"Legalização do aborto na Argentina impactará o Brasil", diz Debora Diniz
O projeto de lei para tornar o aborto um procedimento legal na Argentina está sendo votado nesta quinta-feira (10) pela Câmara de Deputados. O PL foi apresentada pelo presidente Alberto Fernández em novembro de 2020, após uma série de protestos feministas tomarem contas das ruas do país.
De acordo com o jornal argentino Clarín, ainda não é certo que o projeto será aprovado nesta quinta. Para que o PL avance ao Senado, é preciso que 129 deputados aprovem a medida. Segundo apuração prévia, 123 políticos devem votar a favor, 109 contra e 24 seguem indefinidos.
Esta não é a primeira vez que uma lei para descriminalizar o procedimento na Argentina é apresentada. Em 2018 um PL pela legalização do aborto foi barrada no Senado, local que permanece sendo um grande desafio para o governo aprovar a medida.
O que há de diferente entre o Brasil e a Argentina
Enquanto a luta pela descriminalização do aborto avança na Argentina, no Brasil o cenário é diferente. Para Carla Gisele Batista, pesquisadora e mestra em estudos sobre mulheres, gênero e feminismo pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), dois motivos explicam essa divergência entre países culturamente tão parecidos.
O primeiro deles é a mobilização popular. "A Argentina teve grandes atos do movimento feminista em prol da legalização do aborto, e essas manifestações também receberam apoio de toda a sociedade. Esses protestos vêm acontecendo há algum tempo já, mas foram interrompidos pela pandemia - ainda assim o movimento continuou atuando dentro do que era possível", explica a pesquisadora.
Outra diferença apontada por Carla entre os cenários do Brasil e da Argentina é o governo. "Lá, você tem uma presidência comprometida com essa legalização. Alberto Fernández declarou seu apoio à causa já nas eleições, e quando assumiu a presidência reafirmou o compromisso, apresentou o PL à câmara. No Congresso brasileiro, não existe nenhuma possibilidade de diálogo sobre o tema. É um governo completamente contrário aos direitos reprodutivos da mulher", pontua.
Debora Diniz, antropóloga referência na discussão de equidade de gênero, também vê cenários distintos entre o Brasil e a Argentina e acredita que o movimento que ficou conhecido como "Onda Verde" foi de grande importância para o retorno da pauta da legalização do aborto à política argentina.
"A Argentina tem um histórico de PLs de legalização do aborto que chegaram ao Congresso Nacional, este projeto de lei que foi apresentado pelo presidente Fernández veio depois de um projeto que quase avançou em 2018, mas perdeu por poucos votos no Senado. O processo da Argentina está conectado ao que chamamos de "Movimento da Onda Verde", aquele em que milhares de mulheres tomaram as ruas de Buenos Aires usando bandanas verdes", contextualiza Debora.
A antropóloga lembra também de outro projeto de lei apresentado pelo presidente Fernández junto ao PL do aborto.
"Quando eleito, Fernández cumpriu a promessa de campanha e apresentou o PL que defende descriminalização do aborto, defendendo que o assunto não é matéria de política criminal e sim de saúde pública. Além disso, ele também apresentou uma lei para a proteção dos 1000 primeiros dias de vida do recém-nascido - assim, ele mostrou que é possível defender a legalização do aborto e se preocupar com crianças".
O que esse avanço da Argentina significa para o Brasil
Para Debora Diniz, ainda que os cenários sejam diferentes, o projeto da legalização do aborto na Argentina deve se refletir no Brasil.
"Esse avanço tem um significado especial para nós. Não só pela proximidade política e cultural dos dois países, mas o que representa este tema tomar conta do debate público argentino, a ideia de dívida de cidadania às mulheres. Me parece que há uma compreensão não só política, mas jurídica, que afetará o processo brasileiro".
Se aprovado nesta quinta-feira, o PL segue para o Senado Argentino, aonde a maioria é conservadora, e a situação é ainda mais complicada. Dos 72 políticos, 36 devem se posicionar contra o projeto e 34 a favor. Os votos que sobraram são de duas senadoras que já se abstiveram em 2018.
Debora e Carla, porém, estão otimistas quanto à aprovação da lei. "As expectativas de todos são as de que o projeto avance, não só pelo trabalho do governo a favor dessa aprovação, mas também porque agora está parecendo uma prorrogação do que aconteceu em 2018", diz Debora.
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