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Casal é condenado a indenizar adolescente por desistir de adoção

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Imagem: iStock

Carlos Madeiro

Colaboração para Universa

28/09/2020 04h00

Uma adolescente de 17 anos deve ser indenizada em R$ 30 mil por uma mulher que desistiu de a adotar após 30 dias de convivência, em Fortaleza. O caso ocorreu em 2010, quando a menina tinha sete anos. Levada pela então mãe adotiva, ela foi devolvida ao abrigo um mês depois sob a justificativa de que a criança era desobediente. Desde então, a menina não passou por novos processos de adoção e passou a desenvolver problemas psicológicos.

A sentença foi dada pela juíza Alda Maria Holanda Leite, da 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza. Ela analisou relatórios produzidos depois da devolução, que diziam ter havido danos psicológicos. Ela entendeu também que não teria havido esforço por parte da mãe para que a relação entre as duas continuasse "plena, harmoniosa e permeada de afeto". Ainda cabe recurso.

O caso chamou a atenção porque a desistência é uma prática —apesar de prevista na Lei de Adoção, pouco comum. A legislação prevê um estágio de convivência de até 90 dias, período em que os envolvidos —sob acompanhamento— podem desistir do processo.

No Brasil, as adoções são reguladas pelo SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento), criado em 2019 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Segundo a plataforma, no Brasil existem hoje 36.419 famílias pretendentes de um filho ou filha, e 5.208 crianças e adolescentes disponíveis para adoção.

Criança vive segundo abandono

O defensor público da adolescente cearense, Adriano Leitinho, afirma a Universa que casos de desistência não são frequentes. "Esse, por exemplo, é o segundo caso que tenho conhecimento no Ceará", diz.

Para ele, é importante que o caso tenha visibilidade para mostrar a necessidade da preparação dos pretendentes, para que saibam previamente os desafios. "Adotar não é uma decisão fácil; é algo complexo, pois estamos falando da vida de uma pessoa, não de um objeto. Essa pessoa precisa ser respeitada. Problemas na relação são coisas naturais, independem de serem pais biológicos ou adotivos. Uma mãe não deve devolver o filho porque ele dá trabalho. Por isso é importante esclarecer, fazer cursos, analisar o perfil", afirma.

Adriano explica ainda que, por envolver menor de idade, o caso da adolescente corre em sigilo e não pode ter mais detalhes divulgados. O defensor conta que a jovem vive hoje em uma casa de acolhimento na capital cearense, mas deve deixar o local quando completar 18 anos, em fevereiro de 2021.

"Quando deixar o abrigo, ela vai poder optar por ir morar em uma república criada aqui em Fortaleza, com 20 vagas, para receber jovens que atingem a idade máxima nesses abrigos. Mas esperamos que, com essa indenização, ela tenha uma ajuda em benefício próprio para poder construir sua nova fase da vida", diz.

O defensor afirma que essas devoluções causam danos psicológicos graves especialmente em crianças. "É um novo trauma por abandono, e pesquisas mostram que é um dano maior que o do primeiro abandono. Elas se sentem culpadas, passam a ter dificuldade em relacionamento", completa.

Desistência controversa

Para a advogada, integrante da diretoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Fernanda Leão Barretto, a possibilidade de indenização por desistência dentro do estágio de convivência é uma exceção e só deve ocorrer se o ato for abusivo.

"Por exemplo: se um casal gerou realmente essa expectativa de que adotaria, se durante o estágio de convivência disse a ela várias vezes que 'você é nosso filho querido'; ' a gente esperou e vai te levar pra casa, você vai ter seu quarto'; coisas que criam todo um clima, geram expectativa e depois simplesmente diz que não vai rolar. Aí sim, pode gerar a indenização", explica.

Barretto diz que a desistência é um direito não só dos pais adotivos, como do adotado, e deve ser respeitada e garantida. "É como, por exemplo, você desistir de casar próximo ao casamento; em regra, isso não gera indenização.

Agora se você larga a sua noiva no altar, expondo ela para todo mundo, já é uma desistência abusiva. Ninguém é obrigada a casar, você pode desistir até o último minuto; mas se você o faz de forma abusiva, pode gerar indenização. O mesmo vale para adoção, vai depender de cada caso", diz.

Ainda segundo a advogada, a regra de aplicação de um estágio de convivência não tem idade mínima, mas o Judiciário leva em conta o fato de a criança ter idade para discernimento. "A prática mostra que muitos juízes dispensam esse estágio apenas para crianças muito pequenas, porque é difícil pensar em estágio com um bebê que não tem consciência. O estágio é para saber se há um adaptação bilateral, tanto dos pais para os filhos, quanto dos filhos para os pais", explica.