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Coletivo oferece consultas astrológicas para mulheres do sistema carcerário

Elas têm encontrado na astrologia um norte para mudarem a perspectiva de vida e o futuro - Clovera/Getty Images/iStockphoto
Elas têm encontrado na astrologia um norte para mudarem a perspectiva de vida e o futuro Imagem: Clovera/Getty Images/iStockphoto

Claudia Dias

Colaboração para Universa

09/10/2020 04h00

Rayanne* tem 28 anos e é pedagoga. Mãe de um menino de 8 anos, seu marido está preso há quase 1 ano e meio. Solange*, 43, é técnica de enfermagem e, quando jovem, ficou encarcerada por 8 meses. A vendedora Vicentina*, também 43 anos, tem uma filha detida.

O universo carcerário não é o único ponto em comum entre elas. As três mulheres têm encontrado na astrologia um norte para mudarem a perspectiva de vida e o futuro.

Isso acontece graças a um coletivo de astrólogos que atende, gratuitamente, a egressas, familiares de detentos, voluntárias e funcionárias do sistema prisional, o Zo.e - Astrologia para Todos.

Descoberta pessoal

"Lidar com a preocupação é difícil, mas a dificuldade maior sempre foi a aceitação; parece que a ficha ainda não caiu", admite Rayanne, sobre a situação do marido. Até algumas semana atrás, ela nunca tinha tido contato com astrologia, mas se interessou pelo atendimento ao ler um post no grupo do presídio do Distrito Federal, que oferecia assistência a familiares de presos.

Ela teve seu mapa astral interpretado por um dos astrólogos que voluntariam no projeto. "Me descreveu, me fez entender o que eu estou passando e pensar no presente. Também abriu caminhos para o futuro", pontua a pedagoga, que se diz leve e disposta a "encarar a realidade de cabeça erguida", enquanto aguarda a liberdade do esposo.

Como a astrologia dá suporte

Débora Gregorino, astróloga idealizadora do Zo.e, explica que a astrologia é uma poderosa ferramenta de autoconhecimento e facilitadora da evolução dos indivíduos. "Pode servir de bússola e ser catalisadora de positivas transformações. Acredito que o atendimento vá ajudar a nortear decisões dessas mulheres, fazer com que se conheçam melhor e gerar consciência", opina.

A astróloga Débora Gregorino, idealizadora Zoe coletivo de astrólogos que atende, gratuitamente, a egressas, familiares de detentos, voluntárias e funcionárias do sistema prisional - acervo pessoal - acervo pessoal
A astróloga Débora Gregorino, idealizadora do Zoe, coletivo de astrólogos que atende, gratuitamente, a egressas, familiares de detentos, voluntárias e funcionárias do sistema prisional
Imagem: acervo pessoal

A dinâmica do projeto consiste em uma única sessão remota, via WhatsApp, por texto ou áudio. O astrólogo faz a leitura do mapa astral da mulher envolvida, abordando sua personalidade, debilidades e potencialidades. Também foca no que é mais relevante para ela no momento atual.

"Cada caso é um caso mas, em geral, o atendimento vai levá-la a encontrar saídas para seus problemas. Ela pode, por exemplo, descobrir uma vocação profissional, uma forma de se entender com a família ou a melhor maneira para conduzir um relacionamento para ser mais saudável... Há muitas variáveis, pois cada ser humano tem o seu destino", argumenta Débora.

Com Vicentina, que é casada há 24 anos e não teve muitas oportunidades para estudar durante a vida, a grande surpresa foi identificar, por meio do mapa astral, que a filha com quem mais se preocupa é com quem tem menos cumplicidade. "Ela é alguém que veio para me fazer evoluir, para eu trabalhar o perdão, para a gente evoluir junto", revela.

A jovem foi presa pela segunda vez depois de participar de um assalto e ser flagrada. Fazia 5 meses que ela estava livre, após uma temporada de 1 ano e meio presa por vender drogas. "Sempre tive muita esperança, parceria com ela, e fé, mas a dor é muito grande", reconhece.

Público-alvo precisa de ajuda

Toda mulher que passou pelo cárcere, familiares de detentos, voluntárias e servidoras do sistema prisional podem se beneficiar com o Zo.e, desde que ligadas a uma das instituições parceiras do projeto - Casa Flores, de São Paulo; Associação Humanizando Presídios do Distrito Federal, a AHUP/DF, em Brasília; e Elas Existem, do Rio de Janeiro.

"O sistema carcerário é um submundo invisível à sociedade. Uma grande ferida que precisa ser tratada e que é reflexo da falta de políticas públicas. Boa parte da sociedade preferia que essas egressas não retornassem ao seu convívio. Ou mesmo ter de conviver com as parentes de homens que estejam cumprindo penas restritivas de liberdade", opina Mariana Rosa, presidente da AHUP/DF.

De acordo com ela, o sistema prisional brasileiro é composto, majoritariamente, por homens. "Daí, 90% das visitas são mulheres: mães, esposas, filhas e irmãs, que sofrem silenciosamente com a ausência de seu ente querido e ainda enfrentam o preconceito nos espaços em que convivem, carregando o estigma de serem 'culpadas' pelos atos ilícitos de familiar encarcerado", aponta Mariana.

Em sua grande maioria, têm de assumir repentinamente - e de forma traumática - o posto de chefes de famílias, precisando arcar sozinhas com as despesas da casa. Além disso, há as egressas, que enfrentam a discriminação social e o isolamento. "A consequência natural é a extrema dificuldade para a sua absorção pelo mercado de trabalho", continua a presidente da AHUP/DF.

Mulheres desassistidas

Justamente por causa dessa vulnerabilidade é que o Zo.e foca no público feminino. "Queremos ajudar a equilibrar a desigualdade de oportunidade para obter autoconhecimento e fazer com que essas mulheres possam se sentir ouvidas, acolhidas e orientadas sobre seus dramas pessoais", diz a astróloga Débora Gregorino.

É o que ocorre com a técnica de enfermagem Solange. Apesar da experiência na prisão ter sido há muitos anos, ela ainda não superou o ocorrido.

"Do dia para a noite, você se vê sem chão, no fundo do poço, estando em meio a pessoas de todo nível social, branco, preto, rico, pobre? A grande maioria das pessoas que estão ali chega ao ápice da loucura, pois é muito difícil lidar com a situação", lembra-se.

Solteira, mãe de uma filha e avó de dois netos - "eles são a minha vida" -, Solange é quem chefia a casa. "Pensei que não tinha nenhuma sequela, mas as sequelas psicológicas são profundas e, na verdade, acabam não cicatrizando nunca", admite.

A técnica de enfermagem sempre se interessou por astrologia e diz ser bem intuitiva. Acredita que tudo na vida é uma via de mão dupla. "O que vai, volta. E o que desejamos, se desejamos com muita intensidade, acontece. As palavras têm muito poder", defende ela.

Solange está confiante nas mudanças que quer promover na própria vida. "Quero voltar a ser aquela pessoa que sorria e tinha brilho no olhar. Hoje estou reconstruindo a minha vida, tijolinho por tijolinho", diz.

Projeto em expansão

O Zo.e foi lançado no final de maio e já alcançou mais de 60 mulheres. A intenção é que, logo, esse número chegue a 300 atendimentos por mês. Para tanto, a quantidade de profissionais precisa, no mínimo, dobrar - além de Débora, estão envolvidos os astrólogos Joana Forlani Barros, Ivete Caggiano Perez, Alexandre Romano e Luciana Gressler.

Interessados em voluntariar no Zo.e podem contatar a fundadora via e-mail. Já quem quiser apoiar o projeto consegue ajudar através do site Catarse. Nas redes sociais, o Zo.e pode ser acompanhado no Instagram e no Facebook.

* O sobrenome foi suprimido para preservar a identidade das entrevistadas.