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"Culpa e vergonha", diz atriz Karen Junqueira, vítima de estupro aos 12

A atriz Karen Junqueira - Sergio Borchat/Divulgação
A atriz Karen Junqueira Imagem: Sergio Borchat/Divulgação

Marcela de Genaro

Colaboração para Universa

26/08/2020 04h00

O caso da menina capixaba de dez anos, que foi estuprada, engravidou e conseguiu interromper a gestação após um périplo que envolveu a revelação de sua identidade, protegida por lei, e protestos contra a própria menina e a equipe médica que a atendeu atingiu em cheio a atriz Karen Junqueira.

"Quando fundamentalistas religiosos chamam uma criança de assassina, a gente não tem que repensar as estruturas da sociedade? Como expor uma vítima e proteger o abusador?", questiona a atriz.

Karen Junqueira também foi vítima de abuso infantil. Depois de anos de silêncio sobre o que passou, ela decidiu tornar pública a traumática experiência de ser estuprada aos 12 anos pelo pai de uma amiga, em relato à revista Claudia, em julho. Disse que decidiu se abrir para encorajar outras vítimas a não se calarem.

"Era aniversário da minha melhor amiga e acabei passando a noite na casa dela. Eu me lembro de cada detalhe. Estávamos juntas, lado a lado, dormindo na mesma cama. Era tarde da noite, usávamos o mesmo pijama branco estampado com palhacinhos vermelhos. Foi quando meu sono foi interrompido pelo pai dela. Naquele instante meu mundo parou. Eu congelei e sequer consegui abrir os olhos ou a boca para gritar", escreve a atriz no relato.

Aos 37 anos, a mineira, que vive no Rio de Janeiro e atuou em novelas como "Malhação" e "Haja Coração", enxerga a informação como chave mudar esse cenário. Algo muito distante da realidade de quando ela era pequena, em Caxambu (cidade de cerca de 21 mil habitantes), como conta a Universa.

"Fui acordada no meio do sono e alguém veio arrancar minha intimidade. Uma intimidade que eu nem sabia ainda para o que era direito. Hoje, temos a comunicação a nosso favor. Na minha época, não tinha internet e a informação era limitada."

Pai rígido e pacto de silêncio com a mãe

Os costumes patriarcais enraizados junto a uma "culpa religiosa", que trazia uma sensação de impureza, a fizeram calar sobre o abuso. Sentia-se culpada, mesmo sendo uma vítima. Ela só contou para a mãe o que aconteceu quando o pai morreu. Juntas, fizeram pacto de silêncio. Karen não julga a mãe. Entende que ela agiu de acordo com a sociedade da época.

"Meu pai era muito rígido e eu fiquei com medo de qualquer coisa ser culpa minha. Uma das primeiras coisas que uma pessoa abusada sente é culpa. Culpa e vergonha. Hoje, não tenho mais vergonha."

À época, Karen tinha acabado de terminar a primeira comunhão.

"Existe um sentimento de culpa e a gente confunde religiosidade com certo e errado. É preciso olhar a culpa onde está, sendo laico. Eu fui a vítima, mas a culpa vem. Você pode perguntar para quem foi abusada: em 90% dos relatos que recebi após o depoimento, está presente o sentimento de culpa."

Segundo Karen, a pandemia a fez chegar à conclusão de que seu silêncio não ajudava ninguém.

"A diferença é que, se eu falar, eu posso ajudar uma pessoa, fazer diferença para ela. Graças a Deus eu tive acesso a terapia, mas e quem não pode? E quem não tem educação ou acesso à informação? Se uma mãe ler e ficar ciente, já é um ganho."

A exposição do abuso por parte de Karen gerou o que ela desejava: sororidade e alerta. Ela conta que recebeu mais de 50 relatos semelhantes ao dela.

"Percebi que, quando se fala, quem passou por isso se identifica e fala também. Recebi relatos de pessoas que nunca contaram o que passaram para o marido, que nunca tiveram coragem de contar para os pais. Esconderam o estupro quando perguntadas pelos companheiros sobre como perderam a virgindade: 'Foi um namoradinho', disseram. Recebi até caso de estupro pelos irmãos."

Silêncio dá espaço para impunidade

Ela conta que continua a receber mensagens carinhosas, mas quer avançar na discussão.

"Eu só queria mostrar para alguém que passou pela mesma coisa que o caminho não é o silêncio porque precisa existir justiça. Cada vez que a gente fica em silêncio, a gente está dando espaço para a impunidade. E também não existe a sua culpa. Não se culpe por isso. A questão é não permitir a impunidade."

Com sua experiência e relato, ela busca também alertar os pais para que possam abrir um diálogo com as crianças e, assim, prevenir possíveis abusos.

"É muito importante que os pais conversem com seus filhos de forma clara: 'Aqui outra pessoa não pode colocar a mão, é a sua intimidade'. 'Qualquer pessoa que colocar a mão você tem que falar para mim'. 'Isso é errado, outra pessoa não pode tocar'".

O diálogo acolhedor com uma pessoa da família ou alguém de confiança, diz Karen, podem ajudar também uma criança que foi vítima de violência sexual.

"Fiquei pensando: 'E se ele fez com outra menina?' Eu não tinha maturidade para isso. Chorei e fiquei quieta. A minha sensação era que a de que eu seria um problema para os meus pais, porque eles eram amigos da família. E minha amiga sofria porque os pais brigavam", diz.

"É difícil colocar essa responsabilidade no colo de uma criança, colocar a decisão no colo dela. Mas, se ela sabe que aquilo é errado e tem uma pessoa em quem ela possa confiar muito, ela vai se abrir."

Errata: este conteúdo foi atualizado
Versão anterior da reportagem dizia que a menina de dez anos havia sido estuprada pelo tio. O tio da garota foi acusado e é réu no caso.