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Voluntária da CoronaVac: "Falam que estou louca, mas me sinto muito segura"

Francini Gomes é voluntária nos estudos da CoronaVac em Barretos, interior de SP - Arquivo pessoal
Francini Gomes é voluntária nos estudos da CoronaVac em Barretos, interior de SP Imagem: Arquivo pessoal

Camila Brandalise

De Universa

26/11/2020 04h00

"Estou muito bravo com você", ouviu do pai a tecnóloga em radiologia Francini Michelli Vieira Mendes Gomes, 24, quando contou que já havia recebido a primeira dose da CoronaVac como voluntária, em Barretos, a cerca de 400 km da capital paulista. A vacina, desenvolvida pelo Instituto Butantan e pela farmacêutica chinesa Sinovac Life Science, em parceria com o governo do estado de São Paulo, está na fase final, segundo o Butantan. Neste mês, o estudo foi suspenso após a morte de um voluntário, e a retomada foi autorizada menos de dois dias depois.

"Meu pai veio dizer que morreu um médico que estava participando do estudo e, na verdade, a morte foi registrada como suicídio", diz Francini. "Vivem me dizendo: 'Nossa, você está louca. Esse negócio da China, de onde veio o vírus'. Eu tento explicar com calma que é uma pesquisa séria, que sei dos riscos e estou sendo monitorada diariamente. Sinto muita segurança, desde o começo."

"Como é ser a escolhida de Deus?"

Mas assim como há muitos comentários de pessoas demonstrando medo e receio, Francini conta que outros pessoas, que acreditam na ciência, dão força e agradecem por ela ser voluntária. "Também tem muita brincadeira. Postei em um grupo do Facebook do qual faço parte e o pessoal ficou perguntando como é ser a escolhida de Deus", conta, rindo.

Ela soube por um colega enfermeiro que em sua cidade, Barretos, estavam convocando profissionais da saúde — único público que pode participar dos estudos da CoronaVac —, para se tornarem voluntários. Na época, começo de outubro, os participantes não chegavam a 7.000, e o objetivo é de atingir 13 mil vacinados em todo o estado.

"Quis participar não por mim, mas porque é uma necessidade, para podermos tentar voltar à vida normal. Eu já gosto de cuidar do próximo, é parte da minha profissão, então quis fazer parte."

Febre? Náusea? Diarreia? Anota no diário

diário do participante dos estudos da CoronaVac - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Capa do diário dos voluntários nos estudos da Coronavac
Imagem: Arquivo pessoal

A primeira dose foi recebida no dia 14 de outubro, logo no primeiro contato com a equipe que realiza os estudos da CoronaVac. "Me explicaram como funcionaria, me passaram várias informações sobre efeitos colaterais, como seria o acompanhamento. Eu assinei os termos do voluntariado e aplicaram essa primeira dose, que só saberei daqui a seis meses se é a vacina ou se é placebo [substância sem efeito]", conta.

São duas doses no total. Duas vezes por semana, ela recebe mensagens por Whatsapp ou ligações da equipe perguntando como está. "E há um número de telefone para atendimento 24 horas. Reforçam que, se tiver qualquer necessidade ou problema, posso entrar em contato."

Além disso, ela deve preencher um diário, onde coloca sua temperatura do dia e anota qualquer tipo de reação ou sintoma, como dor de cabeça, febre, náusea e diarreia. Até agora, Francini conta que não sentiu nada de diferente, "nem um carocinho" na área do braço onde a agulha espetou a pele.

Diário estudo Coronavac - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
No caderno entregue aos participantes, é preciso colocar informações sobre temperatura e sintomas
Imagem: Arquivo pessoal


Vacinada, ela enfrentou a Covid

Não houve nenhuma restrição imposta aos voluntários por parte da equipe nem pedidos para mudar algo na rotina. Então, Francini continua seguindo seu dia a dia e vai trabalhar diariamente em um hospital de Barretos. Toma todas as precauções necessárias, luva, distanciamento, higiene constante das mãos - mesmo assim, foi contaminada e teve Covid-19 no final de setembro.

A namorada, a mãe, a irmã e o namorado da irmã também testaram positivo. Mas todos tiveram sintomas leves, como os de uma gripe comum. "Eu ia todo dia em um lugar que tinha pessoas positivadas para Covid-19, não tinha muito o que fazer. Apesar de me cuidar, acabei pegando."


Segunda dose foi adiada após morte de voluntário

A CoronaVac existe vacinação em duas etapas. Francini conta que a segunda dose deveria ter sido aplicada no dia 10 de novembro. Mas na data recebeu uma mensagem de um integrante da equipe de pesquisas dizendo que a aplicação havia sido adiada após a morte de um voluntário.

O estudo só voltou ao normal no dia 13 de novembro. "A morte desse voluntário deu muita repercussão. Não julgo quem tem medo, mas vejo que muitas pessoas não se informam sobre o que está acontecendo", afirma.

"Acho isso que está muito associado com política, acreditam no político que gostam e vão atrás. Não estão nem aí para artigos científicos totalmente seguros. Eu estou tranquila. Se hoje tem vacina de H1N1 é porque alguém foi voluntário de um estudo. Fico feliz em fazer parte de algo que vai ajudar todo o mundo."