De Madonna à Guerra: de onde vem o fetiche por usar látex, cetim e couro?

Látex, cetim, couro: por que o fetiche por certos materiais é o mais comum? Sabe aquela sensação gostosa que você experimenta ao cheirar um casaco novo de couro ou ao passar os dedos em um lençol de seda ou cetim? Muitas pessoas dão uma conotação sexual a essa percepção.

O nome correto do desejo, excitação, preferência ou prazer relativos a tecidos variados é hifefilia — expressão comumente adotada no meio clínico e acadêmico. Em termos gerais, é a palavra fetichismo a mais adotada.

O significado erótico de tecidos como cetim, látex e até lã, entre outros, vem das vivências táteis, olfativas ou visuais percebidas como excitantes para os adeptos do fetiche - homens, em sua grande maioria. Isso ocorre porque as teorias mais conhecidas sobre o tema vêm dos estudos do psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939), focada nos homens. O que não quer dizer que mulheres não os possuam. Elas foram reprimidas ao longo da história pelos homens e, em consequência, não desenvolveram os mesmos fetiches em igual proporção.

Muitas escolhas de objeto ou de situações que o envolvam podem ter ligação com vivências, lembranças ou até mesmo falsas memórias atribuídas a um prazer sexual mais intenso. Para ser considerado fetiche, é preciso que o material seja usado repetidamente e com a finalidade de obter satisfação com a prática.

De uniforme de guerra a Madonna

O couro e o látex são alguns dos materiais associados às práticas do universo BDSM e essa ligação vem das épocas de guerra (Primeira e Segunda, entre 1914-1918 e 1939-1945, respectivamente). Uma das razões é o uso desses materiais para fabricar botas ou equipamentos de proteção. Ao mesmo tempo, os locais de diversão nas guerras eram as boates e os bordéis, nos quais as roupas relacionadas ao erotismo levavam cetim, o substituto mais barato da seda. Em situações de maior medo e necessidades de comportamentos de fuga, novos e inusitados materiais ganharam a conexão com o sexo, uma vez que este traz relaxamento e calma, contrastando com as emoções exigidas no enfrentamento de situações difíceis.

Nos países em que não ocorreram conflitos as práticas se disseminaram por transmissão cultural, pelas históricas contadas e por imagens (filmes ou vídeos) ensinando o que deve ser utilizado para a erotização. É por isso que nem todos os estudiosos concordam com o surgimento de um fetiche na infância. O apelo sexual e a sensualização de certos tecidos e roupas foi trabalhada e divulgada culturalmente como eróticos. Um bom exemplo é o da Mulher Gato, cuja imagem vestida de couro ou de látex se fixou no imaginário popular como uma mulher dominadora e sexy.

Assim, as sensações podem ser associadas ao histórico de aprendizados (simbolismos culturais) como também fruto de uma descoberta tardia de gosto/desejo pessoal estimulado por filmes, novelas, revistas. A moda, por sua vez, numa atitude que mescla apropriação e encorajamento, também teve um papel fundamental na disseminação do fetiche por certos tecidos, principalmente através de criações de estilistas como Thierry Mugler, Gianni Versace (1946-1997) e Jean-Paul Gaultier entre os anos 1970 e 1990. A popstar Madonna, ao lançar seu célebre livro "Sex" (1992) com fotos de Steven Meisel, aguçou ainda mais a curiosidade das massas sobre os fetiches envolvendo couro, renda, seda, látex e afins.

E no sexo, como é?

A excitação por tocar tecidos ou peças de roupa feitas de determinados materiais é da ordem subjetiva de cada fetichista, independentemente de ser desejo consciente o não. No geral, há uma preferência por algo particular e exclusivo, seja relacionado a sensações sutis (lã, seda), seja relacionado a sensações intensas de contato (látex, vinil, couro).

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Geralmente, as pessoas adeptas da hifefilia gostam de usar ou querem que o(a) parceiro(a) use roupas feitas do material para que o sexo aconteça e satisfaça por completo. Para alguns praticantes, o ideal são aquelas roupas que cobrem o corpo todo, apenas com aberturas nos genitais. É comum encontrarmos esse fetiche relacionado com outros e também com algumas práticas.

A hifefilia faz parte, por exemplo, do universo BDSM, principalmente no que diz respeito à parte de bondage, em que um dos dois do casal pode ser amarrado com lã ou enquanto usa trajes feitos do material de sua preferência. Essa pode ser outra forma de iniciar o sexo tendo atendidas suas necessidades de sentir o tipo de material que mais gera estimulação.

O cheiro e o toque dos materiais podem ser suficientes para causar excitação - ou seja, experiências a sós também fazem parte do fetiche. Além da aproximação e do contato direto com a própria pele, o fetichista normalmente pede para que o parceiro use o objeto durante as relações ou pode ter uma relação especial com tal item, como se masturbar enquanto o segura, esfregá-lo ou cheirá-lo. São diferentes formas então de se excitar e de alcançar satisfação sexual.

A ideia de que o fetiche possa gerar algum problema na vida da pessoa normalmente se associa às limitações ou dificuldades reconhecidas pela própria pessoa ou sua parceria. Na prática, o objeto do fetiche existe para acabar com uma angústia e ou atender a um desejo. O fetiche pode ser problemático quando ele deixa de ser uma fantasia ou preferência sexual e passa a ser a única forma da pessoa sentir prazer. Nesse último caso, é possível ter dificuldade para manter um relacionamento afetivo-sexual de longo prazo com outra pessoa que não apresente essa característica. O importante é que toda atividade sexual, com ou sem objetos, seja realizada com consentimento e entre adultos e possa ser uma grande fonte de prazer e satisfação pessoal

Fontes: Arlete Girello Gavranic, terapeuta sexual; Carlos Eduardo Carrion, psiquiatra especializado em sexualidade; Marcos Santos, psicólogo especialista em sexualidade; e Oswaldo Martins Rodrigues Jr., terapeuta sexual e autor do livro "Parafilias -Das Perversões às Variações Sexuais" (Zagodoni Editora).

*Com matéria publicada em 03/10/2020

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