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Viralizou: por um ano, jovem trans grava mudanças na voz por testosterona

Arthur Caetano Bassetto, homem trans, mostra resultado de hormonização na voz em vídeo no Twitter - Arquivo pessoal
Arthur Caetano Bassetto, homem trans, mostra resultado de hormonização na voz em vídeo no Twitter Imagem: Arquivo pessoal

Nathália Geraldo

De Universa

13/10/2020 12h49

Aos 17 anos, Arthur Caetano Bassetto chegou ao Ambulatório de Gênero HC-Unicamp para saber mais sobre o processo de transição de gênero, com terapia hormonal. A equipe médica perguntou sobre os sentimentos que ele tinha em relação a si mesmo, e ele contou que uma de suas maiores preocupações era a voz. Caracterizada como feminina, a voz do jovem era motivo para que evitasse até falar em público. "Eu tinha medo de falar perto de gente que eu não conhecia; medo de a minha voz me entregar".

Homem trans, hoje com 20 anos, Arthur deixou para trás o silêncio. Está estudando até para fazer faculdade de Artes Cênicas. Na última semana, resolveu compartilhar um vídeo no Twitter mostrando como a aplicação de testosterona por um ano transformou sua voz - está mais masculinizada.

O compilado (veja abaixo) com intervalos semanais e mensais viralizou, com 98 mil curtidas e mais de 9 mil compartilhamentos, na rede social. Rolou até flerte: "Meu Deus, Arthur Caetano, vem falar com essa voz aqui no meu ouvido, vem?", brincou uma usuária.

"Mascarava o corpo, a voz, não conseguia"

O vídeo em que registrou a mudança de voz foi gravado desde o primeiro dia em que Arthur passou a aplicar testosterona no corpo. A modificação faz parte da terapia hormonal para pessoas trans, ou seja, que se reconhece como sendo de outro gênero que não aquele com o qual foi identificada no nascimento.

Entre as mudanças, para homens trans, estão surgimento de pelos e deslocamento de gordura do corpo, perda de volume nas coxas e nos seios, por exemplo. E, claro, a transformação da voz que, nestes casos, fica com tom mais grave.

Arthur Caetano - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Para Universa, o jovem contou que o acompanhamento frequente pela gravação da voz em vídeo foi recomendado pela equipe de psicologia do HC, como um "meio terapêutico". "Às vezes, a voz vai mudando e você não percebe, porque é gradual. Então, o registro ajuda a manter focado. Eu também gravava para publicar nos Stories do meu Instagram, para família e amigos assistirem".

Quando publicou o conteúdo no Twitter, não esperava tanto apoio. "Fiquei feliz com os comentários, porque quando se tem disforia de gênero, é complicado de ver o que acontece, mesmo que os fatos estejam na sua frente. Você sempre acha que a voz não está grave suficiente".

Apoio dos pais

Em todo processo de transição de gênero, Arthur tem o apoio dos pais. Também faz acompanhamento psicológico há mais de dez anos. Ele conta que esse suporte dos familiares a pessoas trans é bem raro - e a experiência dentro do ambulatório é uma prova.

"No começo do meu processo, minha mãe foi comigo à consulta, porque queria saber do psicólogo como eu estava evoluindo. A equipe até pediu desculpa porque disseram que não tinham o hábito de falar com os pais sobre isso, porque a maioria não queria saber", comenta. "O ambulatório tem um grupo de apoio para os pais, mas tem família que só vai uma vez e nunca mais aparece".

Terapia hormonal e mudança de nome

Arthur - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Arthur Caetano Bassetto, homem trans, conseguiu mudar nome na certidão de nascimento em setembro
Imagem: Arquivo pessoal

Em setembro deste ano, Arthur completou um ano de terapia hormonal com mais uma conquista: mudou na certidão de nascimento seu nome para Arthur Caetano.

Isso pode ser feito em qualquer cartório por pessoas trans, em posse de alguns documentos, por decisão de março de 2018 do STF (Supremo Tribunal Federal).

Com suporte de profissionais multidisciplinares e interdisciplinares, entre eles, psicólogo, ginecologista, endocrinologista, Arthur não tem previsão de até quando tomará testosterona. "Estou esperando aparecer barba no meu rosto, porque o pelo também engrossa. Não tenho planos de interromper, mas já conversei com outros homens trans que pararam por complicações, como queda de cabelo, problemas cardiovasculares".

O jovem faz exames de rotina toda vez que retira a receita do hormônio que, a cada aplicação, também gera efeitos colaterais. "Nos primeiros três dias, tenho sintomas de puberdade, como irritabilidade e fome. E também estou vendo o aumento de acne do rosto". É recomendado que o processo seja acompanhado por médicos, que estão aptos para analisar os resultados e os efeitos da "hormonização".

Vaquinha para mastectomia

Arthur pretende fazer mastectomia, ou mamoplastia "masculinizadora", um procedimento de remoção dos seios para que possa se sentir mais feliz com sua aparência. A decisão de realizar a cirurgia de "afirmação de gênero" se deu depois que a idade mínima para o procedimento abaixou de 21 para 18 anos, por resolução do Conselho Federal de Medicina, em janeiro.

Apesar de a cirurgia estar disponível no SUS, o jovem pretende arrecadar R$ 10 mil para realizá-la em clínica particular, já que, segundo ele, a fila de espera em São Paulo (Capital) pode demorar até quatro anos (ou mais, como Universa já apurou). Outro caminho é pedir cobertura pelo plano de saúde mas é possível que o procedimento vá parar na Justiça, o que gera gastos com advogados.