Assédio sexual: o que é, como comprovar o crime e onde denunciar
Camila Brandalise
De Universa
04/12/2020 15h24
Apesar de a palavra assédio ser usada para diferentes situações de violência contra mulheres, pela lei, o assédio sexual só existe se houver uma diferença hierárquica entre agressor e vítima. É o caso, por exemplo, de um chefe que constrange uma funcionária a dormir com ele sob ameaça de ela perder o emprego.
Veja, abaixo, o que significa exatamente esse tipo de crime e como ele se diferencia de outras agressões contra mulheres, além de orientações sobre coleta de provas e de como denunciar.
O que é assédio sexual?
Segundo a lei, o assédio sexual é um tipo de crime que consiste em constranger alguém para obter "favorecimento sexual" usando a condição de superior hierárquico. Pode ser uma atitude física, como a tentativa de um beijo, um comentário insistente, como um convite para uma carona, ou até um gesto que cause constrangimento na outra pessoa e viole sua liberdade sexual.
"O exemplo clássico é a exigência de um chefe à empregada de que se relacionem sexualmente, sob pena de demissão, caso a vítima se recuse", explica a promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, do MPPR (Ministério Público do Paraná), coautora do livro "Crimes Contra Mulheres".
O termo foi cunhado pela primeira vez nos anos 1970, nos Estados Unidos, pelos movimentos feministas do país. Existe na legislação brasileira desde 2001, no artigo 216A do Código Penal. Em 80% dos casos, a vítima é mulher, segundo uma pesquisa feita pelo site Vagas.com, um dos maiores portais brasileiros de empregos.
"O assédio sempre tem a ver com a relação de ascendência, de alguém que está acima da vítima. Nesse caso, a pessoa tira proveito da sua função superior para fazer com que o outro aceite o que ela quer", explica a advogada criminalista Maira Pinheiro, especialista em questões relacionadas à violência de gênero.
Na maioria das vezes, os casos que chegam à Justiça dizem respeito a situações ocorridas no ambiente de trabalho. Os casos podem ser de chantagem ou de intimidação, de acordo com o MPT (Ministério Público do Trabalho). No primeiro, há a exigência de uma conduta sexual para evitar prejuízo. No segundo, há provocações inoportunas, com o efeito de prejudicar a atuação da pessoa, ofendê-la, intimidá-la e humilhá-la.
"Mas também pode ser de professor contra aluna, de profissional de saúde contra paciente e até pastor contra o fiel que congrega na igreja", afirma Maira.
A pena é de um a dois anos de detenção.
Que atos configuram assédio sexual?
Tentativas de beijos, toques indesejados, comentários, mensagens e gestos com conotação sexual, convites insistentes para carona ou para saírem juntos, quando envolvem diferença hierárquica e constrangimento da vítima, caracterizam assédio.
Podem estar acompanhadas de insinuações para a pessoa entender que, se quiser subir na empresa ou manter seu emprego, deve ceder às investidas de seu superior. Isso pode acontecer de maneira direta, em que há uma ameaça verbal, ou indireta, por exemplo, quando a vítima passa a ser "boicotada" no trabalho após negar ou reclamar de alguma atitude.
Mas, em muitos casos, a ameaça aparece de forma velada. "Mas, de alguma maneira, o chefe deixa implícito que a pessoa vai ter prejuízo se disser não", explica a procuradora Ana Lúcia Stumpf González, da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT.
Qual a diferença entre assédio e paquera?
Ana Lucia responde aos comentários de quem diz que "agora, tudo é assédio" explicando sobre reciprocidade. "Se você olha e a pessoa olha de volta, se faz um comentário e ela responde, é normal. Relações afetivas são comuns no trabalho", diz.
"Mas se você olha e o outro abaixa a cabeça, se faz um comentário e o outro fica sem graça, mas mesmo assim insiste e no outro dia faz de novo, e a pessoa ainda não está mostrando interesse, aí já estamos no campo do assédio."
As diferenças entre assédio, importunação sexual e estupro
Maira afirma que, para uma denúncia se configurar como assédio, é preciso ter as condições de diferença hierárquica entre agressor e vítima.
Se não houver essa relação entre as duas pessoas, o caso pode ser o de importunação sexual, que é a prática de "ato libidinoso" — de novo, aqui, significa qualquer interação de caráter sexual, desde uma "passada de mão" ao toque em genitais — sem a anuência da outra pessoa. Importunação sexual é o que muitas mulheres sofrem no transporte público, por exemplo.
"No assédio sexual, tem um constrangimento a aceitar certas coisas, e, na importunação, tem a prática direta de um ato sem o consentimento. São crimes diferentes", explica a advogada, que fala da diferença de pena: enquanto no primeiro caso é de um a dois anos de prisão, no segundo é de um a cinco.
Mas, se houver algum tipo de violência, o crime é outro: estupro. "Pode acontecer se o chefe usar a força física para impedir a capacidade de resistência da vítima, ou mesmo ameaçar praticar algum tipo de dano contra ela caso ela resista."
A lei fala em estupro quando há "violência ou grave ameaça", o que existe nesse caso. "A situação de contenção física, ou uso da força como meio de neutralizar a capacidade de resistência da vítima, é uma violência real, e não é necessário que a gente tenha lesão corporal para que isso seja caracterizado", diz Maira.
Como e onde a mulher pode denunciar
A advogada diz que, no geral, a orientação é fazer uma denúncia formal antes de comunicar o caso à empresa. "Pode ser tanto na delegacia registrando um boletim de ocorrência ou procurando o Ministério Público, por meio do que se chama de 'notícia de fato', quanto por meio de advogado, com a elaboração de notícia crime endereçada à polícia ou ao MP", afirma.
O Ministério Público do Trabalho, salienta Ana Lúcia, tem um canal direto de denúncias de assédio sexual pelos quais a vítima pode, inclusive, pedir que seus dados fiquem em sigilo e a empresa não saberá a autoria da queixa. O contato pode ser feito pelo site, por meio do aplicativo Pardal MPT, por telefone ou pessoalmente. Depois disso, ficará a cargo do MPT abrir um processo para averiguar a situação.
Para a promotora de Justiça Silvia Chakian, do MPSP (Ministério Público de São Paulo), e autora do livro "A Construção dos Direitos das Mulheres", deve ser feito um trabalho de conscientização dentro das empresas, abrangendo todos os funcionários. "É importante que fazer com que todos assumam uma postura colaborativa na busca por um ambiente de trabalho saudável", afirma.
Como a vítima pode reunir provas para denunciar
Maira explica que apesar de provas de crimes sexuais serem mais difíceis de ser colhidas, uma vez que na maioria das vezes são praticados às escondidas, sem testemunhas diretas, é importante saber que, para a jurisprudência brasileira, quando relato da vítima é somado a algum elemento externo já deve ser entendido como comprovação suficiente para uma condenação.
Nesse caso, não é preciso uma imagem ou alguém que tenha visto o que aconteceu. "As provas podem ser posteriores, por exemplo, com um laudo sobre o impacto emocional na vítima. Ou então uma testemunha com quem ela tenha conversado imediatamente após o ocorrido" diz.
"Além disso, usar o celular como meio de produção de provas é essencial. No contexto do trabalho, como vai permanecer na presença do agressor, [pode-se] manter o aparelho pronto para começar uma gravação. Também pode usar aplicativos de gravação de conversas telefônicas e printar todas as mensagens recebidas. Essas informações devem ser guardadas em uma nuvem de acesso mediante senha, para que as provas não sumam caso a vítima perca o celular."
O impacto do assédio sexual para a mulher
"Qualquer crime sexual gera efeitos devastadores em suas vítimas, por restarem lesões psíquicas", afirma a promotora Mariana Bazzo. "No caso específico, essa invasão ou violação da dignidade sexual também traz insegurança no sentido de inibir o bom desempenho profissional de quem foi coagida."
Como explica a também promotora Silvia Chakian, estudos e pesquisas na área mostram que o assédio é causador de diferentes impactos negativos nas vítimas. "Incluindo transtornos de ansiedade, depressão, perda ou ganho de peso, dores de cabeça, estresse e distúrbios do sono", lista. "Isso sem contar a queda de rendimento profissional e a dificuldade de desenvolver plenamente seu potencial de trabalho. É o que denominamos de custo social e econômico da violência contra a mulher."