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Jornalistas que são mães contam como foram afetadas pela pandemia

A jornalista Marcela Rahal com a filha, Sofia - Arquivo pessoal
A jornalista Marcela Rahal com a filha, Sofia Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Colaboração para Universa

25/08/2020 04h00

As primeiras semanas da pandemia do coronavírus em São Paulo criaram uma lembrança curiosa para a jornalista gaúcha Helen Braun, 37: "Eu fiquei dias sem ir ao banheiro da empresa onde trabalho para evitar ao máximo qualquer risco de me contaminar. Em função disso, deixei de tomar água durante o expediente." Helen é repórter de uma emissora da rádio BandNews FM e mãe de Tarsila, de um ano e cinco meses.

Cinco meses depois do início de uma quarentena que ela mais reportou do que viveu, a jornalista paulistana Marcela Rahal, 35, da CNN Brasil, constata sem muito idealismo o que foi a entrada gradual no fatídico 'novo normal' —no qual teve de conciliar a atividade profissional com a de mãe. "É uma conta que dificilmente eu consigo fechar, porque essas, agora, são condições que me trazem muita culpa, angústia, ansiedade e um medo permanente de não conseguir dar conta de tudo." Marcela é apresentadora de TV e mãe de Sofia, de sete anos.

No ar todos os dias apresentando um telejornal no SBT, a jornalista paraibana Rachel Sheherazade, 43, precisou furar a quarentena em função do trabalho, embora tivesse receio pelo potencial de estrago da pandemia desde antes do começo do confinamento no estado de São Paulo. "Eu estava vivendo aquilo, lendo e ouvindo sobre a covid, sobre o comportamento do vírus. Sabia que não era uma gripezinha, algo passageiro, mas que traria consequências drásticas para a vida de muita gente".

Isolada parcialmente com os filhos, Clara, 14, e Gabriel, 12 —estes, sim, em isolamento total—, espera que os filhos entendam o papel de mãe e jornalista que ela desempenha em meio à pandemia.

"Quando tudo isso passar e a história for contada, acho que meus filhos vão ter muito orgulho do papel que a mãe deles exerceu durante esse período tão difícil pelo qual a humanidade está passando."

Helen, Marcela e Rachel ilustram o que uma pesquisa da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) revela sobre as jornalistas brasileiras que são mães: a pandemia sobrecarregou a imensa maioria delas (85,9%), sobretudo as que moram em regiões metropolitanas (68,8%), têm entre 35 e 44 anos (56,4%) e contam com algum tipo de vínculo formal de emprego (58,5%).

Na prática de uma atividade essencial, muitas delas não podiam cumprir a quarentena, pois tinham de fazer reportagens nas ruas, entrevistar pessoas ao vivo ou apresentar programas em suas emissoras.

A pesquisa feita em agosto, por meio de um questionário online, teve 629 respostas de mulheres jornalistas e mães de todos os estados e do Distrito Federal. Os dados foram antecipados com exclusividade para Universa.

Os dados da pesquisa

A maior parte das mulheres que participaram do levantamento da Fenaj é do estado de São Paulo (24,6%), está em home office (59,8%) e ocupa cargos de assessoria de imprensa (40,1%). Ainda na estratificação por tipo de empresa, 11% atuam em veículo multimídia ou portais de notícias, 10,7% em emissoras de TV, 7,2% em jornais impressos ou revistas e 2,5% em emissoras de rádio.

No recorte racial, 63,9% das entrevistadas se declararam brancas, 25,9%, pardas, e 6%, pretas. Em 2013, a pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro, também da entidade, havia apontado que a categoria profissional é majoritariamente feminina, jovem e branca.

"Os relatos apontam que não há limite de carga horária no home office, e esse trabalho se soma com tarefas domésticas e dedicação ao acompanhamento dos filhos em idade escolar", diz a segunda vice-presidente e integrante da Comissão Nacional de Mulheres da Fenaj, Samira de Castro. "Mulheres jornalistas que são mães alegam estresse em função do próprio isolamento, angústia, além da falta de tempo para o lazer. Há muitos relatos de comprometimento da saúde mental com ansiedade, esgotamento e depressão."

Segundo a dirigente da Fenaj, chamaram a atenção nos resultados "o aumento de carga horária e o fato de essas mulheres estarem sempre disponíveis para o trabalho como uma condição do home office", bem como o fato de muitas alegarem que concentram o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos.

"Vale ressaltar que a maioria divide os cuidados com o pai, mas, ainda assim, se sentem sobrecarregadas com aulas online, afazeres domésticos, alimentação e afins", analisa.

O fato de a maioria das entrevistadas atuar em assessorias de imprensa, especialmente em órgãos públicos, pode ter levado à constatação da pesquisa de que a maior parte delas não teve comprometida a estabilidade financeira, aponta Samira, já que há mecanismos legais, no caso das carreiras no setor público, que vedam medidas de redução salarial ou suspensão de contrato.

"Cheguei a achar que não fosse aguentar", diz repórter da Band

Repórter e apresentadora na rádio BandNews FM em São Paulo, Helen conta que teve estágios diferentes na adaptação da rotina profissional à quarentena. Os primeiros 50 dias foram passados em home office com a filha de um ano e cinco meses, o enteado e o marido, que, também jornalista, voltou à atividade presencial antes dela. Em maio, ela também voltou, mas dividindo o expediente entre a empresa, em um turno, e o home office, em outro.

jornalista - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Helen Braun e a filha, Tarsila
Imagem: Arquivo Pessoal

"Durante um tempo, eu ia à redação apresentar o programa, saía e voltava para a minha casa, para terminar o turno lá. Tinha uma hora de intervalo, mas acabava usando esse tempo para me higienizar assim que chegasse", diz. "Mas faz muita diferença ter chefes que têm filhos, como é o meu caso, e conseguem se colocar no nosso lugar — meu horário de trabalho é pensado para a rádio, mas também para o fato de que eu possa estar com minha filha", explica.

Segundo a jornalista, um dos momentos mais tensos foi quando o casal teve de voltar a um ritmo mais normal nas empresas, o que demandou chamar a babá.

"Foi um momento muito duro, eu me sentia mal, mesmo que tivéssemos proposto horários alternativos a ela", diz. "Um dia, um ouvinte questionou como nós recomendávamos o 'fique em casa' como forma de estancar a contaminação do vírus, se ele próprio alegava ter R$ 3 na conta bancária e um filho menor de idade para sustentar. Jornalistas são seres humanos, e a gente pensa em mil coisas quando ouve isso."

No caso dela, a pandemia também foi acompanhada de queda no orçamento: desde a redução de horas extras até fim de trabalhos freelancers que complementam a renda. Com isso, para poder pagar a babá em dia, relata, teve de fazer um empréstimo.

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Helen e a filha, Tarsila
Imagem: Arquivo pessoal

"Em abril, cheguei a achar que não fosse aguentar, chorava, era muito pesado para todo mundo... Hoje eu acho que isso tudo serviu ao menos para eu entender que o novo normal que quero não é o velho normal."

A qual aspecto do "velho normal" ela se refere? "O de não repetir os mesmos velhos padrões nas nossas relações: mesmo dividindo bem as tarefas em casa, ainda assim eu me sentia sobrecarregada e acumulando tarefas", conta. Mas há aspectos da vida pré-pandemia dos quais a jornalista, sobretudo no home office, diz sentir falta: "Por exemplo, o olho no olho das relações interpessoais, especialmente as trocas na redação, a conversa no cafezinho... O ambiente profissional precisa ter essa outra moeda, ainda mais que temos ficando com cada vez menos referências e trocas", destacou.

Apresentadora da CNN Brasil: "A gente aprende a dar valor ao que é tão comum"

A paulistana Marcela Rahal, 35, teve um começo de pandemia agitado: os três primeiros meses foram na reportagem de rua da CNN Brasil, e, muitas vezes, em entrevistas coletivas nas quais o distanciamento social era até então impensável. Nos dois últimos meses, ela tem atuado na redação em uma rotina diária como apresentadora.

"O jornalismo por si só já exige muito da vida pessoal, mas, em um momento de pandemia, exige ainda mais", conta, lembrando de coberturas em entrevistas coletivas abarrotadas, ou em portas de hospitais de campanha a pacientes com covid. "Tive muito medo de ter a doença e ser assintomática, e, embora eu não tenha tido coronavírus, mas tive medo especialmente porque no começo sabíamos muito menos sobre o vírus", descreve.

Com uma rotina de trabalho tão demandada por um momento que ela define como "inédito, embora em um sentido ruim", a jornalista fala da dificuldade de acompanhar a nova rotina também da filha de sete anos, que tem aulas online e perdeu o contato presencial com os coleguinhas de escola. "É muito difícil conciliar o trabalho e a dedicação que tem que ter, ainda mais um trabalho que é uma atividade essencial, como o jornalismo, com o papel de mãe —que é o mais importante e fundamental na minha vida".

Nas reportagens de rua, nos meses iniciais da quarentena, além dos hospitais de campanha para pacientes de covid-19, Marcela esteve também nas concorridas entrevistas diárias do governo do estado, no Palácio dos Bandeirantes, repletas de autoridades, repórteres, assessores, fotógrafos e cinegrafistas.

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Marcela e a filha, Sofia
Imagem: Arquivo pessoal

"Tive muito medo de ter a doença e passar para minha filha ou para o meu marido [também jornalista na emissora]. É angustiante e difícil e, ao mesmo tempo, eu tenho que trabalhar, essa é minha profissão e preciso prestar esse serviço."

Após cinco meses de pandemia no país, Marcela acredita em lições positivas a serem tiradas de toda essa experiência.

"A gente reaprende a dar valor para as coisas comuns. Antes você ia ao restaurante, sentava, pedia, comia e ia embora. Hoje, dá para ver que isso é uma grande fonte de prazer e que faz falta", diz. A experiência dos momentos de isolamento social possibilitou algo novo: a adoção de um gatinho —a família já tinha um cachorro. "A gente acabou crescendo em família e no sentido do cuidado, da atenção."

Rachel Sheherazade: "Não me sinto culpada por estar trabalhando"

Apresentadora no SBT, a jornalista Rachel Sheherazade vai na contramão dos que afirmam ter descoberto múltiplas habilidades durante a pandemia, isolados em suas casas. "Não sou daquelas que cozinham bem e não desenvolvi nenhum dom especial durante a pandemia. Continuo sendo péssima na cozinha, mas estou vendo séries, lendo bastante [o escritor português José] Saramago, principalmente, e esperando dias melhores. Tenho fé que eles virão."

A jornalista e os filhos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rachel Sheherazade e os filhos Clara e Gabriel
Imagem: Arquivo pessoal

Os filhos adolescentes passaram a ter aulas remotamente, o que inviabilizou não apenas a rotina na escola com colegas, amigos e professores, como os impediu de acessarem áreas do condomínio onde moram em busca de atividades de lazer. Já a mãe jornalista, no ar todos os dias, não teve a possibilidade do home office em função da natureza do cargo.

"Dispensei minha empregada por um mês, depois dei a ela um mês de férias, e aí passei a reduzir o número vezes que ela vinha para duas por semana. Estamos preparando alguns pratos e congelando para usar durante a semana. Minha filha, que adora cozinhar, aproveita para reinventar receitinhas que ela vê na internet. Quanto à limpeza, eu me encarrego de aspirar a casa, limpar os banheiros e cuidar das plantas. Meus filhos retiram o lixo e todos lavamos os pratos e cuidamos da nossa gatinha: relata.

Os filhos adolescentes passaram a ter aulas remotamente. "Eles pararam de ir para a escola; passaram a não ter lazer, né? O lazer deles passou a ser o apartamento", conta.

Rachel afirma não ver mais a família desde antes da pandemia, já que se informava sobre a doença na China e na Europa, já em fevereiro, e temia pelo que pudesse chegar ao Brasil. Mudou jeitos de cumprimentar os amigos e conhecidos (um breve olá, de longe, em vez de abraços e beijos) e se isolou, como pôde, com os dois adolescentes em casa.

Rachel Sherezade e os filhos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rachel Sherezade e os filhos
Imagem: Arquivo pessoal

Crítica ao atual governo federal e, ao mesmo tempo, receosa pelas consequências trazidas pela covid-19, Rachel admite que não conseguiu fazer o isolamento social como desejava, mas se perdoa porque considera o jornalismo uma atividade essencial.

"Acho essencial que a imprensa esteja presente para informar, tirar dúvidas e estar ao lado da sociedade quando o governo federal se omite e tem uma posição de completo descaso com a doença, minimizando mortes e a dor dos infectados ou a dor dos que perderam seus entes queridos", diz. "Nesse vácuo, então, a imprensa tem de estar presente e cumprir esse papel social que caberia ao Estado brasileiro."