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"Criança precisa de pai presente": o que mães solo não aguentam mais ouvir

Gabi é mãe solo desde que o filho Bernardo tem 5 meses - Acervo pessoal
Gabi é mãe solo desde que o filho Bernardo tem 5 meses Imagem: Acervo pessoal

Ana Bardella

De Universa

09/12/2020 04h00

Criar uma criança de forma independente é um dos desafios mais comuns enfrentados pelas mulheres no Brasil: de acordo com o último levantamento realizado pela Associação Nacional dos Registradores Civis de Pessoas Naturais (Arpen Brasil), somente no primeiro semestre de 2020, mais de 80 mil bebês foram registrados apenas com o nome de suas mães nas certidões de nascimento.

E mesmo entre as crianças que nascem e crescem em contato com seus pais, muitas são educadas majoritariamente por suas mães, especialmente quando existe um divórcio ou separação — e elas passam a ser as principais responsáveis pelo seu desenvolvimento. Em cenários como estes, além da sobrecarga de tarefas, mulheres passam a vivenciar também situações constrangedoras ou de preconceito devido a não estarem com os pais dos seus filhos. A seguir, quatro mulheres que se consideram mães solo contam suas histórias e elencam as principais frases que estão cansadas de ouvir:

"Que bom que ele te ajuda com a pensão"

Gabi reflete sobre o que é esperado do homem na sociedade: "O mínimo é exaltado" - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Gabi reflete sobre o que é esperado do homem na sociedade: "O mínimo é exaltado"
Imagem: Acervo pessoal

Quando engravidei, estava em um relacionamento à distância: eu morava em São Paulo e ele no Rio de Janeiro. Nesta época, já havíamos decidido que, em algum momento eu mudaria de cidade a fim de ficarmos mais próximos, então só aceleramos o processo. Três meses após o nascimento do Bernardo, no entanto, o cenário mudou: vim para São Paulo a fim de assistir a um show e não voltei mais para casa. Terminamos por telefone. Desde então, como mãe solo, passei por uma redescoberta importante de vida e carreira. Ao mesmo tempo, também comecei a ouvir alguns absurdos.

Sem dúvida, me irrita quando alguém comenta: 'Ah, mas ele te ajuda, né? Com a pensão e tal. Que bom', como se isso fosse um favor, a única coisa que precisa ser feita na paternidade. Ou, com relação às visitas, elas palpitam: 'Se ele vem uma vez por mês está bom'. A minha impressão é de que, não interessa se o homem está oferecendo uma migalha: as pessoas sempre vão enaltecê-lo como se estivesse fazendo algo incrível. A tendência é de que julguem sempre que é o suficiente".

Gabriela Cavalcanti, 30 anos, consultora de amamentação. É mãe do Bernardo, de 1 ano e 5 meses.

"Então você é pai e mãe?"

Luana percebe o preconceito contra mães que buscam os direitos das crianças na Justiça - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Luana percebe o preconceito contra mães que buscam os direitos das crianças na Justiça
Imagem: Acervo pessoal

"Nunca pensei em ter filhos gerados. Na verdade, minha ideia era de apadrinhar ou adotar uma criança. Porém, aos 27 anos, engravidei por um acidente, no contexto de uma relação que era apenas uma amizade. Desde o nascimento do Gabriel, uma das frases que mais escuto é: 'Cadê o pai do seu filho?', geralmente de pessoas com as quais nem tenho intimidade, nenhum tipo de vínculo. Quando explico que sou mãe solo, logo vem a conclusão: 'Então você é pai e mãe. Deve ser muito difícil'.

Além disso, sinto que vivemos em uma sociedade tão machista que a mãe que busca os direitos do filho na Justiça, por exemplo, pode ser vista como aquela que quer 'tirar dinheiro do pai' por mágoa, vingança, por que ele está com outra. Quando na verdade, não existe interesse pessoal nesse movimento. No fim das contas, vejo que as pessoas se sentem no direito de extrapolar nas opiniões e na curiosidade, perguntando se a criança vê ou não o pai, por exemplo. Esta é uma questão familiar e íntima e não deveria ser tratada assim".

Luana Safire, 39 anos, empresária. É mãe do Gabriel, de 11 anos.

"Vamos sair? É só deixar ela com a sua mãe"

Marina fala sobre o preconceito ao se relacionar: "Não são todos que entendem nossa disponibilidade" - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Marina fala sobre o preconceito ao se relacionar: "Não são todos que entendem nossa disponibilidade"
Imagem: Acervo pessoal

Meu divórcio aconteceu há sete anos: na época, minha filha estava com dois anos. Ouvi algumas vezes o comentário: 'Nossa, mas você vai se separar com ela tão pequena? Ela não vai sofrer?'. E esta foi apenas a primeira de uma série de bobagens que escutei depois de me tornar mãe solo. Hoje vejo o quanto as pessoas me consideram frágil: questionam se vou voltar sozinha com a minha filha de noite, se não estou me colocando em situações perigosas — tudo isso como se fosse necessário um homem na família para nos proteger.

Já com relação aos relacionamentos, já escutei de um homem, antes de conhecê-lo pessoalmente, que 'não teria tempo para ele', porque tenho uma filha. De fato, não são todos que entendem a agenda de uma mãe divorciada, que é muito mais restrita. Alguns dizem não se incomodar com isso, mas no fundo se decepcionam ao ver que sua prioridade é seu filho. Uma vez fui chamada para sair em uma quinta-feira e, ao recusar, ouvi: 'Mas é só deixar ela com a sua mãe', como se fosse a coisa mais simples do mundo. A avó da criança não tem a obrigação de cuidar dela para que eu possa sair — e nunca gostei de usar o seu tempo para isso, a não ser que seja imprescindível"

Marina Bock, 43 anos, empreendedora. É mãe da Laura, de 9 anos.

"As crianças precisam do pai presente"

Gabi mantém uma conta no Instagram para mostrar o dia a dia dos gêmeos e já recebeu comentários ofensivos - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Gabi mantém uma conta no Instagram para mostrar o dia a dia dos gêmeos e já recebeu comentários ofensivos
Imagem: Acervo pessoal

"Tive um relacionamento de oito anos: seis de namoro e dois de casamento, mas me tornei mãe solo quando os gêmeos tinham apenas cinco meses, quando me divorciei. Desde então, compartilho minha rotina com os bebês nas redes sociais — e já ouvi inúmeros absurdos. Começando por exaltar o fato de o pai pagar pensão, como a figura de um 'paizão'. Também já ouvi críticas por 'não lutar pelo meu casamento', uma vez que meus filhos precisariam do pai presente.

Alguns homens já deram a entender que eu seria 'mais fácil' de transar do que outras mulheres, pelo fato de ser mãe. E o comentário mais ofensivo que recebi até hoje veio de um seguidor aleatório, insinuando que minha gravidez teria acontecido devido ao fato de eu ter um comportamento promíscuo".

Gabriela Malvezzi Rodrigues, 23 anos. É mãe de Enrico e de Benício, de 1 ano e 3 meses.