Favelagrafia: com fotos, mulheres querem desmistificar imagem da favela
Joyce Piñeiro, 24, comprou sua primeira câmera fotográfica profissional depois que uma foto sua recebeu o lance de R$ 4.000 em um leilão. "Foi a primeira vez que vi meu trabalho valorizado daquela forma", lembra.
Moradora do Morro da Providência, Joyce começou a trabalhar exclusivamente com fotografia no começo deste ano e faz parte de um grupo de 9 fotógrafos de comunidades do Rio de Janeiro que, juntos, formam o Favelagrafia, projeto que quer mostrar o cotidiano de favelas a partir de imagens. "A gente quer desmistificar estereótipos criados pela mídia hegemônica, que fazem a sociedade olhar a favela como um lugar perigoso", conta outra participante, a fotógrafa e jornalista Josiane Santana, 32.
A iniciativa surgiu em 2016 e nesses últimos quatro anos, o grupo formado por 9 fotógrafos já promoveu leilões para vender seus trabalhos e expôs fotografias em museus como o MAM-RJ (Museu de Arte Moderna).
Para Universa, as três mulheres que fazer parte desse projeto contam como ele mudou a forma como elas se relacionam com o próprio lugar em que vivem e como a paixão por fotografar as levou para um caminho profissional próprio.
Entre os tiros da polícia e Picasso
Joyce cresceu em torno do conflito entre a polícia e o tráfico de drogas. Ela conta que, por isso, as brincadeiras na rua eram escassas. "Uma vez, precisei correr até o meu prédio, parei em um muro, encostei, e um policial do outro lado disparou tiros contra a parede na minha direção. Senti minhas costas tremerem", lembra.
O cotidiano de violência não impediu que a infância fosse de fantasia: apaixonada por pintura, ela sempre teve o incentivo da mãe: "Eu pintava em aquarela e me achava o Picasso".
Inspirada no avô, que também fotografava, Joyce começou a fazer fotos ao conhecer o Favelagrafia. E explica que, com suas imagens, quer contar histórias de pessoas da comunidade. "Uma vez, fiz a foto de um carteiro que trabalha pelas ruas da favela, fotografei seus pés e os traços de sua velhice. Nela quis mostrar os caminhos que ele percorreu durante toda a vida aqui na Providência".
Aos 13, parte do salário era para fotos
De infância dura, Elana Paulino, 34, começou a trabalhar aos 13 anos como babá e já demonstrava a paixão pela fotografia. Com parte do salário, "todo mês eu comprava um filme para a minha câmera analógica, e fotografava amigos, família e vizinhos". Há sete anos, teve a oportunidade de participar de um curso, onde aprendeu tudo que sabe sobre a prática.
Com um estúdio improvisado na sala de casa, a fotógrafa trabalha com retrato e eventos infantis e se divide entre o trabalho e o cuidado dos quatro filhos. E, assim como Joyce, gosta de sair para as ruas e fotografar a história de sua favela.
Muito conhecida pelos moradores de Santa Marta, Elana não tem dificuldades para fotografar. "Se eu quero contar uma história, tenho o diálogo aberto com qualquer um aqui dentro", diz.
"Garota da laje" é sua fotografia favorita. "Minha prima está deitada na laje, e no chão tem desenhos que imitam as calçadas de Copacabana. Ao fundo, a vista é ampla para a favela. Ali eu quis retratar a nossa realidade como ela é."
No caso da jornalista Josiane, mesmo nascida e criada no Complexo do Alemão, só passou a vivenciar o território a partir de 2013. "Tive uma infância na qual todo meu círculo de amizade era fora daqui, e por isso, não conhecia muita gente."
Foi depois que começou a trabalhar como recepcionista no centro de inclusão digital Nave do Conhecimento que essa realidade mudou. Durante este período, participou de projetos sociais, cursos de fotografia e direitos humanos e estreitou sua relação com os vizinhos.
Apesar de sua formação profissional, diz que toda construção de olhar, narrativa e enquadramento foi fotografando becos, arquiteturas e pessoas da comunidade.
"Com a minha fotografia quero derrubar estereótipos e denunciar o descaso do poder público", afirma. Revela que sua série favorita são registros de uma remoção de casas.
Quando as fiz [a série sobre remoção], quis impactar os moradores, para que eles sintam a mesma revolta que eu. É um absurdo, que nos removam de onde moramos, esses lugares têm histórias Josiane
Leilão de fotos contra pandemia
Durante a pandemia, o grupo trabalhou para ajudar moradores de suas comunidades. "Nosso papel não é apenas fotografar a favela e falar sobre ela. Estamos inseridos neste contexto, e por isso temos responsabilidades", diz Joyce.
Ela explica que o grupo realizou um leilão para arrecadar dinheiro para cestas básicas. Para Elana, as cestas chegaram em boa hora: "Muita gente foi demitida, inclusive eu, e toda ajuda foi fundamental para nos mantermos com menos dificuldades".
Foram ao menos sete favelas impactadas com doações de cestas básicas e kit de higiene pessoal e de limpeza. A ação ajudou ao menos cem famílias das comunidades do Morro do Fogueteiro, Borel, Morro da Mineira, Babilônia, Morro da Providência, Duque de Caxias e Santa Marta.
Ao ajudar na distribuição, Josiane relata que se deparou com diferentes difíceis por onde passou. "Vi pessoas passando fome, casas sem sequer água e sabão para higienização. Como exigir que essas pessoas se previnam contra o vírus?"
As três fotógrafas agora preparam seus ensaios sobre a quarentena. Josiane, por exemplo, deu início a série "Olhos da quarentena": "Fotografei, da janela, as poucas pessoas que passavam". Elana e Joyce registraram ações de solidariedade em suas comunidades.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.