Chamado de 'amigo gay' da esposa, dançarino revê estigma de masculinidade
Crianças que cresceram nos anos 90 não passaram ilesas às apresentações do grupo É o Tchan nos programas de TV. Com o professor de dança Fabricio da Costa Lima, 28 anos, não foi diferente. Acompanhar as coreografias e rebolar, no entanto, foi motivo para que ele sofresse com julgamentos alheios sobre sua orientação sexual, desde a infância. "Eu era a criança que os parentes e amigos dos meus pais diziam: 'Esse seu filho aí...'".
Heterossexual, Lima convive há muito tempo com o conceito machista de que qualquer comportamento de um homem que seja visto como feminino — daí vem os comentários que recebe por ser "afeminado" — faz com que ele seja homossexual. A ponto de, casado com a blogueira Kenya Borges, o professor de dança ser chamado de "amigo gay" da companheira, nas redes sociais e presencialmente.
Em resposta aos julgamentos, Lima fez um post no Instagram em que questiona os padrões masculinos e por que, afinal, o jeito com que se expressa ou sua profissão definem sua orientação sexual. "Sim, sou hétero e casado com essa mulher incrível que é a @kenyaborgess. E, sim, também sou afeminado e não me incomodo de ser chamado no feminino, não tenho uma masculinidade frágil, tóxica, que machuca", disse, em um trecho (veja post ao final da matéria).
A Universa, ele conta mais detalhes de sua experiência de vida. A blogueira Kenya Borges, 25 anos, também fala sobre como se sente ao ler e ouvir os julgamentos sobre o parceiro.
Estereótipo do "macho", lambaeróbica e amigos LGBTs
"Nos anos 90, era muito forte o estereótipo do homem "macho", que não tinha higiene, essas coisas. Se o menino fosse mais educado ou delicado, era colocado no nicho do 'afeminado'. É o que acontecia comigo. Parentes e amigos do meu pai diziam que eu era diferente, porque eu não fazia o que os outros meninos faziam.
Enquanto os da minha idade jogavam futebol, eu estava na TV vendo É o Tchan e dançando na boquinha da garrafa com as meninas.
Na pré-adolescência, os meninos mais velhos da rua jogavam videogame e ouviam músicas de bandas como Linkin Park e Limp Bizkit. E eu adorava Britney Spears. Então, era excluído por eles. Diziam: "Você é meio viadinho, então não pode andar com a gente". Eu tinha 12 anos, era uma criança.
Por volta dos 16, via alguns amigos LGBTQIA+ se assumindo. Naquela época, se usava a sigla GLS, de gays, lésbicas e simpatizantes e eu me encaixava literalmente como simpatizante. Eu nunca tive preconceito, e tinha muitos amigos que eram gays e lésbicas.
Eu gostava de estar perto deles porque eles eram verdadeiros com o que eram e entendiam quem eu era.
Foi perto deles que descobri que eu era heterossexual, que tinha essa parte afetiva, e que os trejeitos que eu tinha eram totalmente independentes da minha orientação sexual. Era da situação: como eu convivia com muitas pessoas LGBTs, achava muito normal falar como eles.
Meus interesses sempre foram pela dança. Dos 14 aos 24 anos, participei de um grupo de dança que tinha hip hop e lambaeróbica. Quando eu comecei a rebolar, aí que foi a certeza dos 'héteros' de que eu era gay.
Foram meus amigos LGBTQIA+ que me disseram: "Não tem problema que você seja assim, seja como você quiser ser". Me falavam que se um dia eu me descobrisse bissexual, tudo bem. Eles, e minha esposa atualmente, me ajudaram a me libertar dessa bolha e do julgamento do 'talvez ele seja gay".
Porque não me importa mais o que os outros vão pensar, se eu sou bi, gay ou hétero...E mesmo não tendo essa masculinidade tóxica, ainda reconheço atitudes machistas em mim, porque crescemos com isso incrustado na gente. O patriarcado nos impõe muita coisa."
"Jurava que ele era seu amigo gay!"
"No começo, quando eu era chamado de 'amigo gay' dela, era complicado. A gente nem sabia o que falar. A Kenya é uma mulher muito linda e chama atenção onde quer que vá.
Então, parecia inconcebível que o gordinho do lado, com jeito afeminado, fosse parceiro dela. Já ouvi as pessoas dizendo, dando risada: "Jurava que ele era seu amigo viado". Hoje, a gente responde com deboche, mas depende do dia. Não que fosse ruim eu ser gay, mas julgar antecipadamente é horrível. Na internet, ela já recebeu comentários do tipo: "Você precisa de um homem de verdade, que te traga prazer, porque esse homem é gay", de homens e mulheres.
Por outro lado, algumas pessoas falavam comigo sobre eu inspirá-las, quebrando padrões de comportamento. Então, eu e Kenya fizemos umas fotos mais sensuais e decidi que precisava falar sobre isso. Recebi muitas respostas, de casais que passam a mesma coisa, que têm a história parecida com a nossa."
No começo, ele disse: "Sou hétero, bicha"
A maioria dos comentários sobre a sexualidade de Lima chega ao Instagram de Kenya Borges, hoje com mais de 247 mil seguidores. A blogueira vê os julgamentos como "totalmente desnecessários".
"É uma coisa que não deveria ser comentada, nem na internet, nem na vida real. Desde que a gente se conheceu faziam isso. Pediam para ele me apresentar, porque não achavam que a gente tinha alguma coisa. No começo, me chateava com isso, mas agora é mais tranquilo.
Eu sinto que falam de nós porque queriam estar no nosso lugar, ou no meu ou no dele. Estamos juntos há cinco anos.
E no começo, eu mesma tinha uma cabeça diferente: eu achava que por ele ser mais delicado, era gay. Até que ele falou que iria me beijar. E eu dei risada...E perguntei se ele não era gay. E ele me respondeu: 'Sou hétero, bicha'. A gente trocou ideia por dois dias, ele me levou em casa, e estamos juntos até hoje."
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