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Talytha Pugliesi sobre depressão: Pessoa cheira, bebe, mas não toma remédio

Talytha Pugliesi - Vinicius Ziehe/Divulgação
Talytha Pugliesi Imagem: Vinicius Ziehe/Divulgação

Marcela de Genaro

Colaboração para Universa

16/09/2020 04h00

Ela já caminhou de salto alto nas passarelas de marcas como Dior, Chanel e Valentino. E desfilou até na Muralha da China. Quem observa de longe o suposto país das maravilhas da modelo e atriz Talytha Pugliesi, 38, que interpretou a Alice de Lewis Carroll há um ano nos palcos, talvez não imagine que o sucesso profissional ande, em sua vida, junto com a depressão.

Talytha sempre foi boa em se observar. Morando em Paris, em 2010, percebeu que o mau humor, que já era presente, tinha piorado e atrapalhava o seu dia a dia. Sentia falta de perspectiva. E isso trazia tristeza também. A ansiedade a consumia. Foi, por iniciativa própria, procurar a ajuda de terapeutas brasileiros. Em seguida, aproveitou uma viagem ao Brasil para consultar um psiquiatra e entender o que sentia. Foi diagnosticada e, desde então, convive com a doença e com o tratamento para amenizá-la.

No início do ano, Talytha superou a pior fase do transtorno, uma depressão profunda após a perda do ex-marido, o sérvio Michko Zivanovic, com quem viveu de 2003 a 2011. Michko morreu em 2018.

"Nós éramos muito próximos, tivemos uma relação muito especial e feliz. Mesmo depois de separados, tínhamos uma conexão forte de amor e de carinho. Tinha 36 anos e ele foi a primeira pessoa próxima de mim que eu perdi. Junto com o luto dele veio à tona um monte de coisas para curar", diz a modelo. A crise foi mais forte do que as que havia superado anteriormente.

"Eu não conseguia sair do lugar. Fiquei acamada, muito doente, de não conseguir fazer nada, cansada, com dor. Passei meses chorando. Foi bem forte. E é difícil aceitar porque você se culpa, você quer se levantar para trabalhar e não consegue", conta Talytha, que chegou a achar que tinha superado o momento em meados de 2019, até entender que não seguia bem.

O tabu dos remédios psiquiátricos

A atriz não tem receio de falar sobre o assunto. Pelo contrário. Discute saúde mental, fala sobre a questão em suas redes sociais e não se sente intimidada quando alguém lhe questiona sobre o tratamento psiquiátrico que segue com remédios.

"Vejo o quanto as pessoas ficam incomodadas. Elas não sabem lidar [com o tema] e é por isso mesmo que eu falo. Uma hora isso tem que deixar de ser tabu. As pessoas excluem, mesmo que se achem supermodernas. Elas cheiram pó [cocaína], bebem uísque e dizem que remédio não vão tomar. Eu digo: 'Ah, eu vou!'."

Talytha tem um exemplo dentro da família. Cresceu com um tio que tem depressão, doença que pode ser ocasionada por fatores genéticos e externos. Ela lembra que sentia medo, quando era pequena e moraram juntos na casa de sua avó, pois ele passava a noite acordado como um zumbi.

"Hoje, meu tio está controlado Observei o quanto ele foi excluído a vida inteira pela sociedade e inclusive pelos familiares. Isso, atualmente, me desperta uma compaixão e uma empatia tão grandes por ele. Eu me vejo nele. E não queria que ele tivesse passado por aquele sofrimento que passou."

Doença não reconhece privilégios

Talytha acredita que ter uma rede de apoio é fundamental. E que ela e sua rede aprenderam muito com a doença.

"A depressão ensinou tanto para mim quanto para o meu marido [o diretor cinematográfico Lucas Diego Lopez, com quem está desde 2014]. Com o tempo, ele foi aprendendo o que podia fazer ou não devia fazer. O que podia ou não falar", diz. "E eu aprendi que só precisava ter alguém ali mesmo, me dando amor e fazendo o que fosse possível para que eu não me sentisse ainda mais culpada."

A modelo destaca que a culpa é uma das partes mais terríveis do transtorno. Ela se sentia péssima e questionava o motivo de se sentir assim, pois tinha consciência de que sua vida era boa.

"Sou uma pessoa que acorda todo dia agradecendo a vida e reconhecendo meus privilégios, por mais que passe perrengues. Tem muita gente sofrendo mais do que eu. Mas teve um dia em que vi a louça para lavar e tinha vontade de morrer porque não tinha capacidade [de lavar]. Hoje, não estou mais assim. Só quem tem sabe. Não é preguiça. A culpa é o pior, eu me sentia culpada por tudo."

De uma forma geral, Talytha acredita que a melhor de apoio a uma pessoa que tem depressão é entender que a pessoa está doente e não julgar. "Você não pode querer que ela faça coisas que uma pessoa com saúde faz porque ela não consegue."

E, para quem lida com a depressão, a recomendação dela é voltar os olhos para as próprias emoções, tentar se se entender e inserir o autocuidado na rotina.

"A gente não tem o costume de lidar com as nossas emoções. Não nos foi ensinado. Chega uma hora em que o balde está lotado e começa a transbordar. Eu diria a quem está deprimido: procure ajuda médica, nas suas relações e amparo espiritual."

Uma carta para a depressão

Os caminhos do tratamento de Talytha incluem a psiquiatria em conjunto com a psicoterapia, mas também buscas espirituais e profissionais. A escolha por artes cênicas como um segundo ofício, para ela, também contribui para o bem-estar.

"No ano passado, me sentei com a minha agenda para escrever uma carta para a minha depressão. Comecei a aceitar que ela fazia parte, que talvez eu tivesse que conviver com isso para o resto da minha vida. Porque até então eu pensava: 'Ah, mas um dia eu vou parar de tomar remédio...' E já se foram dez anos desde que tomo medicação."

Hoje, ela acredita que não pode descartar o tratamento com remédios, mas que é necessário buscar a cura interna e tratar as feridas que fazem adoecer, para além da questão química.

"Também me apeguei à espiritualidade, ao autoconhecimento. Quando não estava bem, colocava um mantra para ouvir, um solfeggio [frequências musicais que teriam potencial de cura]. Estou lendo um livro que diz que depressão não é doença, é inflamação, consagro a ayahuasca [bebida usada por povos tradicionais indígenas e em rituais religiosos que pode diminuir sintomas da depressão] se sentir que estou segura e bem para isso. Busco mil coisas. Gente, quero viver bem. Tem casos que não dá para tratar só com erva, alimentação e exercício físico."

Para ela, priorizar o autoconhecimento é chave para ter uma vida feliz.

"O que não dá para mudar, transmutar, você aceita e acolhe. É aprender a aceitar e se amar como se é."

Quem precisa de apoio emocional pode ligar para o CVV (Centro de Valorização da Vida) no número 188.