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"Fui vítima de racismo pelo meu cabelo e tomei coragem para denunciar"

A estudante de pedagogia Sarah Silva - Arquivo pessoal
A estudante de pedagogia Sarah Silva Imagem: Arquivo pessoal

Sarah Silva em depoimento a Simone Machado

Colaboração para Universa

23/11/2020 04h00

"O racismo começa muito antes de nós entendermos o que é isso. Desde pequena, eu já vivenciava situações que hoje eu entendo que eram preconceituosas.

Agora, aos 20 anos, como estudante de pedagogia, fui vítima de um episódio de racismo em um bar em Goiânia. O dono do estabelecimento falou, em tom de deboche, que foi "ver se era gente ou se era uma raposa" na minha cabeça, referindo-se ao meu cabelo crespo. Procurei a polícia para denunciar o caso e também usei as redes sociais para expor o preconceito que sofri.

O episódio do bar não foi o primeiro episódio de racismo que sofri, mas foi o primeiro que eu tive coragem de encarar, enfrentar e denunciar.

Naquele dia, me senti anulada como ser humano. É uma ferida que se abre e não cicatriza tão fácil. Cada vez que lembro ou falo da situação é uma dor imensa. Mas, mesmo com essa dor, eu preciso reagir, ser forte por mim, pelo meu irmão e também por outros negros que sofrem essas violências diárias e gratuitas. Aliás, isso somente quem é negro vai entender.

Esse foi um episódio que eu resolvi expor nas redes sociais porque me doeu muito, mas, antes dele, muitos outros aconteceram. E eu não diria que saí mais fortalecida, saí ferida, porém com mais coragem.

"Ela não avaliou o meu serviço, e sim a minha cor"

sarah - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A estudante de pedagogia Sarah Silva
Imagem: Arquivo pessoal

Dois meses antes, eu havia passado por outra situação de racismo e me calei. Na ocasião, fui chamada por um amigo para fazer um bico como garçonete em uma pizzaria durante uma noite. Cheguei no horário combinado e comecei a trabalhar servindo os clientes.

Duas horas mais tarde, a dona do estabelecimento chegou, me viu e, em seguida, pediu para meu amigo me dispensar. Ela alegou que não precisaria mais do serviço, mas a realidade era que ela não queria uma pessoa negra trabalhando no estabelecimento. Fui para casa me sentindo muito mal. Ela não avaliou o meu serviço, e sim a minha cor.

Foi por estar cansada de situações como essa, em que as pessoas nos anulam como seres humanos e não olham para a nossa capacidade, apenas para a cor da nossa pele, que eu usei as redes sociais para desabafar.

"Não me enquadrava no que diziam que era bonito"

Comecei a entender o que era racismo ainda pequena. Quando eu tinha uns dez anos, lembro que fiquei toda feliz porque passei um esmalte branco na unha. Mas o que eu mais ouvi das pessoas era que eu não poderia usar aquela cor de esmalte porque ela era feia para mim, já que minha pele era preta. Na época, eu não entendi bem o que isso significava, mas fiquei triste e acabei tirando aquela cor.

Essa foi apenas uma situação. Na escola, sempre me senti feia por ser 'diferente' das outras meninas. Eu não tinha cabelos lisos nem pele clara. Não parecia em nada com as bonecas que eram vendidas nas lojas. Eu via que não me enquadrava no que as pessoas diziam que era bonito. E, por isso, eu me chateava, me escondia e me ofuscava. Não conseguia enxergar que eu também era bonita.

Apenas com 16 anos, comecei a me aceitar. Percebi que não tinha nenhum tipo de diferença entre eu e as outras meninas. Meu cabelo era bonito sendo crespo e armado, e minha pele negra também era muito bonita.

A partir daí, comecei a me valorizar, usar roupas que eu achava bonitas e as cores de que eu gostava. Enfim, passei a me enxergar como mulher e a me valorizar exatamente como eu era. Aquela era a minha beleza.

"Tenho a minha beleza e parei de me importar com os outros"

Ao me descobrir como mulher e perceber que tenho a minha beleza e o meu espaço deve ser respeitado, confesso que fiquei ainda mais vaidosa.

Gosto de usar roupas que valorizam o meu corpo, não me importo com o que dizem em relação a cores. Porque o que mais ouvimos é que negras não podem usar roupas coloridas porque chamam muito a atenção. Mas eu uso o que me faz bem.

E o meu cabelo? Eu amo ele assim: crespo. Não gosto muito de cachos, prefiro ele armado mesmo. E, para deixá-lo assim, tenho todo um cuidado.

Parei de me importar com opiniões alheias. E passei a gostar de mim."