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Preta Gil, mulher de negócios: "Eu não espero fazerem por mim"

Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Marcelle Souza

Colaboração para Universa

06/11/2020 04h00

A cantora capaz de arrastar mais de 300 mil foliões no Carnaval do Rio é também uma potência no mundo dos negócios. Bem antes de se lançar como artista, o que só aconteceu quando tinha 28 anos, Preta Gil já era empreendedora. Aos 20, criou a Dueto Filmes e não parou mais. Hoje, ela tem uma agência de marketing, uma marca de esmaltes com o seu nome, há 11 anos coloca o Bloco da Preta nas ruas do Rio e há 12 anos mantém o Bazar da Preta, que vende roupas de segunda mão para apoiar organizações da sociedade civil, entre outras iniciativas.

Em entrevista a Universa, Preta conta como virou uma mulher de negócios e fala dos desafios de empreender. "Eu não espero fazerem por mim. Eu faço com os parceiros necessários para isso. Eu não faço nada sozinha, tenho muita consciência disso, trabalho no coletivo e em grupo, mas eu coloco a minha energia em tudo, boto a minha mão na massa."

Há três anos fundou, ao lado da sócia Fatima Pissarra, a Mynd, uma agência de marketing que tem no portfólio artistas como Luan Santana, Ludmilla, Lia Clark, Thammy Miranda, Elba Ramalho e Thelma Assis. Em 2019, a empresa ganhou o Prêmio Caboré, o maior da publicidade brasileira, e virou um dos orgulhos da cantora.

"Quando a Mynd nasceu, a gente já pensou em um casting que mostrasse para o cliente que diversidade é o caminho, não só da publicidade, mas da sociedade como um todo", diz.

Na semana passada, Preta participou do evento "Impulsione com Facebook e Sebrae: conectando pequenos negócios", para falar sobre os desafios do empreendedorismo multifuncional. A seguir, trechos da conversa com Universa sobre empreendedorismo.

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UNIVERSA: Você montou seu primeiro negócio aos 20 e desde então não parou de empreender. O que você aprendeu nessas primeiras experiências?

PRETA GIL: Eu tive uma grande escola com o [publicitário] Nizan Guanaes, com quem comecei a trabalhar aos 16 anos. Ele já estimulava a minha criatividade, porque eu era muito extrovertida, ia nas reuniões e não ficava calada, me metia em tudo. Até que, aos 17, fui trabalhar na [agência de publicidade] DM9, onde eu fiquei dois anos e meio, até engravidar do meu filho, Francisco. A DM9 foi uma grande escola e estava em um momento de expansão. Aí eu fiquei apaixonada pela produção dos filmes, eu me relacionava com os produtores, tinha amigos diretores.

Quando o Francisco nasceu, fui trabalhar com a Monique Gardenberg, que tinha a Dueto Produções, uma produtora responsável pelo Free Jazz, um festival muito famoso, que trazia grandes nomes da música para o Brasil. Na Dueto, a gente pegou uma época áurea de videoclipes. Depois, com um ex-chefe, o Maurício Guimarães, a gente acabou abrindo a Dueto Filmes em São Paulo, e entramos de cabeça no mercado publicitário.

E o que mudou na sua vida?

A minha vida virou isso: eu era uma workaholic, estava no atendimento da produtora, vivia em agência de publicidade, com vários diretores de criação, com vários atendimentos, e sempre fui aquela pessoa que faz tudo. Eu poderia até ter um cargo de sócia, era responsável por prospectar e por trazer os comerciais para a agência, mas eu sempre me metia em tudo, respeitando muito o trabalho desses profissionais, mas querendo colaborar.

Que habilidades isso trouxe para a gestão de um negócio?

Eu falo que já estive em todo os lados, já fui agência, já fui produtora, já fui cliente, sou artista, hoje eu sou agência. Por isso eu falo para todos os jovens que a melhor bagagem que a gente pode ter na vida é a mão na massa. Quando a gente faz, quando se arrisca, sempre vai aprender alguma coisa. Por exemplo, eu já fui assistente de cenografia, assistente de figurino, assistente de direção. Eu já fiz de tudo, não me aprofundei em nada, mas entendo. E isso faz com que respeite muito a profissão das pessoas. Eu acho que o maior aspecto é o do respeito.

Mesmo quando você se lançou como cantora, você não deixou de se envolver em vários negócios. Por quê?

Porque isso está em mim. Quando eu comecei, aos 16, isso já era uma percepção de quem estava ao meu redor, de que eu queria pôr a minha energia e fazer as coisas acontecerem. Eu sou assim. Quando eu comecei a minha carreira de cantora, tive que largar outra muito bem-sucedida. Eu saí da Dueto no auge, faturando muito, com uma sede enorme em São Paulo, uma sede enorme no Rio. De certa forma, foi um banho de água fria nos meus sócios, porque eu era muito o coração daquela produtora. Quando eu falei "gente, eu vou cantar", a Monique, que era minha sócia e também é artista, entendeu e me apoiou muito.

Mas eu sou uma pessoa que coloca essa energia do realizar em tudo. Eu não espero fazerem por mim. Eu faço com os parceiros necessários para isso. Eu não faço nada sozinha, tenho muita consciência disso, trabalho no coletivo e em grupo, mas eu coloco a minha energia em tudo, boto a minha mão na massa. É muito importante, quando você começa uma carreira, ter a noção das coisas. Eu sempre fui aquela artista que soube quanto ia custar o clipe, quanto custa fazer um álbum, sabia da planilha, da execução, do planejamento, do marketing, e isso me ajudou a colocar o meu sonho de ser cantora em prática. E aí vão vindo as ideias: eu quero fazer um bloco de Carnaval, eu vou lá, corro atrás, faço.

O Bloco da Preta virou um divisor de águas para o Carnaval do Rio, e acabou abrindo alas para outros blocos gigantes, principalmente de mulheres virem no comando também. E assim vai: quando eu quero fazer um esmalte, quero fazer um batom, uma coleção de biquíni, eu vou correndo atrás dos parceiros. Muitas coisas dão certo, outras não dão, mas faz parte. Importante é não deixar a energia parar.

Muito por conta disso nasceu, por exemplo, a Mynd. Em uma reunião, de tanto eu dar a minha opinião, chamou a atenção da Fátima, que me disse que nunca tinha visto uma artista falar tanta coisa para um cliente, com tanta honestidade, educação e relevância. Foram vindo as ideias, a gente foi colocando em prática, e eu tive a sorte de encontrar uma parceira que é um foguete como eu, que é a Fátima.

Qual é a sua contribuição na Mynd?

Eu e a Fátima somos sócias-fundadoras da Mynd, que começou como uma agência para trabalhar com influenciadores. A gente já tinha tido essa percepção de que é o momento do anti-marketing, do marketing que é ser quem você é, ser verdade e propósito. Então, quando a Mynd nasceu, a gente já pensou em um casting que mostrasse para o cliente que diversidade é o caminho, não só da publicidade, mas da sociedade como um todo. Isso aconteceu lá atrás, quando a gente montou o nosso primeiro casting, que já tinha equidade de gênero, de raça. E aí veio o nosso grande cliente, além de mim mesma, que foi a Pabllo [Vittar], que começou a despontar no mercado, uma energia muito específica, e a gente conseguiu fazer com que as marcas entendessem a importância de se juntar a uma drag queen no momento. Esse é um trabalho de que a gente tem muito orgulho.

De lá para cá, as coisas de fato se consolidaram não só pra ela como para todo o nosso casting, muito diverso. Isso está no nosso DNA, essa é a nossa verdade. Agora não, porque a gente está em home office, mas, se você chega na Mynd, enxerga tudo isso desde o quadro de funcionários até o nosso casting. Hoje em dia isso virou uma tendência, e a gente fala para o mercado há três anos. Eu quero uma agência que vai mostrar um casting inclusivo, diverso, múltiplo, plural.

E qual foi o seu principal desafio no mundo dos negócios? O que é mais difícil?

Eu acho que tudo é difícil nesse meio. Você empreender neste país é difícil, você se colocar de uma maneira mais pragmática. Mas quando você tem muita vontade, as coisas acontecem. Não necessariamente na hora em que você quer, da maneira que você quer, mas a gente vai fazendo. Eu acho que é difícil porque a gente ainda tem muito preconceito, há muitos medos, o mercado ainda tem muitos clientes que não compreenderam isso. Eu vejo hoje que há muito mais vitórias. Fico feliz de olhar para a publicidade que eu fazia há 26 anos, quando comecei, e a que eu faço hoje, e ver como ela evoluiu e como é mais justa, mais verdadeira.

E qual foi o seu momento mais importante no mundo dos negócios?

Não tem como escolher um. Foram muitos momentos emblemáticos, de felicidade de ver um filho, que é o que acaba sendo para a gente, sendo reconhecido. No ano passado a gente [Mynd] ganhou o Prêmio Caboré, que foi muito inesperado, porque a gente tinha somente dois anos de agência. Eu nunca fui uma mulher premiada. Sempre fui aquela que tive que me dar os meus próprios prêmios na vida. E isso é muito gostoso também. Mas quando você chega em um evento como o Caboré, é algo como um Oscar. Eu confesso que foi uma coisa que eu não planejei, muito surpreendente, muito linda, você vê o time todo com aquele olho brilhando e pensa que valeu a pena todo o nosso esforço. Isso foi muito emocionante, mas obviamente tem muitos momentos da minha carreira, como colocar um bloco na rua, o que é praticamente um milagre.

Como você dá conta de tantos projetos? E como tem feito isso na pandemia?

Foi bem complicado. Eu consigo dar conta porque eu tenho os parceiros certos. Isso é muito importante. Eu acredito muito na equipe que eu formei, nas pessoas que estão ao meu redor. Eu tenho sócios em todas essas áreas e uma equipe que tem muita sinergia comigo. Esse eu acho que é o segredo de ser "meio polvo", de ter muitos tentáculos, ter muito tesão. Eu sou muito apaixonada pelo que eu faço, e acabo contagiando as pessoas que trabalham comigo e que me ajudam a tocar tudo isso.

Na pandemia foi muito complicado, porque eu fiquei doente logo de cara, até hoje a ficha não caiu direito. Você se questiona: por que isso está acontecendo? Por que comigo? São muitos medos. E logo que eu fiquei doente, uns 10 dias depois, veio todo o isolamento no Brasil, os fechamentos e tudo mais. Foi muito assustador. Eu penso sempre nas pessoas, na minha equipe, nas que ficaram doentes, que ficaram desempregadas. Eu senti muito as dores do mundo, pensei muito mais nos outros do que em mim. A gente se sente impotente, não tem o que fazer, e isso foi uma coisa que me adoeceu na pandemia. Então eu busquei fazer o que podia, a energia.

A Mynd foi algo que aconteceu de muito positivo, que não me deixou entristecer. No meio de tanta dificuldade, ver a agência crescendo, tendo que contratar mais gente. Isso foi me deixando saudável no meio do caos e das trevas. Estou ansiosa por essa vacina, porque o que eu mais amo fazer é entrar no palco e fazer o meu show, isso eu não faço há oito meses, e dói muito. Mas eu coloco essa dor no lugar de resiliência, de entender que não sou só eu, e que na hora certa a gente vai voltar, e vai ser com muita cautela.

Você também é empreendedora social, já tinha o Bazar da Preta, mas intensificou as ações na pandemia. Como foi?

É no caos que a gente tem que abraçar quem está do lado. Esse abraço pode ser virtual, mas eu também posso usar a minha imagem, a minha energia, para ajudar muitas causas em que eu já acreditava. Se está difícil para a gente, imagina para pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade, para ONGs que dependem de doação. Então, eu tentei apoiar todos os meus parceiros, e isso não me deixou ir para o buraco, porque eu pensava "tem gente precisando de mim".

Em dezembro, o Bazar da Preta vai ser online pela primeira vez em 12 anos, e terá toda a renda revertida para a Voz das Comunidades, que é um projeto que eu apoio aqui no Rio, e para o IKMR, que é uma ONG que ajuda refugiados e está precisando muito. O bazar tem toda uma questão que eu estou falando há anos, sobre sustentabilidade, que a roupa não é descartável, que a gente tem que dar uma sobrevida a elas, reutilizar. Nunca foi tão importante comprar uma roupa de segunda mão.

Que dicas você dá para os empreendedores que estão começando?

Nessa parceria com o Facebook, que já tem um tempo, mas agora se tornou remoto também [com o evento "Impulsione com Facebook e Sebrae: conectando pequenos negócios"], eu tive contato com pessoas incríveis, que transformaram seus sonhos em realidade, em uma potência e no seu próprio ganha-pão. Em todas elas eu vi que a paixão é o mais importante. Então eu falo para as pessoas: não tenham vergonha do seu dom, do seu talento.

Para você ser bem-sucedido na vida você tem que ter amor e paixão por aquilo que faz, seja consertar um carro, dar uma aula, cantar, fazer um bolo. E isso é o mais importante: detectar em você o que é a sua grande paixão. As coisas que são de moda, porque está todo mundo fazendo, tendem a não darem certo, porque isso tem prazo de validade. A moda é assim, transitória, mas o seu talento nunca vai passar, pode ser melhorado e aperfeiçoado. Então, se você sabe fazer muito bem uma coisa, acredite no seu dom, acredite em você e faça. Não tenha medo nem vergonha.

Aliada com a tecnologia, essa paixão não tem limite. Tendo um controle e sabendo utilizar as ferramentas que hoje em dia existem nas redes sociais você pode realmente fazer com que aquele seu sonho possa levar seu filho para uma faculdade, te levar para conhecer o mundo, construir a sua casa. O sonho não está em algo que não é palpável, sonho é para se sonhar e realizar.