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'Ana Verena agora é Assunção'. Por que a mulher ainda muda o nome ao casar?

Fábio Assunção e Ana Verena se casaram  - Reprodução/Instagram
Fábio Assunção e Ana Verena se casaram Imagem: Reprodução/Instagram

Mariana Toledo

De Universa

02/10/2020 17h23Atualizada em 03/10/2020 10h12

Na noite da última quinta-feira, dia 1º de outubro, o ator Fábio Assunção se casou com a advogada Ana Verena. No Instagram, ele publicou uma foto da cerimônia acompanhada de uma legenda romântica. Ao final do texto, ele escreveu: "Ana Verena que agora é Assunção", referindo-se à mudança de nome que algumas mulheres fazem ao se casarem, adotando o sobrenome dos maridos.

"A adoção do sobrenome do marido pela mulher é, antes de mais nada, uma tradição cultural em grande parte do Ocidente. E como toda tradição cultural, as pessoas inseridas em determinada cultura vão seguindo os costumes de forma até inconsciente, seguindo aquilo que lhe foi ensinado por seus antepassados", afirma Larissa Reis, advogada de família e mediadora familiar.

Ela explica que, no Brasil, desde o Código Civil de 1916, a incorporação do sobrenome do marido pela mulher era obrigatória. Mesmo em 1962, com o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121), considerado um importante instrumento de emancipação feminina, que alterou mais de dez artigos do Código Civil vigente, a adoção do sobrenome continuou sendo obrigatória.

A grande mudança veio só em 1977 com a Lei do Divórcio, que acrescentou um parágrafo ao Código Civil vigente que determinava que a mulher poderia acrescentar o sobrenome do marido ao seu nome por uma vontade pessoal, mas isso não seria mais uma obrigação. Mais tarde, o Código Civil de 2002 concedeu ainda ao marido ou companheiro o direito de adotar o sobrenome da mulher — prática que ainda é pouco adotada até os dias de hoje.

O que muda perante à lei

Segundo Larissa, não há qualquer grande consequência do ponto de vista legal: "Obviamente, com a adição do sobrenome do marido, a mulher ganha uma 'nova' identidade, visto que agora ela assina um outro nome. E é importante frisar que ao casar e adotar o nome do marido, a mulher precisa alterar todos os seus documentos e esta passará a ser reconhecida pela designação familiar do casal. Caso separe e decida retornar ao nome de solteira, terá que fazer o caminho inverso, modificando novamente toda a documentação".

Para a advogada, especificamente para a mulher, um dos grandes impactos dessa mudança está em como ela se apresentará ao mercado de trabalho, isto é, se será com esse novo sobrenome. Como exemplo, ela cita Marta Suplicy, que adotou o sobrenome do marido, ficou conhecida com ele e, por isso, decidiu por seguir com o nome de casada mesmo após a separação. "Mais do que uma questão de identidade legal, a mudança do nome está mais ligada a uma questão de identidade pessoal da mulher", diz.

No caso de separação, Larissa explica que, como tudo que se refere a processos judiciais, o caminho não é tão simples, já que envolve uma série de questões burocráticas. No entanto, em termos de processo de divórcio, tanto faz se a mulher adotou ou não o nome do marido — ela não terá uma dificuldade a mais para se separar caso tenha feito isso. Na própria ação do divórcio é possível manifestar o interesse em não usar mais o nome de casada. E então, mais tarde, na sentença de divórcio, o juiz manifesta a autorização para o retorno ao nome de solteira. Vale ressaltar que é uma escolha da mulher: como no exemplo de Marta, ela pode optar por continuar assinando com o nome de casada — porém, caso o ex-marido não queira, cabe uma discussão na Justiça para buscar um acordo.

Origem da tradição

Os sobrenomes são uma forma de identificação de um determinado grupo — no caso, a família — e mais do que isso, de uma preocupação com a permanência desse grupo ao longo das gerações. Nesse sentido, Lina Penati Ferreira, doutoranda em Sociologia pela Universidade de São Paulo, observa: "A questão aqui é o que se quer que permaneça, ou seja, o fato de o sobrenome masculino ser o indicado para a futura geração significa que aquela família será posicionada em uma determinada linhagem, e isso fica ainda mais claro quando tratamos da adoção do sobrenome do marido pela mulher. Nessa lógica, a mulher sai de sua linhagem para se filiar a outra".

Lina afirma que por de trás de todo esse arranjo existe uma concepção patriarcal e ainda machista, em que mulheres e crianças são compreendidas como pertencentes ao domínio de um homem. E, além disso, que mulheres são objetos que podem ser trocados entre as linhagens, como forma de acordo, premiação ou punição, por exemplo. "Essa lógica tradicional vai se reinventando ao longo tempo e chega até a sociedade moderna em forma de lei. As mulheres não são objetos que podem ser trocados, mas permanecem outras questões em torno do problema da transmissão geracional. Então, esses processos saem do nível da tradição e se tornam contratos", explica.

É claro que existem diferentes possibilidades de oficializar uma união e constituir uma família — mas, conforme dito por Lina, a tradição de adotar o nome do marido após o casamento tradicional é resultado de uma concepção patriarcal.

"Além disso, revela ainda um pressuposto heteronormativo, que concebe o casamento e a família como a união entre um homem e uma mulher. Em casamentos de pessoas do mesmo sexo a regra da adoção opcional ou de ambos adotarem o sobrenome um do outro tende a valer mais", ressalta.

Movimento de mudança

A socióloga concorda que avançamos muito desde a Lei do Divórcio, que fez com que a adoção do sobrenome do marido se tornasse opcional. Segundo ela, isso revela mudanças na própria sociedade — em especial no papel das mulheres. Além da questão do sobrenome, há outras tradições em torno do casamento que também estão sendo revistas, abandonadas ou, então, adaptadas, como a noiva que entra com o pai na Igreja ou ainda o ato de jogar o buquê para outras mulheres a partir da crença de que aquela que pegá-lo será a próxima a casar. "Vejo que algumas noivas passaram a entrar com o pai e a mãe juntos na Igreja. Isso não acabou com a tradição de uma mulher entrar acompanhada na Igreja, mas ressignificou a companhia", exemplifica.

Já em relação à adoção do sobrenome, ela aponta que tem mais coisas em jogo, uma vez que a mudança envolve questões burocráticas e até mesmo simbólicas. Por outro lado, reflete também algumas mudanças na sociedade. Se hoje em dia o divórcio é mais comum e as pessoas se divorciam mais, é natural que hábitos tão definitivos como uma mudança de nome sejam deixados cada vez mais de lado. É claro que ninguém casa já pensando em separar - mas sabe que isso pode acontecer e, aí, implicaria em duas alterações de sobrenome, o que seria trabalhoso, caro e desgastante.

Por fim, Lina aponta que embora algumas mulheres — como a de Fábio Assunção — ainda adotem os sobrenomes dos maridos, muitas têm questionado essa necessidade. "A intensificação de processos de individualização e o protagonismo do feminismo nos últimos anos nos ajudam a entender esse contexto", conclui.