Negras sozinhas e só família branca: bancos de imagens espalham estereótipo
Bancos online de imagens reproduzem estereótipos preconceituosos em buscas por fotos de famílias, mostra um estudo desenvolvido por pesquisadoras das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Rio Grande do Norte (UFRN).
Indício disso é que mulheres negras são mostradas desacompanhadas com mais frequência do que mulheres brancas e famílias brancas são indicadas como padrão de normalidade em detrimento de famílias racializadas.
Para elaborar o estudo, as pesquisadoras analisaram mais de duas mil imagens e ilustrações nos sites Getty Images, Sutterstock e Stockphotos. Buscaram termos "família", "família branca" e "família negra". Para as autoras, os resultados obtidos são fruto de um "quadro remanescente do racismo moderno".
A solidão da mulher negra
Dentre os resultados das pesquisas, 14,01% das mulheres negras exibidas apareciam sozinhas, enquanto o número caía para 9,25% entre as mulheres brancas. Para as pesquisadoras, a falta de uma figura masculina ao lado no contexto de família reforça a ideia da rejeição afetiva enfrentada por pretas e pardas.
Autora da pesquisa, a pesquisadora em Estudos de Mídia da UFRN Denise Carvalho explica que a solidão da mulher negra é um conceito que surgiu a partir da análise estrutural da sociedade brasileira.
Consolidado sob as bases do racismo, patriarcado e classismo, o país possui legados simbólicos como a animalização do corpo negro de forma geral e, neste caso específico, a hiperssexualização da mulher negra, diz.
A pesquisa evidencia o preterimento da mulher negra nas relações afetivas estáveis. A provocação que trazemos com ela é de que quando um ser humano é destituído de sua humanidade, também acaba não sendo digno do afeto
Denise Carvalho, pesquisadora de Estudos de Mídia da UFRN
O estudo mostra que a família branca parece ser sinônima de padrão nos bancos de imagem pesquisados. A maioria dos resultados das buscas por "família" nessas plataformas retorna fotos de arranjos familiares desse tipo.
Das 920 imagens pesquisadas nos três bancos:
- 534 famílias eram totalmente brancas (58,04%);
- 58 eram totalmente negras (6,3%) e;
- 57 de outras raças ou inter-raciais (6,19%).
A hipótese é que, ao não serem usados os termos "branco" ou "negro", os algoritmos entendem que a pesquisa deve fornecer resultados neutros. Mas o algoritmo entende que pessoas brancas são o padrão.
Coautora do estudo, a professora da Escola de Comunicação da UFRJ Fernanda Carrera explica a situação:
Tendemos a atribuir aos mecanismos de buscas e algoritmos uma neutralidade e objetividade. Queremos mostrar com esse estudo que essas tecnologias também reproduzem e reforçam estereótipos interseccionais - de raça, gênero e classe - e desigualdades sociais
Algoritmos reforçam o racismo?
Não é a primeira vez que uma representação discriminatória é percebida em uma plataforma online. Em julho de 2020, a jovem negra Luana Daltro, de 26 anos, descobriu que sua foto estava atrelada à expressão "cabelo feio" no Google Imagens. Junto de sua foto estavam a de outras mulheres com cabelo crespo e volumoso.
Curiosamente, a foto de Luana foi indexada pelo mecanismo de busca justamente porque a imagem dela foi incluída em uma entrevista em que negava a expressão. O caso repercutiu nas redes sociais, que acusaram o mecanismo de busca de racismo.
No fórum de ajuda do Google, um usuário questiona sobre o que fazer para denunciar casos de racismo nas buscas. "Digito 'tranças bonitas' e só aparem pessoas brancas. Já nas 'tranças feias', o resultado são apenas de pessoas negras. O Google argumenta que é a favor da diversidade, mas deixa isso acontecer na própria página", comenta o internauta.
Para o Google, a culpa da situação é a forma como produtores constróem seus conteúdos. "Como os sistemas (de buscas) encontram e organizam informações disponíveis na web, eventualmente, a busca pode esperar estereótipos existentes na internet e no mundo real em função da maneira como alguns autores criam e rotulam seu conteúdo", afirma a empresa, em nota.
Sobre a pesquisa das pesquisadoras da UFRJ e UFRN, Sutterstock e Stockphotos não responderam aos questionamentos do UOL até a publicação desta reportagem.
De acordo com a Getty Images, a interação das pessoas é um dos muitos fatores que influenciam seus algoritmos de busca e classificação. "Um cliente pode impactar a posição futura da imagem nos resultados da pesquisa, o que pode criar um desequilíbrio na diversidade. Passamos um tempo significativo ajustando o algoritmo para combater os preconceitos", afirma a diretora de Comunicação Externa Anne Flanagan.
Para reverter o quadro, a empresa diz que tem construído acervos de imagens mais diversas. Exemplo disso é o Projeto #NosMostre, uma biblioteca com mais de 2000 imagens lançada em 2019 para desconstruir a beleza de mulheres, indíviduos não-binários e que se identifiquem como mulheres. Em 2018, a Getty lançou uma coleção para retratar pessoas com deficiência física para buscar quebrar estereótipos.
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