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Como Chrissy Teigen: a importância de falar abertamente sobre luto parental

Chrissy Teigen e John Legend  - Reprodução/Instagram
Chrissy Teigen e John Legend Imagem: Reprodução/Instagram

Mariana Toledo

De Universa

01/10/2020 16h00

Na madrugada desta quinta-feira, dia 1º de outubro, a modelo Chrissy Teigen, 34, e o cantor John Legend, 41, revelaram ao público por meio do Instagram que o bebê que estavam esperando morreu logo após o parto - que precisou ser realizado de forma prematura. A modelo estava na metade da gravidez.

Mãe de Luna, 4, e de Miles, 2, Chrissy desabafou sobre a situação em seu post no Instagram. "Ele sempre será Jack para nós. Jack lutou tanto para fazer parte de nossa pequena família, e ele será, para sempre. Para o nosso Jack: lamento que os primeiros momentos de sua vida tenham sido recebidos com tantas complicações, que não pudemos dar a você a casa de que precisava para sobreviver. Nós sempre te amaremos", escreveu. "Estamos chocados e com um tipo de dor profunda de que você só ouve falar por aí. Aquele tipo de dor que nunca sentimos antes. Nunca fomos capazes de estancar a hemorragia e dar ao nosso bebê os nutrientes que ele precisava, apesar das bolsas e bolsas de transfusões de sangue. Simplesmente não foi o suficiente", completou, se referindo aos problemas de hemorragia que vinha enfrentando.

Humanização do luto parental

Para a enfermeira obstetra, psicanalista e especialista em luto parental Beatriz Kesselring, o fato de Chrissy ter se posicionado e falado a respeito do que aconteceu é um bom caminho: "Existe muito silêncio em torno do tema do luto parental e muitos pais que perdem filhos relatam que a dor causada por esse silêncio é uma das maiores nesse processo. O não poder falar e o se sentir julgado por falar machuca". Beatriz faz parte de um movimento que busca humanizar o luto parental - assim como foi feito há cerca de dez anos com o parto, quando discussões acerca das reais vontades da mulher na hora do parto e o protagonismo dela dentro dessa história foram ganhando força.

A ideia é humanizar também esse momento do luto, desmistificando o assunto e fazendo com que ele deixe de ser um tabu. "Especialmente na cultura ocidental ainda existe muito tabu ao falar de morte. Somos conhecidos pela cultura da alegria. Agora, com a pandemia, esse cenário está até mudando um pouquinho. Mas é necessário falar sobre a morte e lidar com ela. Quem trabalha na área, como eu, é frequentemente questionado, perguntam o porquê eu escolhi focar nisso e não ficar trabalhando só com o nascimento. Como se a gente simplesmente não pudesse falar sobre morte", explica Beatriz.

O movimento de humanização do luto parental - que passa pelo que Chrissy fez, que é falar sobre o assunto sem tabus, do jeito que as coisas são - existe no Brasil há três anos e conta com representantes em todos os estados do Brasil. Beatriz, por exemplo, faz parte dele desde o início e reforça que as iniciativas por mudanças tem que vir das pessoas, assim como foi com o parto e o nascimento: "A sociedade vai acordando e depois os profissionais vão repensando suas práticas como consequência".

Ela pontua que hoje ainda não existe uma assistência adequada para os pais que perdem seus filhos nesse contexto como aconteceu com Chrissy e John. Não há, por exemplo, um local reservado para essa mãe que acabou de ver seu filho falecer - seja logo após o parto ou na UTI neonatal. Isso significa que uma mulher que está passando pelos seus primeiros momentos de luto pode ouvir festas e visitas ao recém-nascido que está no mesmo corredor da maternidade do que ela. Ou ainda uma mesma médica que está cuidando de todas as mulheres daquele espaço pode aparecer ali perguntando se o filho dela está no berçário simplesmente porque não deu tempo de checar a ficha e, como todas as mães estão reunidas no mesmo lugar, sem esse ambiente reservado para os pais em luto parental, ela cometeu a infeliz confusão.

Mais um ponto que Beatriz comenta: o leite materno. Mesmo que aquela mulher tenha perdido o bebê, o corpo segue produzindo leite por algum tempo. Normalmente, a conduta médica é logo iniciar a medicação para interromper essa produção. Mas a especialista ressalta que não deveria ser assim: "Toda mulher tem o direito de doar o seu leite. Muitas o fazem porque sentem que, desta forma, estão honrando aquele filho que acabaram de perder. Mas muitos hospitais nem apresentam essa possibilidade e as mulheres aceitam as medicações que são dadas por tabela. É possível lutar contra isso, mas é um processo desgastante. Essas mães não deveriam ter que brigar por uma assistência digna".

Suporte de amigos e familiares

Quem tem pessoas da família ou amigos queridos em situação de luto parental não deve ter medo de tocar no assunto - afinal, o movimento é para que o tema não seja mais tabu - mas, ao mesmo tempo, deve evitar ao máximo abordá-los com frases prontas e clichês. "Existem expressões que estão tão impregnadas na nossa cultura que falamos sem perceber. Mas são palavras que não confortam em nada e, às vezes, até deixam a pessoa pior", explica a psicanalista. Como exemplo, ela cita: "Foi melhor assim", "Você é jovem, depois pode ter outro filho", "Que bom que morreu agora, a vida dessa criança seria muito difícil" ou "Deus quis assim", entre outras.

Além disso, também é importante evitar "comparar dores". Por exemplo: uma mãe que perdeu um filho que tinha dez anos de idade não deve falar para uma mãe um luto parental que perdeu o bebê na hora do parto que é muito mais difícil perder uma criança do que um recém-nascido. "Esse comparativo de dor não existe", declara Beatriz. "É importante sair do julgamento também. Cada um enfrenta de um jeito. Tem gente que fica muito triste assim que acontece. Em outras pessoas, a dor leva anos para manifestar. E às vezes pode não manifestar também. Não cabe a ninguém julgar como a pessoa se coloca diante da perda", acrescenta.

A enfermeira obstetra afirma ainda que não se deve pressionar uma mãe em luto parental com um prazo, falando coisas como "já deu de ficar triste, é hora de superar". Nesse sentido, Beatriz é categórica: "Não existe superação para a morte de um filho. Uma mulher que perdeu um filho entende que superar seria esquecer, e ela não quer isso. Existe ressignificar aquela vida, mas não superar. A mulher sempre vai falar quantas vezes engravidou - que pode ser diferente de quantos filhos ela, de fato, chegou a ter. Mas existem histórias a serem contadas para cada um".

Luto parental em família

O caso de Chrissy e John é ainda mais complicado porque eles têm outros dois filhos pequenos em casa, de quatro e dois anos. "É delicado explicar a morte para crianças tão pequenas. Hoje em dia existem recursos, como grupos de apoio e até materiais de auxílio, como livros infantis específicos sobre o assunto. As mulheres que precisam enfrentar isso podem buscar esses grupos para entender como conduzir esse período e ter um suporte mesmo", sugere Beatriz.

"Hoje em dia, não acreditamos mais naquela ideia do luto por fases. Pensamos nele de uma maneira diferente: multifatorial, com todas as fases ao mesmo tempo, muitas vezes no mesmo dia. É um emaranhado de emoções e sensações - e isso é muito natural, característico do luto. Não podemos falar exatamente em aceitação da morte, isso é difícil. Mas pode acontecer um entendimento. A partir daquele evento, a pessoa constitui a vida de uma outra forma", declara.

A especialista diz que o luto parental é um evento muito forte na vida de qualquer pessoa e que, por mais que ela volte à rotina e futuramente venha a ter outros filhos, não deixa de ser um processo traumático. E que, por isso, precisa ser cuidado e apoiado. "A pessoa precisa poder falar, dar voz para aquela dor", defende. O acompanhamento profissional, nesses casos, pode ser necessário. Beatriz garante que, muitas vezes, o próprio contexto familiar e dos amigos dá conta desse suporte, mas que se esses pais sentirem necessidade, a recomendação é buscar um profissional especializado na condução de processos de luto.