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Detentas no Maranhão deixam brigas de lado e se engajam em cooperativa

Detentas em atividade da Cooperativa Cuxá, no Maranhão - Karlos Geromy/Divulgação
Detentas em atividade da Cooperativa Cuxá, no Maranhão Imagem: Karlos Geromy/Divulgação

Letícia Sepúlveda

Colaboração para Universa

08/11/2020 04h00

"Antes eu não tinha muito ânimo para trabalhar, porque pensava que era só mais uma promessa. Então, preferia ficar dentro do xadrez. Quando consegui fazer minha primeira bolsa, pecinha por pecinha, me senti muito emocionada", conta Keitiane Mesquita, 32, interna da Unidade Prisional Feminina de São Luís (UPFEM), no Complexo de Pedrinhas, no Maranhão.

Ela é membro do conselho administrativo da Cooperativa Cuxá, iniciativa recém-lançada pelo Instituto Humanitas360 em parceria com o governo do Maranhão e com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para capacitar e reinserir detentas na sociedade por meio do empreendedorismo.

O projeto reúne 41 mulheres, de 21 a 61 anos de idade, que trabalham de segunda a sexta-feira, das 8h às 14h, em um ateliê construído na penitenciária, onde têm aulas de costura e bordado. Elas dividem suas atividades na confecção de coleções exclusivas de artigos têxteis inspirados na cultura maranhense, que posteriormente são vendidas para a marca Tereza, do Instituto Humanitas360. Toda a renda gerada pela venda das peças é dividida igualmente entre as participantes da cooperativa.

Fazer escolhas, mesmo dentro de uma unidade prisional

A Cooperativa Cuxá busca se diferenciar de outras oficinas de trabalho criadas em unidades prisionais ao reforçar aspectos como empreendedorismo, cooperativismo e espírito cívico entre as participantes. Além disso, todas têm direito a voto na assembleia geral e podem ocupar cargos de presidência ou no conselho administrativo.

A chefe de projetos e operações do Instituto Humanitas360, Janaína Reis, explica que o modelo foi implementado com o apoio do programa Justiça Presente, uma parceria do CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para identificar quais estados estavam abertos à inovação no sistema prisional.

"Depois, fizemos a análise técnica, entramos em contato com os governos e eles indicaram quais seriam as unidades que teriam condições de receber o projeto. Foi assim que chegamos até a unidade feminina de Pedrinhas."

Janaína destaca a importância de criar um modelo de negócios que valorize as mulheres e que as coloque de fato como donas dos próprios negócios. "No momento da formação da cooperativa, a gente já faz com que elas participem dos quadros estatutários e aprendam na prática como gerenciar a própria empresa que, no caso, é a cooperativa social", afirma.

As inovações fazem a diferença na vida de quem pode de fato acessá-las, como explica Natalia Silva Martins, 32, diretora presidente da cooperativa. "Aqui, podemos opinar e fazer escolhas na administração. Nesse ambiente de trabalho, apesar de ser dentro de uma unidade prisional, podemos fazer a diferença, o projeto é composto pelas nossas decisões." Keitiane concorda: "A gente pode encher a boca e dizer que o projeto é nosso".

Deixando de lado desavenças e intrigas

Elas também destacam que o caráter coletivo do trabalho melhorou muito a convivência entre as internas, deixando de lado o histórico de brigas e agressões. "Quando a gente fica só dentro da cela, sem ter o que fazer, surgem algumas desavenças e intrigas. Quando surgiu a cooperativa, que uniu várias meninas de várias celas, nossa convivência melhorou demais. Meninas que antes não se falavam, hoje, se ajudam", diz Natalia.

Para Wilma Diniz, diretora da Unidade Prisional Feminina de São Luís (UPFEM), o projeto já veio como uma novidade só pelo fato de as internas terem que trabalhar em conjunto para depois repartirem os lucros.

"Algumas cooperadas já me deram muito trabalho em outras oficinas, em termos de falta de disciplina e de não cumprimento de regras. Mas, hoje, essas questões mudaram. Elas gostam da cooperativa porque se sentem incluídas e sabem que, se não comparecerem, estarão prejudicando as colegas também", diz a diretora.

"Antes, elas não queriam participar dos projetos porque diziam que não iriam trabalhar para o Estado. A visão que tinham era a de que quem participava estava trabalhando para o sistema. Quem trabalhava perto da direção era chamada de X9, cagueta. Hoje, isso mudou muito, elas têm interesse em aprender e se qualificar. Não só o Judiciário, mas também toda a sociedade precisa entender que esses empregos não estão sendo tirados de alguém. Na verdade, o Estado está suprindo aquilo que devia ter sido dado a essas mulheres há muitos anos", diz.

Atualmente, a Unidade Prisional Feminina de São Luís conta com 240 internas. Deste total, 152 trabalham e cerca de 145 estão inseridas em algum projeto educacional, que vai desde a alfabetização até o ensino superior.

Planos para o futuro

O artigo 126 da Lei de Execuções Penais permite a remissão de pena por atividades relacionadas ao trabalho e ao estudo. Nesse contexto, o grupo jurídico da Cooperativa Cuxá acompanha o processo de cada interna junto com uma equipe multidisciplinar formada por um psicólogo e uma assistente social, que acompanham o regime de progressão de pena das cooperadas.

"Trabalhamos como uma incubadora das cooperativas sociais. Temos um processo de apoio e acompanhamento pelo período de dois anos e trabalhamos com o objetivo de investir em maquinários, insumos e capacitação. Também trazemos especialistas e mentores para que as cooperadas pratiquem o empreendedorismo e para que esse piloto seja replicado como uma oportunidade de inovação dentro da gestão pública", explica Janaína Reis.

"A ideia é que, após esse período, elas próprias possam administrar o projeto. Atuamos no processo da remissão de pena e no pós-cárcere. Isso também é muito importante porque, quando elas ganham liberdade, podem continuar conduzindo os negócios da cooperativa, para continuarem empreendendo fora da prisão."

Para além desta nova chance, também existem projetos para o futuro. "Quando eu estava lá fora, era meu marido quem trabalhava e eu ficava em casa para cuidar dos filhos. Depois que fui presa, ficava me perguntando: 'O que vou fazer quando sair daqui?' Hoje, me encontrei demais no universo da costura. O que eu estou aprendendo vai ser bem aproveitado lá fora. Também já penso em montar meu ateliê e produzir todas as peças que aprendi a fazer aqui", diz Natalia.

Keitiane também tem sonhos. "Quero abrir o meu salão de beleza porque amo mexer com cabelo. Mas, se não tiver essa oportunidade, posso pedir serviço em qualquer malharia. E tenho certeza de que consigo, quero dar o melhor de mim."