Influencer hackeada é chantageada com pedido de nude. O que diz a lei?

Criadora do perfil "Como vai, gordinha", no Instagram, em que divide conteúdo sobre moda para pessoas gordas e empoderamento feminino, a influenciadora digital Kate Botelho Viana perdeu sua conta para um hacker no dia 12 de agosto - e, para devolvê-la, o criminoso cobrou que ela enviasse nudes para o perfil.

Na terça-feira, Kate foi à Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos (DRCI), no Rio de Janeiro, onde mora, com os prints do perfil hackeado e das conversas que travou com o suposto hacker. Ela usou uma conta paralela para negociar com ele a retomada do @comovaigordinha - que, por todo o tempo, teve o nome trocado. Foi quando ele enviou a ela mensagens de "Send me nudes" (em português, "me envie nudes"). Na delegacia, foi orientada pela polícia a registrar a ocorrência como estupro visto que, segundo as autoridades informaram à influenciadora, o crime teria passado de invasão e roubo de dados para um crime sexual; configurado, pela unidade policial, como um estupro virtual.

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O fato de o crime ter ocorrido virtualmente, diz a advogada consultada por Universa Fernanda Darcie, que é pós-graduada em Direito Penal e Criminologia, faz com que a tipificação do caso — ainda que grave — seja alvo de interpretações diferentes. "Parece-me que ele está fazendo uma ameaça a ela, por estar barganhando. No entanto, não há uma conduta específica para isso, porque é uma novidade nesta área criminal", justifica.

Após contato de Universa com a assessoria de imprensa do Instagram, a influenciadora retomou o perfil na tarde desta quarta-feira. Entenda o caso.

Instagram de influenciadora gorda é hackeado

Com 51 mil seguidores, o @comovaigordinha é o espaço em que Kate Botelho Viana trabalha pelo empoderamento feminino e divulga conteúdo sobre moda plus size. Desde terça-feira passada, a atuação na internet foi interrompida: ela passou a receber avisos pelo e-mail de que os dados de acesso ao perfil foram trocados; a conta, então, foi invadida por outro usuário em São Paulo e, posteriormente, na Turquia.

"Abri o Instagram às 8h da manha de quarta, para dar bom dia aos seguidores, e não consegui mais acessá-lo. Dava como suspenso ou bloqueado", relata a influenciadora. Nos Stories do @comovaigordinha, uma mensagem em turco dizia algo como "Olha, uma gorda fashion e que agora está no meu domínio", relembra.

"Send me nudes"

"Então, usei meu perfil pessoal para pedir que ele devolvesse a conta. Ele me falou que se eu colocasse um monte de foto nua, ele devolveria. Disse para eu mandar nudes".

A influenciadora deu print nos diálogos pela plataforma e foi à delegacia. Em entrevista para Universa, a advogada Fernanda Darcie, presidenta da Comissão de Diversidade Sexual da OAB de São Caetano do Sul, afirma que o caso tem respaldo legal.

Na interpretação de Darcie, no entanto, há "desproporcionalidade" na tipificação como estupro ou mesmo estupro virtual. "Para que seja estupro virtual, é necessário que seja constatado o ato de constranger alguém, em um relacionamento virtual, à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal", explica. "Sem isso, apesar de o delegado ter compreendido assim, entendo que seria impossível a configuração do crime de estupro".

Nem mesmo a categoria de "sextorsão", uma forma didática de associar o crime de extorsão a crimes sexuais, poderia contemplar o caso da influenciadora, diz a advogada. "Sextorsão é quando há constrangimento da vítima para que a ela 'troque' seu conteúdo íntimo por um benefício financeiro ao agressor", detalha.

"É o já tradicional crime de extorsão, tipificado no artigo 158 do Código Penal, em que o constrangimento à vítima ocorre no âmbito da sua dignidade sexual, normalmente com ameaça de exposição de conteúdo íntimo e sexual dela em troca de alguma vantagem econômica. No ambiente virtual, as imagens e os vídeos já são armazenados".

O fato de a lei prever vantagem financeira, especificamente, aponta a especialista, não se aplica no que aconteceu com o @comovaigordinha, já que o suposto hacker não pediu ou ganhou dinheiro com a conta até agora. "Extorsão é um crime contra o patrimônio, então o entendimento majoritário é de que é necessária uma vantagem financeira/econômica para o agressor. Normalmente, eles pedem dinheiro ou compra de bitcoins".

A situação vivida por Kate Viana, no entanto, tem respaldo no crime de "divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia" e de ameaça, ambos previstos no Código Penal, diz a advogada.

Do lado de Kate, houve prejuízos. Antes de ter o perfil de volta, sentiu o baque profissional de ter a conta da rede social hackeada e ficar "fora do ar" por uma semana. "Eu estava começando a monetizar, bem pouquinho. Atrapalhou meu trabalho, porque as marcas de roupa, por exemplo, não me achavam no Instagram", diz.

Ela pondera que o caso mostra a fragilidade da segurança nas redes sociais e que, considerando pelo menos mais três perfis de amigas gordas que foram hackeadas, um padrão gordofóbico social. "Os gordos são odiados na internet. Acho que nossa ascensão incomoda".

Como recuperar conta hackeada no Instagram

No momento em que percebeu a invasão do hacker, a influenciadora mandou mensagem pela central de ajuda do Instagram. Foram sete dias sem direcionamento.

Após o contato de Universa com a assessoria de imprensa da plataforma por conta desta reportagem, Viana conseguiu reativar seu acesso ao perfil. Para isso, foram enviadas orientações de recuperação a um e-mail novo criado por ela.

Universa enviou e-mail perguntando para o Instagram, entre outras questões, se há um levantamento de quantas contas brasileiras foram hackeadas do início do ano até agora — além de mencionar o fato de que há perfis que dizem ser capazes de recuperar outras contas na rede, o que foi reportado por Kate Viana.

Em nota, a empresa disse que "segurança é prioridade e sabemos que perder acesso a uma conta no Instagram pode ser frustrante. Nós possuímos sistemas capazes de evitar que casos de hacking aconteçam e, em último caso, para ajudar as pessoas a recuperarem o acesso às suas contas. Encorajamos as pessoas a ficarem alertas e não clicarem em links ou aceitarem quaisquer solicitações suspeitas".

Além disso, sugeriu um passo a passo na Central de ajuda, caso o usuário caso acredite que sua conta foi invadida e dicas de prevenção:

• Não clique em links ou e-mails que pareçam suspeitos. Para isso, veja se é o Instagram que enviou a mensagem: acesse as Configurações, Segurança e E-mails do Instagram.
• Não informe sua senha a pessoas desconhecidas ou que não sejam de sua inteira confiança.
• Ative a autenticação de dois fatores para obter segurança extra para a conta.
• Certifique-se de que sua conta de e-mail esteja segura. Qualquer pessoa que tenha acesso aos seus e-mails, possivelmente, também terá acesso à sua conta do Instagram. Caso necessário, altere as senhas.
• Reveja os cuidados antes de autorizar aplicativos de terceiros.
• Ao usar computador ou celular que compartilha com outras pessoas, saia da conta e desmarque o "Mantenha-me conectado".
• Escolha uma senha forte. Use uma combinação de, no mínimo, seis números, letras e pontuações (como ! e -). Ela também deve ser diferente das senhas usadas por você em outros locais da Internet. Com frequência, troque a senha. Se o Instagram detectar que a sua senha pode ter sido roubada, isso ajuda você a manter a sua conta segura e a impedir que ela seja invadida no futuro.