Piloto mais jovem do país, menina de 9 anos quer ser exemplo para mulheres
Aos sete anos de idade, Alice Matos começou a ter contato com um ambiente repleto de capacetes, macacões e luvas e com muito barulho do ronco de motores. Acompanhada de seu pai, fã de motovelocidade, a garota frequentava etapas de diversas categorias do esporte em Belém, onde nasceu, e em outras cidades, como Goiânia e Curitiba. Falante e bastante observadora, logo se tornou a xodó de pilotos e também de familiares que acompanhavam os atletas nesse universo.
A família de Alice, porém, não desconfiava que o encantamento inicial por aquela atmosfera faria a menina revelar que também gostaria de se tornar piloto de motovelocidade. Assim, aos nove anos de idade, celebrados em março passado, Alice se tornou o que todos no meio consideram ser a piloto mais jovem do país.
Sua estreia oficial nas pistas acontecerá no dia 22 de novembro, na etapa de Curitiba do SuperBike Brasil, na categoria Junior Cup, voltada justamente para crianças e adolescentes de 8 a 16 anos. Ela também deve participar da etapa paulistana, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, em 20 de dezembro, quando irá competir também com os garotos. No motociclismo, não há divisão entre meninos e meninas.
Embora não tenha a responsabilidade de conseguir uma boa colocação —a ideia é vivenciar a energia de uma competição—, Alice tem mantido uma rotina digna de uma atleta experiente, respeitando, é claro, o fato de ainda ser uma criança.
"Acordo às 7h e, às 9h, vou para o kartódromo treinar. Quando não vou para lá, faço algum treino físico ou tenho consulta com minha psicóloga, que me ajuda bastante porque sou ansiosa", conta a garota. À tarde, as aulas têm sido virtuais. "Estou na quarta série e adoro educação física e artes. Depois das 17h, eu brinco, assisto televisão e vou dormir às 21h." Entre suas séries favoritas estão "Anne with an E" e "Henry Danger', ambas da Netflix.
O pai dela, Fabricio Matos, 42, tem sido, até o momento, o líder da "equipe Alice Matos", que, além dele, conta com a mãe da menina e uma psicóloga. Neste trabalho, incorpora as funções de chefe da, digamos, escuderia, e de preparador físico -ele começou a estudar educação física para se aprimorar neste quesito.
É Fabricio também quem a motiva emocionalmente, exibindo, por exemplo, filmes e documentários sobre grandes campeões do automobilismo como o brasileiro Ayrton Senna e o austríaco Niki Lauda. Vez ou outra, Alice ganha algum curso e é acompanhada por pilotos profissionais em seus treinos.
Pai virou motorista de aplicativo para que filha virasse pilota
Para fazer tudo o que está ao seu alcance para o desenvolvimento da filha, Fabricio não tem medido esforços. Uma das primeiras decisões que tomou foi se mudar da capital paraense, onde morava, para Curitiba, em dezembro de 2019.
"Embora São Paulo seja o centro do automobilismo, não viveria lá por conta do trânsito e da poluição. Morar em Curitiba é bom, porque, além de ter qualidade de vida, não está tão distante de onde acontecem as principais etapas de motovelocidade no Brasil, concentradas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste", diz ele, que teve de largar uma carreira na área de marketing no norte do país.
Atualmente, o pai de Alice é motorista de aplicativo. A nova função, embora tenha reduzido um pouco a renda mensal da família, permite a ele acompanhar mais de perto a trajetória da filha.
Alice diz que logo se adaptou à capital paranaense: "Lá em Belém, o kartódromo onde eu treinava ficava longe ['uns 80 km', diz seu pai], enquanto o daqui só está a 16 km de casa". E o frio daquela que é considerada a capital mais fria do Brasil? "Melhor o frio congelante daqui do que o calor escaldante de lá", diz a menina. Ela só reclama de uma coisa: "Aqui em Curitiba o pessoal fuma bastante."
Automobilismo é para meninos? Que bobagem
Mãe de Alice, a professora do ensino fundamental Léia Farias, 39, diz que, quando a filha revelou que queria ser piloto, em um primeiro momento, ficou brava com o marido, pois acreditou que, na realidade, isso fosse uma ideia dele. A insatisfação foi tamanha que ela chegou a ficar duas semanas sem falar com parceiro, que logo comprou "uma motinha" para Alice.
Com o passar do tempo, observando o quanto a garota leva a sério o projeto e ciente de que o marido, claro, preza totalmente pela segurança da filha, aceitou a decisão da única herdeira do casal. Seu receio, como a de qualquer outra mãe, é que Alice venha a se machucar.
"A Alice já quis fazer judô, nunca pensei em dizer não, mesmo sabendo que há quem pense que esse esporte e também o automobilismo sejam considerados masculinos. Para mim, isto é uma bobagem. Sou totalmente a favor de que a menina tenha o direito de fazer o que deseja. A Alice já recebeu amigos aqui em casa para brincar de boneca", conta Léia.
"Clube da Alice"
Além de ser a mais nova nos kartódromos, Alice é geralmente a única menina durante os treinos que realiza em Curitiba. Se, quando a veem na pista, ninguém sabe que se trata de uma garota pilotando, quando ela tira o capacete, a surpresa é geral.
Nas redes sociais da menina, sobretudo em seu perfil no Instagram, administrado pelo pai, há fotos de Alice em cima da moto, em sessões de treino e em pistas de corrida. Em tempo: a conta @alicematos11, que até então era abastecida com informações sobre a piloto, deixou de ser atualizada no dia 10 de novembro. O perfil oficial dela passou a ser o @pilotoalicematos11.
"Recebo muitas mensagens de outras mulheres me elogiando e de várias crianças que perguntam como eu subo e desço das motos. É bem legal e sei que acabo sendo um exemplo", conta Alice, já ciente da importância da representatividade e da relevância de ocupar espaços até então dominados pelos homens, como pontua sua mãe.
De acordo com dados de 2020 da Confederação Brasileira de Motociclismo, dos 421 pilotos habilitados a participar de campeonatos no Brasil, há apenas 36 mulheres, ou seja, 8,5% do total.
Atualmente, Alice conta com o apoio de uma empresa que tem cedido macacões, luvas e outros acessórios a ela, uma das embaixadoras da marca. Mas falta, ainda, um patrocinador.
Segundo Fabricio, o custo mensal médio de uma atleta na idade e categoria de Alice é de R$ 4.200, valor necessário para gastos como o aluguel de kartódromos para a prática esportiva e o combustível da moto.
Para adquirir uma nova moto de treino -Alice pratica em uma de 50 cc, considerada fraca, e em uma maior, a de seu pai, de 320 cc—, a garota, seus pais e a empresa Texx Brasil abriram uma rifa, cujo valor arrecadado será utilizado na compra de uma 160 cc, considerada ideal para esse momento da carreira da garota.
"Criamos também uma espécie de Clube da Alice, por meio do qual apoiadores doam cerca de R$ 50 para o desenvolvimento dela na motovelocidade", diz Fabricio. Em tempo: com 1,33 metro de altura, ela precisa da ajuda do pai para subir e parar a moto maior.
Fã da espanhola Ana Carrasco, que, aos 21 anos, tornou-se a primeira mulher a conquistar um título mundial de motociclismo -no caso, na SuperSport 300, categoria de entrada do Campeonato Mundial de Superbike-, e de Marc Márquez, também espanhol, detentor de seis títulos da MotoGP, principal categoria do motociclismo, Alice, que adora ouvir o rapper Eminem, também sonha em levar para casa o troféu de campeã mundial do Superbike.
E, como toda criança, almeja outros objetivos também. "Além de ser médica, quero viver em Nova York. Sei lá, aquela cidade parece ser um bom lugar para morar."
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