Empreendedora negra de 50 precisa de histórias como a dela, diz consultora
Turismóloga e professora de inglês há 36 anos, Leila Gravano, começou a frequentar cursos sobre empreendedorismo assim que decidiu ser dona do seu próprio negócio. Já não queria se submeter ao formato das escolas tradicionais de idiomas, então abriu mão da CLT e partiu em busca de conhecimento. Em pouco tempo tempo, no entanto, descobriu que eventos e palestras não dialogavam com a sua realidade: uma mulher negra de 55 anos.
"Mesmo sabendo inglês, a linguagem não era para mim. Tinha dificuldade para acompanhar o ritmo com que eles explicavam as coisas, porque cognitivamente a gente aprende em um outro tempo", diz Leila. "Falar de empreendedorismo para um jovem de 30 anos é diferente do que para uma mulher de 50, que está na menopausa, tem uma perda de hormônio, de vitalidade."
Para ela, além da linguagem, o tempo e as necessidades são diferentes entre os empreendedores maduros e os de 30. Enquanto estes assumem mais riscos, quem é mais velho vê o próprio negócio como um caminho para a estabilidade e uma alternativa na aposentadoria. "Ainda que eu seja uma coroa sarada, quero acordar e ter um ritual diferente, quero slow living, porque já carreguei muita pedra", afirma.
Leila decidiu, então, buscar a sua tribo: frequentou grupos de mulheres e de empresários com mais de 50, mas em nenhum deles se sentia realmente acolhida. "Uma vez fui a um evento que só tinha empreendedoras brancas. Entrei muda e saí calada. Não tinha história para contar, não tinha o mesmo tipo de experiência de vida. Eu trabalhei a vida toda para construir uma casa, então não podia passar 7 dias em Nova York. Não falei nada para não pagar mico."
O que mais incomodava Leila era perceber que as narrativas não contemplavam sua realidade. "Os cafés eram na zona sul [do Rio], mas quem pode ir até lá? As histórias eram de mulheres que tinham sido executivas em grandes empresas, tinham viajado o mundo, e eu sentia falta da 'empreendedora raiz', que monta um negócio por necessidade, para pagar o plano de saúde, para pagar uma internet melhor. Eu sentia falta de ver mulheres negras de 50", conta.
Foi então que ela decidiu aliar a sua experiência como empreendedora, tanto no setor do turismo como de educação, e das formações como coach para criar o Empreendendo aos 50. "Eu percebi que existe uma necessidade da mulher negra aprender sobre empreendedorismo, mas com uma linguagem mais acessível", diz.
A ideia, diz, é promover espaços de trocas, mostrando quais estratégias cada uma adota para, por exemplo, conseguir financiamento, comprar suprimento necessário, contratar funcionários e sobreviver aos perrengues do dia a dia.
"Essa mulher precisa ouvir histórias como a dela. Ela chega a um evento cansada porque não dormiu bem, ficou horas no transporte público, está preocupada com a prestação que ela tem que pagar."
Aquilombamento de empreendedoras
O pontapé inicial foi em 13 de março de 2018, um dia antes do assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Meses depois, realizou um encontro com 20 mulheres durante a Feira Preta, em São Paulo. "Nesse momento, ficou nítida a necessidade que a gente [mulheres negras] tinha de se unir. Sem saber, estava fazendo um movimento Black Money, comecei um processo de aquilombamento", conta.
Nesses encontros não se debate apenas as dificuldades comuns às empreendedoras, trata-se de buscar os caminhos, ver as potencialidades desse público e reforçar as redes de apoio que já existem, especialmente na periferia. O grande desafio, segundo Leila, é restabelecer a autoconfiança desse grupo.
"A empreendedora negra de 50 tem uma criatividade imensa, porque aprendeu a empreender a partir da necessidade. Então não vai precisar aprender como fazer, porque já sabe. O serviço dela é muito bom, mas ainda não se enxerga como empreendedora. Então só precisa ser orientada para transformar isso em uma fonte de renda sustentável", afirma.
As mentorias são feitas sempre em grupo, porque a ideia é desconstruir a visão de que o empreendedorismo é algo solitário. Assim, cada uma aprende não só com as orientações de Leila, mas também com as estratégias usadas pelas companheiras.
"Em 2016, eu montei uma sala para dar aula para os meus alunos. Todo mês eu ficava desesperada para chegar o dia 15 e pagar o aluguel. Depois disso, não sobrava dinheiro para mais nada. Foi uma fase difícil", lembra. "Às vezes, ainda hoje desligo o computador e vou para o chuveiro chorar. Então a ideia do projeto é mostrar que não é fácil para mim, mas que dá para ir se formos juntas, porque o aquilombamento de mulheres negras é potente", afirma.
Seis dicas de Leila Gravano
- Seja curiosa: A curiosidade abre o caminho para o novo
- Invista em autoconhecimento: Se puder, busque ajuda profissional para fortalecimento da autoestima
- Cuide da sua energia física e emocional: Não é luxo. Você também merece
- Obedeça o seu tempo: Aja de acordo com o seu ritmo e a sua realidade, e honre sua história
- Não permita que digam que você não pode ou que está "velha" para aprender algo novo
- Observe a sabedoria dos mais velhos e aprenda com os mais jovens
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.