Com paródia sobre Bolsonaro, dupla de humoristas cai nas graças de Caetano
Elas fizeram Caetano Veloso rir. E até chorar. Com um humor leve, divertido e crítico, sem ser agressivo, e uma costura de paródias com músicas populares, mas não popularescas, as atrizes Livia La Gatto e Renata Maciel, ambas com 34 anos, fizeram da internet o seu palco em tempos de pandemia e se tornaram virais.
A amizade e a parceria artística foram instantâneas desde a festa na USP em 2008, onde se conheceram. Mas foi na pandemia que, passando a morar juntas, acabaram explodindo em visualizações na rede. O vídeo que chamou a atenção do público foi publicado no fim de agosto e reúne paródias musicais em que a dupla questiona o presidente Jair Bolsonaro sobre os R$ 89 mil depositados por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, Michelle.
Elas não tinham nem colocado os nomes delas como "crédito" na edição do vídeo quando viram a publicação alcançar os grupos de WhatsApp, o noticiário e a casa de Caetano.
"Paula Lavigne [empresária e mulher do cantor Caetano] colocou na página dela. Nisso aparece na minha tela que Caetano Veloso está te seguindo", conta Renata. "Eu disse para Livia: "Pelo amor de Deus! Olha isso, o Caetano Veloso tá me seguindo. O que é que tá acontecendo? Amiga do céu, olha no seu perfil." Livia olhou. E o artista tinha passado a segui-la também.
A resposta foi gravar outra série de paródias, só com músicas de Caetano e sobre o fato de ele as estar seguindo. Livia La Gatto conta que não marcaram o cantor.
"Acho que o nosso público esperava uma reação como essa da gente, esse humor. Então foi aquela coisa de: perco o amigo, mas não o perco a piada. O máximo que poderia acontecer era ele deixar de seguir a gente", diverte-se a atriz.
A reação foi melhor do que a imaginada. Caetano não só aprovou a paródia de suas músicas, como elogiou, além de ficar tocado e chorar ao ouvir "Boas Vindas". Elas chamam o vídeo que mostra a reação do artista, publicado por Paula, de "presente da vida".
Livia passou o dia achando que ia vomitar. Mas, à noite, se lembrou dos muitos não que recebeu quando tentou divulgar trabalhos via outros artistas. Essa divulgação espontânea, fruto da qualidade do humor feito pelas duas, tinha um tom de vitória. À noite, chorou.
Artistas nerds
Renata Maciel estuda música desde pequena, tem como personagem de destaque a palhaça Trankeira e é do tipo de artista que pode descer fitas de circo tocando sanfona.
Já Livia, que também estudou música desde cedo, já fez séries e filmes e deu aulas de teatro para crianças, adolescentes e adultos por mais de dez anos.
Fazendo humor há dez anos, elas se definem como "artistas nerds". O pacote da dupla também inclui a banda brega Lírios na Lama, em que tocam músicas dos anos 70, 80 e 90, de artistas como Kátia, Bee Gees e Guilherme Arantes, além de algumas paródias.
Objetificada e estereotipada
Quem cresceu nos anos 1980 e 1990 se acostumou ao humor em que a mulher muitas vezes era objetificada. Desde a "Sessão da Tarde", nos dias de semana, passando pelo "Casseta & Planeta", às terças à noite, e chegando aos "Trapalhões", aos domingos, a personagem "gostosa" sempre aparecia por lá.
"Tem gente que vai nessa toada e tudo bem. Mas tem uma outra geração que está descobrindo o humor da mulher. Tem coisas com que só a gente pode fazer piada, e isso é maravilhoso, tem que ser incentivado", diz Livia, que tem foco em trabalhos em vídeo.
Mas a dupla ainda acredita que o lugar da mulher no humor segue estigmatizado em muitas produções.
"Às vezes, a mulher está lá porque ela vai ter algo com alguém, ela vai transar com alguém. Mas ela está ali por quê? Qual a profissão dela? O que ela vai fazer nessa trama? Estão escrevendo texto de 1994 em 2020. Parece que não tem mulher na equipe. Há produções que insistem em colocar a mulher gostosa estereotipada, que não tem nem fala", diz Livia.
Dentro desse cenário, a atriz destaca nomes que fogem desse cenário no humor e escrevem seus roteiros, além de protagonizar, como Ingrid Guimarães e Mônica Martelli.
Além das paródias, Livia faz sucesso com a personagem Consuelo Dicaboa, no YouTube e no Instagram, que usa o humor do absurdo para fazer reflexões sobre a sociedade e a política.
"Acho que o grito ecoa, mas não ecoa tanto quanto o riso. O riso você quer compartilhar com os amigos: 'vamos rir das nossas desgraças'. É humor de identificação", diz.
Camaradagem masculina, competição feminina
As atrizes gostam de lembrar que hoje há mais comediantes mulheres em cena, mas que o espaço para elas não é proporcional ao aumento de profissionais.
"Não existe [escolher entre] o Gregório Duvivier, ou o Fábio Porchat, ou o Marcelo Adnet. Homem pode ter um monte. Agora mulher só pode ter uma. Uma Ivete Sangalo, uma Tatá Werneck. Como se não tivesse espaço para várias", diz Livia.
"Com a mulher, ou a gente já começa com o pé na porta, sendo muito boa para conseguir prestígio na nossa profissão, ou estamos no meio da pirâmide para tentar subir e tendo que escutar: 'Mas a fulana é fraquinha, né?'", afirma a humorista.
A dupla também chama atenção para o fato de que um clima de competição, muitas vezes enraizado na criação das mulheres, em vez de um espírito de união, não ajuda a ampliar o espaço feminino entre humoristas.
"Os homens foram educados a um levantar o outro, e nós fomos deseducadas para isso. Então a gente vê uma pessoa fazendo o que gente faz e se sente ameaçada", diz Livia. "Isso é uma forma burra de educação, porque, se nos unirmos, somos maioria."
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