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Avançamos, mas ter 84% dos vereadores homens é inadmissível, diz autora

Nara Bueno e Lopes - Divulgação
Nara Bueno e Lopes Imagem: Divulgação

Waleska Borges

Colaboração para Universa

30/11/2020 04h00

Passado o segundo turno das eleições municipais, o raio-X eleitoral mostra que a representatividade das mulheres na política ainda é muito tímida. A afirmação é da advogada Nara Bueno e Lopes, 35, especializada em Direito e Processo Eleitoral pela UFG (Universidade Federal de Goiás), com atuação em campanhas eleitorais em Goiás e nos Tribunais Superiores.

Entusiasta da paridade democrática entre gêneros, a advogada avalia que a desigualdade na participação política reflete diretamente na definição das leis e políticas às quais as mulheres são submetidas. Os resultados podem ser vistos nos menores salários, nos direitos trabalhistas, no acesso à saúde, à educação formal, na segurança pública e nas políticas de esterilização e aborto.

Para ajudar as mulheres que pretendem se lançar na ocupação de espaços da política formal e também aquelas que já estão no exercício desses cargos, Lopes escreveu o livro "Pequeno Manual das Mulheres no Poder" (ed. Matrioska). O guia prático, que teve um primeiro lançamento em outubro, será relançado na 1ª Bienal Virtual do Livro de São Paulo no próximo dia 9.

Leia a seguir trechos da conversa de Universa com a advogada:

UNIVERSA: Dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que foram eleitas neste ano 651 prefeitas (12%), contra 4.750 prefeitos (88%). Já para as câmaras municipais, foram 9.196 vereadoras eleitas (16%), contra 48.265 vereadores (84%). Como você avalia esses resultados?

NARA: Tivemos um recorde de candidaturas femininas que foi celebrado pelo grande público. Quando vamos avaliar, esse grande recorde é 33,6% [de candidatas mulheres], ainda muito tímido. Se a obrigatoriedade é de 30% para mulheres (cota nas eleições proporcionais a ser cumprida por cada partido), a gente tem muito a caminhar. Não ignoro que houve um avanço muito grande, estamos sim ocupando os espaços públicos na política institucionalizada, mas temos muito a caminhar porque a maioria de 84% de homens eleitos [para as Câmaras municipais] é inadmissível diante da nossa situação demográfica -porque nós somos mais de 52% da população brasileira.

Na sua opinião, qual o motivo para baixa representação feminina na política brasileira ainda hoje?

Não temos um único motivo, temos vários. Há várias barreiras invisíveis. Elas estão ali desde a formação dos partidos políticos, a misoginia estrutural partidária, que impede a mulher de ser uma dirigente com decisões no partido político, a ausência dos recursos financeiros. É um complexo de coisas, desde a nossa cultura, que é machista, mas também perpassa os financiamentos de campanha.

A média de salários das mulheres é menor do que dos homens. Por outro lado, nossa média demográfica é de que nós, mulheres, além de maioria na população, somos em maioria negra e pobre, arrimo família monoparental. Como ela vai tirar dinheiro para competir na política? Os recursos financeiros públicos não chegam a essas candidatas porque existe aí outra barreira invisível que são os dirigentes partidários. Eles são homens, brancos, de meia idade e ricos, que não reservam dinheiro para mulheres negras e pobres competirem na eleição.

Houve campanhas para incentivar o voto em mulheres nestas eleições. Você avalia que houve efeito?

Sim, teve uma campanha institucional inédita do próprio TSE, além dos tribunais regionais eleitorais. As campanhas foram para incentivar não o voto direto em mulher, mas pedir que fossem analisadas as candidatas femininas. Fazendo uma abertura cultural, a questão de disputa de mulheres, que vai muito além da legislação eleitoral. Isso sinaliza essa nova realidade de inclusão de mulheres, o que é muito importante. Não à toa estamos vendo pequenos pontos de acréscimo nas candidatas eleitas, um passo para frente por conta dessas campanhas institucionais que ocorreram nas últimas eleições.

O que te levou a escrever o livro "Pequeno Manual das Mulheres no Poder"?

A necessidade que vi da falta de formação política das mulheres interessadas em disputarem cargos e irem para essa esfera pública de discussão política. Muitas vezes, elas não têm uma referência básica do que seria isso. Uma coisa que me incomodou sempre e, cada vez mais, minha pesquisa acadêmica é sobre isso, é que as mulheres mais votadas no país são conservadoras. E, muitas vezes, as próprias pautas delas não são em benefício das mulheres.

Temos mulheres eleitas e não eleitas que adotam discursos masculinos e machistas. Então, pensei em fazer um manual com uma linguagem muito simples, como se fosse uma conversa de amigas, ou de um aluno e uma professora, entre mulheres comuns. É uma linguagem acessível, sem juridiquês, fazendo com que todas as mulheres interessadas em política dispusessem de ferramentas e de discursos conscientes.

O que as novatas devem saber e o que as mais experientes devem considerar antes de cogitar se candidatar?

Para novata que quer entrar na politica, ela deve procurar um partido. E saber como ele funciona em relação às minorias políticas. Como ele se comporta, como vota nas grandes questões brasileiras e nas questões que afetam as mulheres. As experientes devem ter consciência de gênero. As posturas públicas adotadas por ela vão impactar na vida de outras mulheres. O segundo ponto é: busque ser dirigente partidário.

Quais são os efeitos para as próprias mulheres de uma baixa presença das mulheres na política?

Quando a gente tem um Congresso Nacional ou uma Câmara de Deputados, uma Assembleia Legislativa, uma Câmara de Vereadores, ou cargos da chefia do Executivo masculinas, temos aí decisões de políticas públicas todas tomadas pelo mesmo viés, que é do homem branco, de meia idade. Assim, temos a desconsideração de toda pluralidade, de toda mensagem que seja de raça, classe, gênero, orientação sexual etc. Diante disso, temos a diminuição da democracia em si e o empobrecimento da pauta coletiva. Com isso, o nosso povo não é representado como deveria.

O que ainda precisa ser feito para mudar essa realidade?

Não é uma solução instantânea. Dentre elas, dar mais espaço às mulheres, ter mais financiamento para elas. Os recursos financeiros trazem participação na política. As mulheres têm que ter mais acesso a recursos financeiros para participar mais, ter mais formação. Tomar conhecimento e fazer. O conhecimento pode ser acadêmico, através de leituras, mas pode ser entre amigas - todas essas construções pequeninas do nosso cotidiano são necessárias para fazermos essa ocupação de espaço público. A educação é uma ferramenta essencial para termos gerações com visões diferentes, inclusive com visões mais inclusivas e conscientes.