"Candidatas laranjas são mulheres iludidas", diz promotora eleitoral
A promotora Vera Lúcia Taberti, de São Paulo, começou um trabalho de fiscalização de candidaturas fictícias de mulheres, as chamadas candidatas laranjas, em 2016. Desde então, desenvolve um trabalho para garantir que a lei de cotas que exige um mínimo de 30% de mulheres como candidatas seja cumprida, pesquisando e fiscalizando possíveis fraudes. Nas eleições de 2020, trabalha na procuradoria-geral paulista e assessora 393 promotores eleitorais em todo o estado. Um dos focos são as candidaturas laranjas. Nas eleições de 2018, partidos apresentaram candidaturas fictícias de mulheres para desviar os valores que deveriam ser direcionados, por lei, às candidaturas femininas (ao menos 30%).
Em seu trabalho de fiscalização, teve de chamar diversas candidatas para dar explicações sobre os nomes delas constarem na lista dos partidos. E concluiu que muitas candidatas laranjas, na verdade, são mulheres iludidas, pois acreditam nas promessas do partido de fornecer toda a estrutura de campanha mas, assim que começa a corrida eleitoral, não cumpre o prometido. Não há material, não há verba, não há apoio. A candidata tenta cobrar, mas não é recebida nem consegue ser atendida por nenhum representante da sigla. "Aí já é um indício de que ela pode ter se tornado uma candidata laranja. Na verdade, laranjas são mulheres iludidas", diz Vera.
Mas, pondera: há vários outros casos em que as mulheres sabem que estão emprestando o nome para um candidatura fraudulenta, mesmo sem ter ideia do problema que estão causando.
"Em 2016, investiguei mulheres que se candidataram e receberam poucos votos. Ouvi de tudo. Teve uma que disse que entrou na sede do partido para pedir um copo de água e saiu de lá candidata. Outra chegou para falar comigo, era uma senhora que mal conseguia andar. Perguntei: 'Você sabe o que faz uma vereadora?'. Ela disse: 'Não faço ideia'. Falam com normalidade e nem se dão conta de que é uma fraude".
Como não se tornar uma candidata laranja?
A promotora explica que o problema da fiscalização sobre as candidaturas laranjas é que, normalmente, elas só são investigadas depois das eleições. Portanto, é preciso focar na prevenção a esse tipo de fraude.
Por isso, Vera orienta as candidatas a guardar documentos e prints de conversas com as promessas que os partidos fazem. Desde mensagens pelo WhatsApp a emails. Sugere, também, que evitem fazer acordos por telefone, a não ser que consigam gravar a conversa. Mesmo que não haja nenhuma suspeita de fraude, acumular provas é importante para poder cobrar o partido depois, caso alguma promessa não seja cumprida.
Também sugere às mulheres da mesma sigla que conversem umas com as outras. "Se notar que não está sendo atendida por ninguém do partido, que manda mensagem e ninguém responde, que é bloqueada nas redes sociais, procure outras candidatas e pergunte quem está passando pelo mesmo. Se houver mais mulheres [na mesma situação], há mais provas de que as candidaturas estão sendo usadas como fachada", diz.
Nesse caso, ela sugere enviar uma notificação extrajudicial ao partido, informando que as promessas feitas a determinado grupo não estão sendo cumpridas. Se não conseguir contato, a promotora recomenda fazer uma denúncia no Ministério Público Eleitoral, mas ressalta que isso só deve ser feito em último caso. "O partido pode ter tido um problema na gráfica, por exemplo, produziu material de baixa qualidade, então atrasou, ou algo do tipo. Tem que ter bom senso na hora da denúncia", diz.
Antes de tudo, porém, é preciso que as candidatas conheçam a legislação eleitoral, estudem a fundo os seus direitos e peçam ajuda se necessário. "Com esse conhecimento, fica mais difícil ser manipulada", afirma Vera. Atualmente, há diversos grupos, ONGs e campanhas que auxiliam mulheres gratuitamente, como o projeto A Tenda, em que Vera deu uma aula recentemente sobre como evitar se tornar uma laranja. As inscrições para as aulas de formação política ainda estão abertas.
A promotora vê as cotas que exigem um mínimo de 30% de mulheres como candidatas e um repasse de verba proporcional a elas como uma excelente iniciativa. Mas destaca que, como os partidos têm autonomia para definir como o dinheiro será usado e para prestar contas, acabam lançando mão de candidaturas de fachada.
"O que me deixa triste é que quase 50% de todos os filiados de partidos no país são mulheres, mas isso não se reflete entre os nomes eleitos. Para o partido, é interessante lançar nomes fictícios porque vai ser mais uma candidatura não competitiva, e aí será mais fácil continuar elegendo homens. Por isso a política de cotas não funciona, porque é fraudada."
Punição é severa, mas dificilmente é cumprida
Se, após uma denúncia, é feita uma investigação e comprovada a existência de candidatas laranjas, a punição, segundo a legislação eleitoral, é de que todas as pessoas eleitas pela coligação tenham seus diplomas cassados, mesmo que não tenham qualquer relação com a fraude.
É uma pena extrema para que esse tipo de crime não seja praticado. Mas, justamente por ser uma punição tão severa, ela dificilmente é cumprida.
"O Tribunal [Regional Eleitoral] é muito conservador. Teve caso em que comprovamos duas laranjas em um partido. Para mim, se tem uma, já deveria cair. Mas, por uma questão política, não quiseram derrubar cinco eleitos por causa de duas laranjas", diz Vera.
"Por isso, acredito que a prevenção acaba sendo mais eficaz do que os mecanismos jurídicos. Fizemos uma audiência pública com partidos e vários assinaram um termo de compromisso em relação ao tema. Tentamos fiscalizar na medida do possível, mas não é tão simples", diz.
"Às vezes, as candidatas não denunciam, nós é que fazemos o mapeamento. Em 2016, percebi que era uma iniciativa mais nossa, que as chamávamos para dar explicações. Em 2018, não precisei chamar ninguém: as pessoas vinham denunciar. Acho que, nas eleições deste ano, elas estarão mais espertas."
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