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Mulheres protagonizam um mundo em evolução


Na pandemia, mulheres têm mais ansiedade, insônia e enxaqueca do que homens

Mulheres têm mais ansiedade na quarentena  - Pixabay
Mulheres têm mais ansiedade na quarentena Imagem: Pixabay

Mariana Toledo

De Universa

24/09/2020 17h00

A Plataforma Gente, que reúne pesquisas sobre a sociedade brasileira realizados pelas áreas de inteligência de mercado da Globo e institutos de pesquisa parceiros, divulgou no início da semana um estudo sobre as preocupações e comportamentos dos brasileiros durante a pandemia, focando em como a chegada da Covid-19 ao país impactou a saúde mental e emocional da população - e, especialmente, das mulheres.

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas do mundo desde 2017. Com a chegada da pandemia, é claro que esse quadro piorou: a busca por assuntos relacionados à ansiedade está na maior alta já vista no país. A Plataforma Gente traz dados uma outra pesquisa - Tracking the Coronavirus, feita pelo Instituto Ipsos (terceira maior empresa de pequisa e de inteligência de mercado do mundo) em 16 países - que identificou que os brasileiros são líderes em ansiedade, alimentação excessiva e enxaquecas no contexto da pandemia - e todos esses fatores são ainda mais intensos quando falamos das mulheres.

O estudo mostra uma discrepância de dados entre os públicos masculino e feminino. Acompanhe: enquanto só 33% dos homens estão ansiosos, quase metade das mulheres dizem também se sentir assim (49%). E a ansiedade vem acompanhada de outros problemas: insônia, que está presente no dia a dia de 33% das mulheres, contra 19% dos homens; enxaqueca, um sintoma de 18% das mulheres e apenas de 9% dos homens; e alimentação excessiva, que vem ocorrendo com 42% das mulheres e 36% dos homens.

Trecho do estudo  - Reprodução/Plataforma Gente - Reprodução/Plataforma Gente
Trecho do estudo
Imagem: Reprodução/Plataforma Gente

Nina Taboada, psicóloga e mestre em Psicologia Cognitiva pela UFSC, analisa os dados: "As mulheres são, sim, mais afetadas pelas crises. Mas não se trata de uma questão biológica, e sim emocional. Mesmo entre as mulheres que vivem em casas onde a divisão de tarefas é feita de maneira igual entre homem e mulher, normalmente essa divisão se refere mais à execução das atividades, e não da gestão. Ou seja, o ato de pensar, planejar e de tomar decisões recai sobre as mulheres. É uma questão que foi socialmente construída dessa maneira. No cenário da pandemia, as mulheres acabaram cuidando da saúde das pessoas da casa, do planejamento alimentar e até dessa própria divisão das tarefas. Isso explica os números tão altos de ansiedade".

Marcella Oliveira, especialista em comportamento do consumidor da área de pesquisa da Globo, completa: "Existe ainda o fato de mais de 11 milhões de famílias terem mães solo como chefe de família, muitas vezes sem outras pessoas com quem compartilhar o trabalho doméstico. E muitas mulheres contavam com ajuda de outras mulheres - além de parentes, creches ou escolas - para darem conta da múltipla jornada que vivem. Com o distanciamento social, acumularam funções, gerando sobrecarga". Marcella também lembra que as mulheres são maioria entre os profissionais que atuam em cargos mais vulneráveis, como enfermeiras, cuidadoras e trabalhadoras domésticas, que não puderam cumprir o isolamento, e também estão mais sujeitas ao trabalho informal do que os homens.

Todos os sintomas apontados pela pesquisa estão diretamente relacionados, sendo a enxaqueca, a insônia e a alimentação desregulada traços de um quadro ansioso. Para a psicóloga, a ocorrência de dor de cabeça, por exemplo, pode ser pela tensão ou pela própria restrição de sono, já que os números de mulheres que alegam estar sofrendo de insônia também é alto. E, com a restrição de sono, o corpo precisa de mais energia, daí os dados sobre alimentação excessiva. "E não é qualquer alimentação. Quando não estamos dormindo bem, uma forma de o corpo recuperar essa energia é com açúcar e carboidrato, então é normal estarmos com mais vontade de comer esses alimentos. Além disso, esse comer excessivo também é bastante comum entre os ansiosos", declara Nina, que alerta ainda que a falta de atividade física, que foi uma mudança para muita gente neste período, também pode afetar o sono e o apetite.

Impactos no lado emocional

Para além dos sintomas físicos, as mulheres também estão se sentindo mais afetadas no lado emocional. A pesquisa da Plataforma apresentou a afirmação "Sinto que meu equilíbrio emocional está abalado" para os entrevistados e pediu para que eles respondem se concordam ou não com esse sentimento. O resultado? 75% das mulheres dizem se sentir exatamente assim (contra 62% dos homens).

No entanto, Nina faz uma ressalva: "É normal que os homens estejam sofrendo menos com esses efeitos, mas eles também foram ensinados, ao longo da história, a não revelarem seus sentimentos e nem pedir ajuda. Portanto, precisamos pensar que existe uma parcela dos homens que pode estar, sim, mais ansioso, mas não se perceba assim, ou não verbalize isso. A dificuldade dos homens em entrarem em contato com as suas emoções pode ser um viés desses resultados".

Consequências a longo prazo

A pesquisa aponta que o aumento vigoroso dos níveis de ansiedade pode gerar problemas ainda mais graves na sociedade pós-pandemia. "Um aspecto fundamental de análise e reflexão da quarentena são os desdobramentos emocionais que acompanharão a população. De alguma forma, eles vão permanecer na sociedade mesmo após o esvaziamento das UTIs lotadas, durando mais que a vida do vírus e afetando nossas relações familiares e sociais", diz o estudo.

Ainda que a maioria dos estados brasileiros já tenha medidas de flexibilização da quarentena, 82% das entrevistadas pelo mapeamento diz ainda não se sentir segura para voltar "ao normal", isto é, para a vida como era antes. Além disso, 80% afirmam que o surto de coronavírus as deixaram mais preocupadas com o futuro (contra 73% dos homens). "É normal as pessoas repensarem as próprias vidas em um momento como esse. Assim como quando sofremos um acidente ou quando alguém próximo morre - acontece uma quebra no nosso senso de estabilidade, algo que nos tira do estado de inércia", aponta Nina.

Por fim, a psicóloga observa outros efeitos que a quarentena pode ter: "Muita gente se mudou para o interior nesse período. Mas talvez, depois da pandemia, não se adaptem a esse novo estilo de vida. Ou no caso do home office. A maioria das pessoas estava tratando a questão, até então, como algo temporário. Mas muitas empresas estão anunciando que esse formato de trabalho será permanente. E aí? Como vão ficar nossas relações interpessoais? Eu, particularmente, não acho que será um modelo sustentável. Precisaremos buscar novas formas de interação. Para quem não tem inteligência emocional ou habilidade de lidar com problemas, além de ajuda externa, pode ser bem complicado".