Número de candidatas a prefeituras das principais capitais tem leve aumento
O Brasil terá esse ano sua décima eleição municipal após a ditadura com muitas capitais ainda sem nunca terem elegido uma prefeita mulher. Mas esse cenário pode mudar. Levantamento feito entre as dez capitais mais populosas do país mostra um leve aumento no número de mulheres candidatas ao cargo executivo, em comparação com as eleições de 2016. No entanto, à exceção do Rio de Janeiro, que tem 43% dos postulantes à vaga representados por mulheres neste ano, nas outras nove capitais as candidatas mulheres não passam de 37% do total. E algumas só têm candidatos homens.
As candidaturas ainda dependem de confirmação na Justiça Eleitoral, até 26 de setembro.
Em 2016, essas mesmas capitais apresentaram no máximo 28% de candidatas mulheres às prefeituras. Naquele ano, 649 candidatas foram eleitas para o cargo nas 5.568 cidades brasileiras, o que representa apenas 11,7% do total. Houve, inclusive, uma queda de quase 3% no número de prefeitas eleitas em comparação com as eleições de 2012, conforme aponta o estudo Perfil das Prefeitas no Brasil (2017-2020), do Instituto Alziras.
Especialistas ouvidas por Universa apontam aspectos como pouca oportunidade dentro dos partidos políticos e o machismo estrutural como impeditivos para que elas ocupem cada vez mais esses cargos.
Poucas candidatas
Maior capital do país, São Paulo teve sua primeira prefeita mulher logo na segunda eleição direta, em 1988, quando a então petista Luiza Erundina substituiu Jânio Quadros. Mas ela nunca mais voltou ao cargo, apesar de ter tentado mais quatro vezes. Nas eleições de 2020, Erundina é candidata à vice-prefeita na chapa de Guilherme Boulos (PSOL).
São Paulo teria sua segunda prefeita mulher em 2000 com a então petista Marta Suplicy, que também não conseguiu voltar ao cargo nas três outras eleições das quais participou.
Neste ano, dos 14 candidatos ao posto, apenas três são mulheres: Vera Lúcia (PSTU), Marina Helou (Rede) e Joice Hasselmann (PSL). Em 2016, dos 11 candidatos, duas eram mulheres —justamente as ex-prefeitas Luiza Erundina e Marta Suplicy. Ou seja, a proporção de candidatas à prefeitura teve um leve aumento, de 18% para 21%.
Na avaliação de Tathiana Chicarino, doutora em ciências sociais pela PUC-SP, apesar de historicamente a cidade ter alternado bastante o perfil de seus prefeitos, com nomes como Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB), ainda faltam mais espaços para as mulheres.
"As duas prefeitas de São Paulo tiveram bons mandatos, mas muitas mulheres não têm nem espaço dentro do partido para serem candidatas ao executivo, ou mesmo ao legislativo", diz.
"A gente viu recentemente a cota de 30% dos recursos de financiamento de campanhas destinada a candidaturas de mulheres e o quanto iniciativas como essa vêm sendo conquistadas, mas ninguém chega como candidata à prefeitura se o partido não aceitar", pondera.
A especialista se refere à decisão do STF de que pelo menos 30% dos recursos para campanha do Fundo Partidário e do Fundo Especial Eleitoral deveriam ser destinados às mulheres, uma vez que a lei exige, no mínimo, 30% de candidaturas femininas e, portanto, os recursos devem ser distribuídos de forma proporcional.
Nas últimas eleições, em 2018, a Câmara passou de 51 para 77 deputadas —um aumento de 51% em relação a 2014—, e o número de deputadas estaduais cresceu 35%.
O problema é que a iniciativa impulsionou as chamadas "candidatas laranjas", mulheres que concorreram apenas para cumprir a cota e não receberam recursos de campanha. Natália Aguiar, doutoranda em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que apesar disso as cotas são importantes, mas precisam ser mais fiscalizadas:
"Foi com as cotas que se reconheceu a necessidade de abranger a representatividade na política, tanto que estamos tendo cotas raciais também, mas não são suficientes. Elas têm que ter controle e fiscalização, e os partidos precisam parar de apenas preencher cota e usar os recursos designados para isso".
Recorde no Rio de Janeiro
Apesar das iniciativas para se ter mais mulheres na política, os esforços parecem tímidos. O Rio de Janeiro, por exemplo, que nunca elegeu uma mulher para o cargo executivo, tem hoje 6 candidatas entre 14 pretendentes, considerado um recorde na cidade. Nas últimas eleições, eram 11 candidatos e 3 mulheres. Ou seja, pulou de 27% para 43% a representatividade feminina nas eleições municipais.
Em Curitiba, elas somam 6 dos 16 candidatos, incluindo uma mulher trans, Letícia Lanz (PSOL). Em 2016, eram nove postulantes ao cargo, sendo duas mulheres: um salto de 22% para 37%.
Outras grandes capitais, como Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife, que também nunca tiveram prefeitas, têm, respectivamente, 14, 13 e 11 pretendentes ao posto, sendo três mulheres em cada uma, uma representatividade feminina que fica entre 21% e 27%, não muito distante de 2016. Naquele ano, a capital de Minas Gerais tinha duas mulheres entre 11 candidatos, Porto Alegre apresentou apenas uma entre nove postulantes, e Recife foi representada por duas mulheres num universo de oito candidatos, uma variação entre 11% e 25% no número de candidatas.
Cidades que já elegeram mulheres para o cargo, como Salvador, representada por Lídice da Mata de 1993 a 1996, e Fortaleza, que escolheu três, incluindo a primeira prefeita do país eleita por voto direto —Maria Luíza Menezes Fontenele—, têm nestas eleições duas candidatas cada, entre nove e dez pretendentes, respectivamente, uma média de 22%. Em 2016, Salvador tinha 28% de candidatas mulheres (eram 2 entre 7 postulantes), e Fortaleza 12% (1 entre 8).
Manaus aumentou o número de candidatos: tem hoje 11 pretendentes, ante os 9 de 2016, mas, assim como nas últimas eleições, não tem nenhuma postulante mulher. Belém também não tem candidata mulher entre os dez pretendentes ao posto. Em 2016, a capital do Pará tinha duas mulheres entre dez candidatos. Já Goiânia subiu de 14% para 25% a participação de mulheres nas eleições: de uma candidata no total de sete nas últimas eleições, agora são 4 entre 16.
Machismo estrutural
Tathiana atrela esse cenário, com poucas mulheres concorrendo ao cargo, ao fato de a política ainda ser vista como mais masculina.
"Temos esse aspecto sociológico, que é o machismo estrutural. Se tem o imaginário sobre política de que ela é mais masculina, principalmente quando falamos de cargo executivo, onde o homem teria mais habilidade e força, e numa negociação política ele se colocaria de forma mais acentuada, enquanto a mulher, ainda mais se for mãe, será cobrada por suas tarefas domésticas. Quando a Marta [Suplicy] foi candidata em 2000, por exemplo, perguntavam quem cuidava dos filhos dela."
A doutoranda em ciência política na UFMG Mariana Cockles, que estuda liderança e performance feminina e gestão pública, complementa.
"No cargo executivo, há uma posição de liderança, enquanto no parlamentar [deputados, senadores] existe um compartilhamento de poder de decisão. Então, principalmente nas grandes capitais, os partidos investem em quem tem maior poder de vencer uma competição, que historicamente são os homens. O que observamos é que as mulheres assumem mais as prefeituras com orçamento inferior às assumidas por homens, onde as apostas dos partidos são menos arriscadas."
No estudo Perfil das Prefeitas no Brasil (2017-2020), o Instituto Alziras comprova em números o que Mariana diz: entre as prefeitas eleitas em 2016, 91% ganharam as eleições em municípios com até 50 mil habitantes. E dos 309 municípios brasileiros que têm acima de 100 mil habitantes, somente 21 são governados por mulheres.
Mulheres têm maior impacto positivo
A mesma pesquisa aponta um outro fator importante: 55% das prefeitas eleitas têm seu secretariado composto por mais de 40% de mulheres. Ou seja: uma mulher na política estimula mais mulheres a participar deste cenário.
Outro ponto efetivo quando se tem mais mulheres ocupando esses cargos: no seu Relatório de Monitoramento Global, a Unesco afirma que, quando a mulher assume posições de autoridade locais, proporciona maior impacto positivo no bem-estar da comunidade.
O texto dá exemplos concretos, como o da Índia, onde o aumento do número de líderes políticas levou a um maior êxito nos programas de imunização e na educação de meninas. Fala ainda do Brasil, onde as prefeitas estão associadas a melhores resultados de saúde pré-natal e menos casos de corrupção, em comparação com os prefeitos homens.
Historicamente, as mulheres costumam ser associadas ao cuidado, à área social e à educação. Mariana frisa, porém, que a mulher não deve ser lembrada apenas por isso.
"As mulheres têm tendência a olhar para indicadores sociais, como saúde e educação, que compõem a qualidade de vida do cidadão. Somos mais instruídas a olhar para questões que têm a ver com esses indicadores, que por acaso entram na lógica do cuidado. Mas isso não é algo natural como se costuma argumentar, nem nos aprisiona. Nem toda mulher vai investir mais em saúde do que reforma fiscal, por exemplo."
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