Estamos polarizando o amor? Psicanalista analisa relações atuais em livro
Nathália Geraldo
De Universa
20/10/2020 04h00
Ela já colocou a monogamia em xeque, questionou a "fórmula" do casamento duradouro e deu dica sincera a quem possa estar com dificuldade de fazer "sexo virtual" em tempos de pandemia. Agora, a psicanalista Regina Navarro Lins avisa que estamos atravessando um período de mudanças dos modelos tradicionais de relacionamento que "explodiram" há pelo menos 60 anos, ao lado dos movimentos hippie, feministas e LGBT.
Atendendo a pessoas com questões da vida afetiva em consultório há 47 anos, Regina tem opinião - forte e pública - sobre quase todos os assuntos que dizem respeito à forma com que nos relacionamos amorosamente. Em seu novo livro, "Amor na vitrine", da editora Best Seller e em pré-venda pela Amazon, com lançamento previsto para novembro, a escritora revisita a história do amor em diferentes sociedades e tempos para mostrar de onde vem o jeito com que encaramos sexualidade, sentimentos e comportamentos nas relações. Em entrevista para Universa, ela fala do novo livro e avalia as relações contemporâneas.
Nós estamos no meio de um processo de profunda mudança de mentalidade e isso começou nos anos 60, a partir da pílula anticoncepcional. Ela foi um divisor de águas, porque o sexo se dissociou da procriação e passou a ser associado também ao prazer.
"Amor na vitrine" e as relações amorosas contemporâneas
A polarização tornou comum em várias esferas da vida. A sensação de um eterno "Fla x Flu" está, principalmente, na política. Também a aparece em questões relacionadas à ciência, por exemplo. Mas, será que as emoções e os relacionamentos também estão sendo polarizados, entre pessoas que estão dispostas a rever os tipos de relacionamentos e outras que sequer querem saber de nada além da monogamia?
Para Regina Navarro Lins, estamos "no meio do caminho" de algumas transformações que impactam diretamente nos desejos amorosos e sexuais que construímos uns pelos outros.
"Às vezes, encontramos comportamentos díspares dentro do mesmo grupo social. Pessoas que se libertaram dos modelos tradicionais de relacionamento e pessoas que, apesar da insatisfação, ainda se agarram a eles. Porque o novo dá medo. Então, sim, tem pessoas que acham um absurdo discutir a monogamia, por exemplo, e outros que estão querendo muito fazer isso".
Ela conta que o resultado dessa percepção de diferentes arranjos de relação chegou há pelo menos cinco anos em seu consultório, quando passou a atender casais em que uma das partes queria abrir a relação, mas que não sabia como propor isso ao parceiro ou parceira.
"As pessoas chegavam com conflitos que eu não via antes, porque uma parte propunha abertura da relação e a outra tinha crise. Nas minhas lives, muitas perguntas também são de homens e mulheres que querem propor relacionamento aberto, mas não querem acabar com o casamento".
Regina Navarro diz que é o amor romântico que faz com que a ideia do "quem ama não transa com mais ninguém" seja tão forte no imaginário dos indivíduos. E que essa é uma construção social bem antiga, que também está sendo transformada aos pouquinhos dentro das relações.
"O amor romântico povoa as mentalidades do Ocidente desde o século 12. No século 19, ganha força e, nos anos 40, é incentivado pelas produções de Hollywood. Eu o critico porque ele é calcado na idealização e prega que uma pessoa vai atender todas as necessidades da outra", analisa.
"Só que esse tipo de amor dá sinais de que vai sair de cena, porque o tempo em que a gente vive é caracterizado pela busca da individualidade. As pessoas estão em uma viagem para dentro de si mesmas".
Modelo tradicional de casamento e exclusividade
Nessa busca, aponta a psicanalista, a exigência de exclusividade, que é um dos pilares do casamento tradicional, também sai de cena como a única forma de ter um parceiro ou parceira na vida afetiva e sexual. "Por isso, vemos essas formas de amar, o amor a três, o poliamor". Eles surgem em contraponto à monogamia, por vezes "imperativa" e vista como "superior" frente à forma não monogâmica de se relacionar, como a psicanalista aponta em um trecho de "Amor na vitrine":
Uma das crenças mais aceitas na nossa cultura é a de que a monogamia é a única forma válida de união entre duas pessoas. É considerado tão superior que não se necessita de questionamento. Mas isso não é comprovado na prática. As altas taxas de relações extraconjugais mostram que essa é mais uma crença equivocada.
Não à toa, ela diz, os casais bateram cabeça para manter a relação saudável com a convivência mais frequente por conta da pandemia. "Se fora da pandemia, o modelo de casamento não incentiva o respeito à individualidade, imagina o sufocamento que é estar com a pessoa dentro de casa 24 horas por dia. Uma moça me escreveu dizendo que o marido queria sempre saber com quem ela estava conversando no celular, e que sentia falta da rotina antes, em que saía para almoçar com os amigos do trabalho, por exemplo".
Vamos nos questionar?
Em "Amor na vitrine", a psicanalista também escreve sobre outros temas que envolvem amor e sexo e aponta como se dá a construção do que entendemos como paixão, conquista, liberdade sexual, os diferentes papéis de homens e mulheres impostos socialmente em relação aos relacionamentos. O livro é um convite para revisitar convicções e se aprofundar nas novas possibilidades de encarar essas questões e até e assuntos tabus, como falta de sexo no casamento. "Casamento é onde menos se faz sexo, e a dificuldade é por causa do modelo de ciúme que ele tem", explica. "Os casais deveriam falar mais da falta de sexo. Enquanto não se questionar isso, os casamentos vão ser ruins tanto quanto são", conclui.