Doméstica queimada pelo ex ajuda mulheres vítimas de violência doméstica
Era setembro de 2018. A diarista Marciane Pereira dos Santos, na época com 36 anos, chegava na casa onde morava, no bairro Jardim Tropical, em Serra, Espírito Santo, acompanhada dos dois filhos, de dois e cinco anos, à época, quando foi abordada pelo ex-marido, André Luiz dos Santos.
Depois de um relacionamento de sete anos cheio de idas e vindas, os dois estavam separados havia três meses, mas continuavam morando em casas lado a lado. Ao saber que a ex-mulher estava em uma nova relação, o homem quis explicações.
Marciane conta que tentou evitar a briga e foi para a casa da vizinha, onde deixou as crianças. Ao retornar para a sua residência sozinha, foi novamente abordada pelo homem. Depois de uma discussão, André tentou agredi-la com uma faca e, em seguida, jogou solvente, diesel e ateou fogo no corpo de Marciane.
"Foi tudo muito rápido. Só me lembro de ver um clarão. E meu corpo começou a pegar fogo. Eu me joguei no chão na tentativa de apagar as chamas e gritei para a minha vizinha jogar água para controlar o fogo. Sentia meu corpo e meu cabelo queimando", diz Marciane.
Segundo a doméstica, ela permaneceu consciente até dar entrada no hospital. Teve queimaduras de segundo e terceiro graus na face, pescoço, tronco, pernas e braços. Cerca de 40% do seu corpo foi queimado.
Dezoito cirurgias. E mais pela frente
Marciane ficou internada em estado grave no centro de tratamento de queimados do hospital por cinco meses, três deles em coma na UTI. Fez 18 cirurgias e ainda deverá passar por mais algumas para reconstrução da face e no pescoço e nos braços para melhorar os movimentos. Hoje, faz sessões de fisioterapia e, como teve a perna esquerda amputada, se locomove com o auxílio de cadeira de rodas.
Devido às dificuldades da nova vida, o filho mais novo de Marciane, de quatro anos, fruto do relacionamento com o homem que ateou fogo nela, foi morar com a avó paterna. Já a filha mais velha, hoje com sete anos, continua morando com a doméstica. A menina é filha de um relacionamento anterior de Marciane.
"Apesar de eu já conseguir fazer diversas atividades sozinha, como comer e cozinhar, ainda preciso de ajuda para tomar banho e limpar a casa, por exemplo. Tenho muita saudade do meu menino, mas na minha situação não consigo cuidar dele, que é uma criança e requer muita atenção. Minha filha, já é maior e entende melhor a situação", explica.
Não se reconhece no espelho
Por causa das queimaduras, Marciane teve o rosto desfigurado e terá que fazer cirurgias plásticas para refazer o nariz, boca e orelhas. Devido à pandemia os procedimentos ainda não têm data para serem realizados.
A doméstica conta que, a pouco menos de um mês de completar dois anos do crime, ela ainda não se reconhece ao se olhar no espelho.
"É como se a minha visão estivesse embaçada e o que eu vejo não sou eu. Parece que um dia vou acordar, limpar meus olhos e voltar a me ver como eu era, sem essas deformidades. Ainda é difícil acreditar que tudo isso aconteceu."
Mulheres guerreiras
Ainda assim, Marciane tenta enfrentar as dificuldades com bom humor. "Eu sempre fui muito alegre e não posso deixar o que aconteceu me abalar. Agradeço todos os dias por acordar", diz.
Sem poder trabalhar, ela se dedica a ajudar outras mulheres que vivem em relacionamentos abusivos ou que foram vítimas de violência doméstica.
Integrante do grupo Mulheres Guerreiras, que dá assistência multidisciplinar e apoio financeiro a cerca de 70 mulheres, ela usa a sua trajetória para conscientizar as pessoas sobre os riscos de manter uma relação tóxica e a importância do combate à violência contra a mulher.
"Temos psicólogos, advogados e até uma delegada que auxilia essas mulheres dando todo o apoio necessário", diz Marciane. "Não é fácil deixar uma relação abusiva, mas tentamos mostrar para essas mulheres que é possível ter uma vida melhor. E uso o que aconteceu comigo para conscientizá-las sobre os riscos desse tipo de relacionamento."
Além do apoio a mulheres com o grupo, Marciane também faz palestras sobre violência doméstica e usa suas redes sociais para chamar a atenção das mulheres sobre o tema e passar mensagens de apoio àquelas que vivem em uma relação abusiva.
"Acho importante falar sobre o tema e mostrar a que ponto o ciúme pode chegar. Sempre digo que a mulher não pode se calar e permanecer em uma relação que não a faz feliz. Sei que muitas têm medo, mas nós, mulheres, não podemos nos esconder. Temos que lutar e pedir ajuda para mudar a realidade."
Crime foi motivado por ciúmes
O ex-marido de Marciane, André Luiz dos Santos, que é cadeirante, responde por tentativa de homicídio e está preso. À polícia, ele confessou o crime e disse que foi motivado por ciúmes.
De acordo com a doméstica, no início da relação, o ex-companheiro era um homem dócil. Apesar de nunca ter sofrido nenhuma agressão dele antes do crime, Marciane conta que, com o passar do tempo no relacionamento, André foi ficando agressivo.
"Ele me xingava, gritava e eu aceitava. As pessoas falavam que aquilo não era correto e que eu deveria sair daquela relação. Mas, quando amamos, não enxergamos o que realmente acontece", diz. "Por isso, é importante a gente também ouvir quem está fora da relação, porque eles veem a situação de outra forma, sem o olhar do amor."
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