Caso Marcius Melhem: para que serve e como usar o compliance de uma empresa
Disposta a denunciar o assédio moral e sexual que vinha sofrendo do então chefe, o ex-diretor da Globo Marcius Melhem, a atriz Dani Calabresa procurou o Desenvolvimento e Acompanhamento Artístico (DAA) da emissora para apresentar suas queixas, no início de 2019. Ouviu a promessa de que os responsáveis na empresa pelo programa de compliance seriam acionados. Mas como resposta, ouviu que recomendaram a Melhem terapia e que que existia "apenas o seu caso", como justificativa para não terem levado as investigações internas adiante.
O relato consta de reportagem publicada na revista Piauí de sexta-feira, em que se lê relatos do comportamento de Melhem contra funcionárias. Mais cinco vítimas, pelo menos, compareceram ao compliance da Globo e denunciaram o ex-diretor por assédio. Em agosto desse ano, ele deixou a emissora.
Por meio de chamada de vídeo, Universa se reuniu com as fundadoras do Compliance Women Committee (CWC), as advogadas Anne Caroline Prudêncio e Juliana Nascimento, que debatem justamente os direitos da mulher no ambiente corporativo, para explicar o que é o setor de compliance e como essa área deve atuar em casos como esse.
A conversa contou ainda com a advogada e embaixadora do CWC Rogeria Gieremek, responsável por Compliance no Grupo Latam Airlines.
Em resumo, as especialistas explicam que o compliance é o setor que vai garantir que a empresa está em concordância com as suas normas, políticas e leis. Os profissionais que trabalham na área —e que não necessariamente são advogados—, são responsáveis pela criação de programas que vão informar aos funcionários, entre outras coisas, o que é um comportamento inadequado, e qual caso pode ser configurado assédio. Não há na lei a obrigatoriedade de uma empresa adotar um compliance.
"O compliance tem como um dos principais objetivos implementar uma cultura de integridade e com isso ele vai dizer na empresa que o que era considerado normal no passado, como piadinhas machistas, não é mais aceito. Tem, inclusive, empresas criando manual antimachista", informa Juliana.
"E ensinar de forma clara o que é assédio, que certas piadas não são aceitas, e incentivar as denúncias no canal próprio. Tem que ter educação para todos, desde a base até a alta administração. Porque quando as pessoas são capacitadas e entendem o que é o assédio elas vão denunciar com mais segurança, e isso vai ajudar o compliance na investigação também", complementa Anne, sócia da Page Compliance.
"Não basta falar, tem que investigar e concluir"
Com a ideia clara na cabeça quanto ao papel do compliance, a pessoa deve sentir confiança de que aquele setor irá acolhê-la, e a garantia de que o caso será investigado e que ela não sofrerá retaliações por isso.
Ao decidir levar a denúncia ao compliance, a vítima deve receber, sim, uma resposta. Mas não um relatório da investigação, conforme o grupo denunciante esperava, segundo reportagem da Piauí.
"O compliance nunca vai dar um relatório, mas informar se aquela acusação é ou não procedente. Não podemos expor ninguém, seja denunciado ou testemunhas. Isso pode causar [processo de] danos morais à empresa. A postura do compliance é investigar o entorno, coletar provas e informar aos envolvidos que o caso está sendo investigado", explica Rogeria, que é também presidente das Comissões de Estudos de Compliance da OAB-SP e do IASP (Instituto dos Advogados de SP).
Polícia pode ser acionada após investigação
Após toda investigação interna, explica Rogeria, o compliance leva seu material para um parecer do jurídico da companhia. Ela frisa que não cabe ao compliance tomar a decisão final do caso, se vai demitir ou não alguém: "É preciso que se tenha suporte jurídico para referendar se há demissão por justa causa, por exemplo. E quem decidirá pelo resultado será a gestão da empresa".
O compliance tem ainda liberdade para chamar uma consultoria externa para ajudar na análise do caso. E, se sentir que há grave crime, a polícia pode ser envolvida.
"Tem caso em que é obrigatório a chamar a polícia, como pedofilia, se há, por exemplo, suspeita de que o funcionário tem um pendrive com fotos de crianças", aponta Rogeria.
"O superior tem que verbalizar"
Abafar o caso, independentemente do resultado, não é a solução, avaliam as especialistas. Rogeria ensina que a melhor conduta é o chefe superior verbalizar o que está acontecendo. Mas sem dar nomes, sem expor ninguém: "Ele não pode ainda dar aumento para a pessoa assediada, para que ela se cale, mas [precisa] dizer a todos: 'eu não aceito isso".
Além disso, deve-se adotar as medidas disciplinares cabíveis, como demissão, além de outras para prevenir que novos casos ocorram. A alta administração também deve passar a mensagem clara de que nenhum assédio será tolerado, independentemente de quem o faça, complementa Anne.
Na avaliação da advogada, inclusive, uma das formas de evitar o assédio é colocar mais mulheres no topo da cadeia administrativa para que haja um equilíbrio no ambiente. "Se só tenho homens como CEO, sócios, determinados padrões se perpetuam. Com mais mulheres, trago uma visão diferente para o mesmo problema."
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