pela vida ou trazer a minha irmã de volta, mas é um direito que buscamos pela negligência do estado e despreparo desses profissionais", diz a irmã.

Como o processo continua, a família diz que a dor permanece, pois, a cada decisão judicial, o fato volta à memória.

"Revivemos tudo o que passamos em outubro de 2017. Esperamos que a Justiça seja feita, pois é uma vida foi tirada no momento que pediu ajuda para ser protegida", diz Luciene.

Ex instalou câmera no banheiro dela

O crime aconteceu em 7 de outubro de 2017, quando Laís descobriu uma câmera instalada na janela do banheiro usado por ela e pelo filho, que à época tinha oito anos. A jovem desconfiou do ex-namorado, Valdeir, com quem ficou por três anos, e acionou a polícia. O casal estava separado há menos de um mês.

Valdeir foi preso e confessou que colocou a câmera para vigiar a ex-namorada e saber se ela se relacionava com outra pessoa. O caso precisou ser levado à delegacia porque as imagens também registraram o filho de Laís, menor de idade, no banheiro.

Segundo a família, como em Pavão não existia delegacia de Polícia Civil aberta, os militares levaram Laís e Valdeir para Teófilo Otoni, cidade a 71 quilômetros dali. No caminho, Valdeir pediu para pegar os documentos em casa. Foi sozinho ao imóvel e escondeu uma faca na meia. Os policiais não o revistaram antes de ele entrar novamente na viatura. A negligência dos policiais revoltou a família tanto quando o feminicídio praticado pelo ex de Laís.

"Como se pega um casal que estava em desentendimento, em uma situação grave, e coloca no mesmo banco, lado a lado na viatura, e sem revistá-lo? Claro que houve negligência do estado", diz Luciene.

Preso desde o crime, Valdeir cumpre pena de 14 anos de prisão em regime fechado. O filho de Laís hoje mora com o pai em Portugal.

Sem registro de violência anterior

De acordo com a família, antes do crime, não havia nenhum registro de violência de Valdeir contra Laís. Eles se conheceram quando passaram a trabalhar para um mesmo patrão. Laís era recepcionista na pousada do empresário enquanto o homem tirava o sustento como funcionário de um supermercado.

O casal manteve um relacionamento por três anos e, durante este tempo, Luciene conta que a irmã nunca relatou ter sido vítima de violência, mas admitia que Valdeir era ciumento.

Ao confessar para a polícia que colocou a câmera no banheiro da ex-namorada, ele justificou que era para saber se Laís estava se relacionando com outra pessoa após o fim do namoro.

"Ele era muito ciumento. Isso ela dizia para gente, mas nunca entrou em detalhes. Acredito que não imaginava que ele seria capaz de fazer tudo isso", diz a irmã.

No trajeto para a delegacia, Laís conversou com a irmã. E Luciene foi à delegacia acompanhar o caso.

"Quando cheguei lá, informei que era irmã da moça que chegou de Pavão em uma viatura para fazer uma denúncia. O policial civil pediu para eu entrar e disse que o corpo estava no IML. Perdi o chão, quase caí. Me senti impotente porque estava esperando a minha irmã chegar em casa e isso não aconteceu", diz.

Valor não repara dor da família

De acordo com o advogado da família de Laís, Jonatas Souza, o caso de Laís é considerado o primeiro no Brasil em que uma mulher é esfaqueada pelo ex dentro de um veículo sob custódia de policiais militares.

O ineditismo resultou em impasses na definição dos valores da indenização porque não existe um caso anterior como referência para medição de um reparo financeiro pela falha do poder público.

A defesa usou como base a jurisprudência por mortes em acidentes de trânsito, que estipula uma indenização de 100 a 500 salários mínimos vigente no ano do fato. A família pleiteia 250 salários mínimos para cada pai e 150 para cada irmão.

"O valor não vai reparar a dor da família, mas entendemos que [o valor determinado pela Justiça] está aquém do que é de direito deles. O caso da Laís é único. Nunca houve nada parecido", diz o advogado.

A defesa também esclareceu que a decisão de pedir indenização ao governo mineiro se deu em razão de os policiais estarem representando o estado como servidores públicos.

"Quando o dano moral ou patrimonial é ocasionado pelo prestador de serviços, ou seja, pelo funcionário público no exercício de suas funções, a responsabilidade recai na pessoa jurídica vinculada, que neste caso é o estado de Minas Gerais", explica.

PMs respondem a processo na Justiça militar

No voto pela indenização à família, o desembargador-relator do TJMG, Moreira Diniz, rechaçou o recurso do estado mineiro, que alegou uma relação amistosa entre a vítima e o ex. O magistrado ainda criticou a atuação dos policiais no caso.

"A vítima havia denunciado o ex-companheiro em razão da instalação de uma câmera escondida em seu banheiro, sendo que este confessou aos policiais que assim agiu por suspeita de traição. Somente esse fato já era suficiente para indicar aos policiais que a relação entre o casal não era amistosa", sustentou o magistrado, que considerou "inconcebível que um preso não seja revistado pela polícia".

Os dois policiais militares que atenderam à ocorrência envolvendo Laís foram autuados por homicídio culposo pela corporação. De acordo com o 19º Batalhão da Polícia Militar, eles descumpriram uma norma interna da corporação ao não revistarem novamente o suspeito antes que ele entrasse no carro policial.

A Polícia Militar de Minas Gerais informou a Universa que, internamente, os militares envolvidos sofreram suspensão, sendo efetivada "sanção disciplinar". A corporação, no entanto, não informou o período do afastamento e qual a punição. Segundo a nota enviada a reportagem os policiais também respondem a processo na Justiça militar.