"Ouço choro das crianças implorando por ventilador", diz moradora de Macapá
"Eu trocaria qualquer coisa para ter energia elétrica de noite e dormir em paz", desabafa a nutricionista Viviane Bittencourt, 27. Ela é parte dos cidadãos do Amapá que vivem há quase duas semanas em regime de rodízio de fornecimento de energia depois de longos dias de apagão.
Universa conversou por telefone com Viviane sobre o apagão e seu cotidiano depois do racionamento. Preocupada com uma possível queda na energia durante a entrevista -e com a voz aparentando cansaço-, ela conta que só percebeu a dimensão do problema dois dias depois do apagão, ao ver filas imensas por todos os lados.
A nutricionista mora com o marido Miguel Júnior, 33, na periferia da capital, no bairro Brasil Novo, e se alterna entre a casa dela e a dos pais conforme o cronograma do rodízio no fornecimento de energia . A seguir, ela relata como tem sido seus dias desde o apagão, que teve início no dia 3 de novembro:
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"Depois de um longo período de seca e queimadas, na noite de terça-feira [3] choveu forte e muitos trovões tomaram o céu. Lembro que meu marido até brincou: 'Será que o mundo vai acabar hoje?'. Em torno da meia-noite, eu já estava na cama preparada para dormir e a energia caiu.
Mesmo depois de receber por WhatsApp uma foto mostrando que uma subestação [instalação elétrica de alta potência com equipamentos para distribuição de energia elétrica] pegava fogo, não dei muita atenção e fomos dormir. Em Macapá, somos acostumados com a falta de energia. Há poucas semanas, por exemplo, houve um apagão de madrugada, e a energia só voltou às 16h do dia seguinte.
Ao acordar, percebi que nossos celulares estavam descarregados e, por isso, ficamos sem comunicação. De tarde, a energia elétrica não voltou, e eu não fui trabalhar. No dia seguinte, fui dar uma volta na região para ter mais informações, e me assustei quando vi as filas quilométricas nos postos de gasolina, bancos e supermercados. Além disso, enquanto as pessoas brigavam por velas, gelo e água, os estabelecimentos comerciais dobraram o valor desses produtos.
Na fila do banco para sacar dinheiro, conversei com uma mulher que me alertou para o pior. Ela disse: 'Olha, pelo que entendi, vamos viver essa situação por mais de 15 dias'. Foi depois de ouvi-la que a minha ficha caiu, e eu fiquei desesperada, pensei nos meus pais, e em como iríamos viver em uma cidade com alta temperatura [com médias de temperatura máxima acima de 32ºC nesta época] como Macapá sem água e energia.
Cheguei em casa, conversei com meu marido e decidimos ir para a casa da minha mãe. Só me tranquilizei quando cheguei lá e vi que ela e meus irmãos estavam bem. De quinta (5) a sábado (7), ficamos eu, meu marido, minha mãe, meu padrasto, e meus dois irmãos na mesma casa. Dormimos em redes no pátio, e a água da chuva, armazenada em uma piscina de plástico, foi utilizada para tomar banho, lavar a louça e limpar a casa. Para cozinhar, usamos a água da caixa e, para que não estragassem, preparamos todos os peixes, carnes e frangos.
No sábado [7], começou o racionamento e, desde então, eu trocaria qualquer coisa para ter energia elétrica de noite e dormir em paz. É insuportável. Por estarmos na Amazônia, o calor é úmido e os carapanãs [pernilongos], azucrinam incessantemente, e eu acordo o tempo todo. Há regiões do Brasil em que ar-condicionado é artigo de luxo, mas aqui no Amapá, é questão de sobrevivência.
Desde o primeiro dia, o rodízio não funciona como o comunicado pela empresa. Na sexta [13], por exemplo, a previsão era de que, na minha casa, a energia fosse desligada às 18h, enquanto a do meu pai, no bairro Renascer, seria religada nesse horário. Cheguei lá às 19h, e também estavam sem, e foi assim durante toda madrugada.
Converso com colegas de trabalho e percebo que essa realidade é a de muita gente, e os dias se resumem em esperar a energia elétrica. Quando nos intervalos com energia, coloco o celular e o ventilador à bateria para carregarem, ligo a bomba para encher a caixa d'água e coloco as roupas na máquina de lavar.
A geladeira e o bebedouro decidimos não utilizar mais, não adianta colocar comida para conservar ou tentar gelar a água, já que o intervalo não é suficiente para conservar nada. E, para nos alimentar, decidimos comprar os alimentos perecíveis, como carnes e legumes, no mesmo dia de consumo.
Tem sido muito exaustivo, há dias em que a energia volta e eu não tenho disposição de limpar a casa ou sair para trabalhar. Pelo contrário, quero ficar o tempo todo descansando.
E, assim como eu, outras pessoas estão exaustas. Há pais que deixam de dormir para, numa tentativa frustrada de conforto, abanar os filhos para espantar os carapanãs. As casas são próximas umas das outras, e ouço choro das crianças à noite implorando por ventilador. Você imagina a angústia desses pais?"
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