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Sou casada e poliamorista. Não acho que monogamia deva ser imposta a todos

"Poliamor tem a ver com entender que não temos posse sobre a outra pessoa" -
"Poliamor tem a ver com entender que não temos posse sobre a outra pessoa"

Isabela*, em depoimento a Camila Brandalise

De Universa

01/11/2020 04h00

"Conheci meu atual marido pelo Tinder, em 2018, e no meu perfil eu já dizia que era poliamorista. Ou seja, sou uma tatuadora e body piercer de 23 anos que segue o poliamor e acredita que é possível se relacionar afetivamente com mais de uma pessoa. Acho que monogamia é uma ideia imposta que gera ciúme, posse e submissão. Mas, mais do que tudo, isso serve para mim e não precisa servir para mais ninguém. A gente cresce acreditando que só tem um jeito de amar, e não é assim. Para mim e para muitas pessoas não é assim. Não estou exigindo que ninguém viva outra coisa se não estiver satisfeito com seu relacionamento, mas não acredito que a monogamia deva ser imposta para todos.

Meu companheiro já se interessava por esse assunto quando nos conhecemos, em São Paulo. No nosso segundo encontro, fomos a uma biblioteca porque ele queria procurar o livro 'Novas Formas de Amor', da Regina Navarro, que fala sobre o tema. Hoje, já morando juntos, o poliamor é nossa realidade.

Quando me relacionei com a primeira pessoa depois de casada, discutimos algumas vezes. Não que eu sentasse para explicar o conceito do poliamor, mas precisávamos resolver algumas questões. Ele chegava dizendo que não estava legal com a situação, mas sabia que estava errado, que trazia esse sentimento do amor romântico e monogâmico. Mas decidi terminar porque não queria mais.

Da segunda vez que me relacionei com um segundo homem, meu marido já tinha ideias mais maduras sobre não-monogamia, já estava mais engajado, por isso, lidou melhor. Mas hoje somos só nós dois. Temos alguns combinados, contamos se vamos sair com alguém, por exemplo. Mas não há regras rígidas. Eu estou em um momento que não quero mais relações casuais. Quero me envolver com as pessoas.

Se você começou a ler esse depoimento porque acha que poliamor é putaria, sinto lhe informar, mas não é.

Na verdade, é muito mais do que poder conhecer e se relacionar com outras pessoas. Tem a ver também com não enxergar sua companheira ou companheiro como uma posse sua, com preservar sua intimidade e a do outro.

Passei por relacionamentos abusivos durante a minha vida em que havia muito ciúme e ideia de posse. Em um deles, cheguei a ser agredida fisicamente quando disse que queria terminar. Meu ex-namorado me prendeu na casa dele, não me deixava sair.

Desde o meu primeiro namoro, há dez anos, quando eu tinha 13, me questiono sobre a monogamia. Sentia que tinha algo de errado com aquilo, com a ideia de pertencer a alguém, com não poder fazer coisas porque o companheiro não gostava, com não poder olhar para o lado. Pensava: 'Será que vai ser sempre assim?'. Mas não se falava em poliamor na época, não havia muito questionamento sobre a monogamia. Eu achava que era a única opção.

Aos 17 anos, estava namorando e conheci uma garota por quem me interessei. Morava com a minha então namorada e abri o jogo, dizendo que gostava de outra mulher, mas que não tinha deixado de gostar dela também. Foi a primeira vez que gostei de duas pessoas ao mesmo tempo. Para mim, foi muito natural. Para ela, um turbilhão. Terminamos, mas continuamos amigas.

Depois tive relacionamentos abertos. Mas que não deram certo. Disse para mim mesma que só ia me relacionar de novo com alguém que também fosse poliamorista. Nessa época, eu já entendia essa definição. Não lembro quando foi a primeira vez que fui apresentada ao conceito. Acho que foi em um podcast ou vídeo no YouTube. E depois comecei a assistir a muitos vídeos sobre isso. Pensava: 'Olha, outras pessoas também vivem como eu'.

Comecei a namorar um homem que se dizia poliamorista, mas, na prática, não estava legal com a situação. Ele tinha ciúme, mas não falava. Era passivo-agressivo.

Eu dizia: 'Se você sente ciúme, não tem que esbravejar em cima de mim, tem que pensar de onde vem isso'. Até que ele me questionou sobre não querer transar com ele porque já estava transando com o outro homem com que me relacionava na época. Não tinha nada a ver. Eu não queria transar com ele naquele momento porque não estava com vontade, não porque me relacionava com outra pessoa também. Ali foi o fim, e terminamos.

Também me relacionei com um casal, mas sentia que ficava na geladeira. O cara passou a me procurar só quando a namorada não estava livre. Fomos deixando de nos falar. Mas, enquanto estava com eles, conheci meu atual marido.

Muitas mulheres me perguntam sobre o poliamor, ficam curiosas. O que tento dizer para elas é que, no geral, ainda há muita submissão feminina nos relacionamentos. No sentido de esperar o homem tomar iniciativa para chamar para sair, para falar em namoro. Nessa espera, ela já está dando poder ao homem. Um poder que já é dele, por causa da sociedade patriarcal em que vivemos, mas que fica ainda maior. Ele pode ser um anjo no começo, mas situações assim já abrem espaço para relações abusivas.

A gente praticamente não questiona a monogamia. Quando alguém pede outra pessoa em namoro, parece que as regras já estão estabelecidas.

Não se questiona sobre o que é melhor para os dois. E não estou dizendo para todo mundo ser poliamorista, mas para questionar se a maneira de se relacionar que é socialmente aceita, que envolve enxergar o outro como um objeto de posse, é a única possível. Para mim, não é."

*O nome foi alterado para preservar a identidade da entrevistada.