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Primeira vereadora trans eleita em Niterói: "Há espaço para nossas vozes"

Benny Briolly, 29, é a primeira pessoa trans eleita no estado do Rio  - Arquivo pessoal
Benny Briolly, 29, é a primeira pessoa trans eleita no estado do Rio Imagem: Arquivo pessoal

Fabiana Batista

Colaboração para Universa

19/11/2020 04h00

Estreante no legislativo, mas não na vida política, Benny Briolly, 29, fez história como uma das primeiras trans eleitas para o cargo de vereadora no estado do Rio, no último domingo (15). Foi também a mulher mais votada para a Câmara da sua cidade, Niterói: ficou em quinto lugar, com 4.367 votos.

Nascida em Niterói, a representante do PSOL morou em comunidades do bairro do Fonseca e começou a participar do movimento LGBT ainda na escola. Eleita, pretende lutar por isenção fiscal para empresas que contratarem pessoas trans.

Durante uma conversa com Universa, Benny reconhece que sua eleição é histórica, mas que o mandato não será fácil: "Terei que trabalhar o dobro dos outros 20 parlamentares para cumprir a mesma tarefa". Também falou sobre sua adolescência e como uma situação com a mãe a motivou a entrar para a política. Leia trechos da entrevista:

Como foi a sua infância?

Sou de uma família evangélica tradicional e, apesar dos embates na adolescência, depois de muito diálogo sobre o que representa o meu corpo, hoje tenho uma relação boa com eles. A minha infância foi marcada pela intolerância religiosa e, na rua, esse preconceito era ainda maior. Comecei a trabalhar em lojas com 13 anos e sofria opressões por parte dos clientes.

Que tipo de opressão?

Uma vez, um homem me viu e disse: "Não quero que essa bichinha pão com ovo me atenda". A situação me marcou muito, principalmente porque me recordo de olhar para os outros funcionários e ver que, apesar de haver outros LGBTs, eles não eram tratados dessa forma por serem brancos e de classe média. Ali, entendi que ser LGBT e moradora de favela me exporia ainda mais à violência, pois também sou oprimida pela minha cor e classe social.

Quais foram as suas motivações para entrar na política?

Perdi minha mãe aos 15 anos, e essa história faz parte das minhas motivações para me envolver na militância. Quatro anos antes, ela foi diagnosticada com câncer. E nós não conseguimos vaga em hospitais para o tratamento. A vaga só ficou disponível quando ela estava em estado terminal, e o médico explicou para a minha avó que já não havia mais nada a fazer.

Na época, fiquei me questionando muito sobre aquilo: "Por que não conseguimos uma vaga antes?" Senti raiva e passei a questionar tudo à minha volta. Conheci os movimentos LGBT, da favela e negro da cidade e compreendi que aqueles eram lugares para transformar meu ódio em mudança. Em 2013, me filiei ao PSOL e passei a participar de seus espaços. Três anos, depois fui convidada para o mandato da Taliria Petrone [ex-vereadora de Niterói, hoje deputada federal pelo PSOL] e fui a primeira assessora trans na câmara da cidade. Quando ela foi eleita deputada federal, também compus sua equipe. Agora, sou a primeira mulher travesti eleita no estado do Rio [junto com a candidata Kará, eleita em Natividade (RJ)].

Como vê esse ineditismo da sua conquista?

É histórico e sei que também de muita responsabilidade. Não será fácil. Por ser travesti, terei que trabalhar o dobro dos outros 20 parlamentares para cumprir a mesma tarefa.

Sua campanha foi permeada de ameaças e ataques. Inclusive, em um deles, a pessoa citou o acusado de assassinar Marielle Franco. Qual a situação que mais marcou você?

Eu tive medo do que esses ataques poderiam se tornar fora do mundo virtual. Uma das situações que mais me marcou foi quando, ao sair de um estabelecimento comercial em Icaraí [bairro de Niterói], uma senhora branca cuspiu em mim e disse: "Você é um excremento. Essa besta não pode ser eleita". Aquela situação me causou desconforto e percebi ali que, no país que mais assassina transexuais e travestis, quanto mais o meu corpo ganhar visibilidade mais ameaça e violência eu vou sofrer.

benny - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Benny Brioli
Imagem: Arquivo pessoal

Muitas cidades, inclusive capitais, elegeram só agora suas primeiras vereadoras negras. Estamos avançando ou ainda estamos muito atrasados?

Somos um país muito atrasado no que diz respeito às políticas de garantia de direitos para pessoas negras. No entanto, esse processo eleitoral nos mostrou o quanto se faz necessário o diálogo com essa população para as concretizarmos. Termos 15 mulheres travestis eleitas também nos mostra que há espaço para as nossas vozes.

Como espera que seja a recepção dos colegas? Que tipo de entraves acha que vai encontrar?

Pretendo ter diálogo com os vereadores que quiserem conversar. Sobretudo para que os direitos humanos e os da classe trabalhadora possam ser ampliados e assegurados. Vou encontrar todos [os entraves], principalmente nas questões que permeiam o meu corpo, pois sei que ele não é bem-vindo na Câmara.

O que pretende fazer pelas pessoas trans? Que outras pautas irá defender?

O eixo central é que o direito à cidade, em questões como educação, saúde, moradia e assistência, seja implementado para as populações negra, LGBT, feminina e da favela. E vamos defender que as políticas socioeconômicas da cidade sejam construídas para diminuir a desigualdade social, especialmente em relação à população LGBT. Para a população trans, o foco será no tema da empregabilidade e renda. Quero criar leis que tenham como consequência emprego para essa população. Uma delas é a implementação de isenção fiscal para empresas que as contratem.

Segundo a teoria da massa crítica, para um grupo ter voz, precisaria estar presente em um percentual mínimo de 30%. Você acha que vai conseguir ser ouvida e emplacar suas pautas estando em minoria?

Historicamente, sou silenciada. Não me iludo que neste espaço eu seja ouvida. No entanto, quero fazer, na minha voz, a representação de uma população que é esquecida nas madrugadas de Niterói.

Por que você se classifica como travesti?

Ser travesti e mulher trans é a mesma coisa. Mas o termo travesti é socialmente construído como pejorativo. Ou seja, se autoafirmar como travesti é uma forma revolucionária de subverter esse imaginário e reconhecer aquelas que estão à margem da sociedade.