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Vigília por lei sobre aborto legal: 4 argentinas contam por que estavam lá

Mulheres celebram aprovação na Câmara; as máscaras verdes são o símbolo das ativistas que defendem o direito ao aborto - RONALDO SCHEMIDT/AFP
Mulheres celebram aprovação na Câmara; as máscaras verdes são o símbolo das ativistas que defendem o direito ao aborto
Imagem: RONALDO SCHEMIDT/AFP

Luciana Rosa

Colaboração para Universa, em Buenos Aires

11/12/2020 14h24

A Câmara de Deputados argentina aprovou hoje o projeto de lei pela legalização do aborto depois de uma longa votação que teve início na tarde desta quinta-feira e só terminou no início da manhã desta sexta. Apesar da recomendação de evitar aglomerações em tempos de pandemia, centenas de mulheres fizeram vigília na praça que fica em frente ao Congresso Nacional para acompanhar a votação.

Muitas delas permaneceram na praça durante toda a madrugada, outras se revezaram em uma espera longa que, com o resultado favorável, deve se repetir durante a análise no Senado. O ditame saiu finalmente por volta das 7h30, depois de quase 20 horas de votação, com o resultado de 131 votos a favor, 117 contra e 6 abstenções. A promessa do Executivo, quem impulsionou a lei e redigiu o projeto que está em discussão, é de que até o final deste ano haja um parecer definitivo para o projeto.

A votação deveria ter acontecido em março, quando a pandemia interrompeu a agenda de reformas do governo. Agora, nem mesmo o coronavírus foi capaz de impedir que as mulheres se reencontrassem para reforçar a necessidade de ampliar os direitos das mulheres no país. A seguir, três delas contam por que estiveram lá.

"Tínhamos que colocar nossos corpos na rua hoje"

Gabriela - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriela Cueto, (à esq.), que dormiu 1h30 nesta noite para acompanhar a votação
Imagem: Arquivo pessoal

Uma das centenas de mulheres que estiveram na praça do Congresso nesta madrugada foi a a produtora de cinema Gabriela Cueto. Ela conta que chegou no final da tarde e que suas amigas foram chegando aos poucos. "Permanecemos na praça até umas 4h, depois fomos para casa dormir um pouquinho, uma hora e meia exatamente, e às 5h30 voltamos ao Congresso para ouvir os últimos oradores e o resultado final. Foi uma festa", conta.

"Foi muito lindo estar acompanhando desde a rua, da praça. Foi muito bonito reencontrar companheiras depois de muitos meses. Eu fui com algumas companheiras do coletivo de cineastas ao qual pertenço. Fazia meses que não nos víamos, foi muito emocionante, mobilizador, sentir novamente que estávamos nas ruas, que estávamos nos cuidando, mas que entendemos que tínhamos que colocar nossos corpos na rua, que precisávamos estar ali."

Havia telões espalhados na praça do Congresso através dos quais a multidão ia acompanhando a votação e o avanço do placar. Se não se pode comparar com a final de um campeonato, porque ainda resta a aprovação no Senado para que a lei passe a valer, certamente foi o equivalente a uma partida classificatória. Os olhos na tela, a comemoração de cada voto a favor, a tensão quando mesmo os deputados governistas pareciam destoar de um projeto enviado pelo Executivo, os abraços tão esperados depois de tantos meses de pandemia.

"Alguns discursos foram muito mobilizadores e outros, terríveis de ouvir vindo dos deputados. Mas, ao mesmo tempo, a sensação é de que era algo que já tínhamos ganho", remarca Cueto. "A emoção foi tanta que se transformou em uma festa, as pessoas celebrando, se reencontrando tudo isso misturado a muito nervosismo também", relata.

"Sentíamos que tínhamos que estar lá. Essa lei salvará muitas vidas"

Barbara - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Barbara Barisch (à dir.) durante a vigília em frente ao Congresso ao lado da irmã
Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Barsh, apesar de ser uma ativa militante feminista e fazer parte da torcida organizada feminista do River Plate, diz ter se questionado até o último momento se deveria ir presencialmente acompanhar a votação. "Fui sempre que eu pude. Em 2018, quando se votou no Senado, não pude ir porque estava no Brasil a trabalho, mas pude ir à marcha em São Paulo que foi muito emocionante", conta.

Ela diz que por ter o pai com hipertensão, em tempos de coronavírus, tinha receio. Finalmente, a vontade de se juntar à maré verde, cor dos lenços que simbolizam a luta pelo aborto legal no país, ela e a irmã resolveram engrossar o grupo de mulheres no Congresso.

"Decidimos ir porque sentíamos que tínhamos que estar lá. A legalização do aborto é muito importante para nós, para todas as mulheres e para todos os corpos gestantes porque sabemos que o aborto existe. Essa lei salvará muitas vidas", justifica. "Foi difícil conter as lágrimas ao ver a maré verde, foi muito emotivo ver a tantas companheiras lutando por um direito que realmente merecemos", diz.

"Foi muito bonito, me emociono só de lembrar"

Maria Pirsch - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Maria Pirsch (à esq.) com as amigas durante a vigília
Imagem: Arquivo Pessoal

Já a fotógrafa Maria Pirsch, foi com uma amiga à região do Congresso. "Nós preferimos ficar em um esquina próxima, não ir ao tumulto porque tinha muita gente e, apesar de estarmos muito emocionadas, procuramos manter a distância social", afirma.

Elas se juntaram a outras três amigas e, como centenas das que passaram pelo local ontem, fizeram uma vigília de algumas horas para logo dar lugar a outras que iam chegando. Entre os assuntos conversados entre uma porção de batatas fritas e outra, obviamente esteve o feminismo.

"Seguimos a contagem através do site Economia Feminista, que faz um trabalho incrível, e ficamos ali até mais ou menos 1h30 da manhã", relata. "Como todas tínhamos que trabalhar hoje e a votação estava prevista para se estender até as 6h, era impossível ficar", diz. Mas, uma vez em casa, Maria diz que programou o despertador para estar atenta ao momento do resultado. Quando ele veio, ela chorou.

"A emoção que eu voltei a sentir hoje, me emociono só de lembrar", diz a jovem, com a voz embargada. "É muito forte para mim, eu te juro, que me emociona muito. Foi lindo voltar às ruas e ver tantas mulheres e jovens com os lenços. A verdade é que foi muito bonito", completa.

"Eu estou muito feliz"

Marcela - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marcela Risk (dir.), que participou da vigília mas tentou manter distância da aglomeração
Imagem: Arquivo pessoal

"Eu estou muito feliz", conta a atriz e terapeuta Marcela Risk que, apesar de sempre participar de intervenções artísticas nas marchas do Ni Una Menos, dessa vez, por causa da pandemia, e por já ter cruzado a linha dos 50 anos, preferiu participar à tarde do encontro no Congresso.

"Eu queria ter ficado mais, mas em um momento senti que chegava muita gente", desabafa, "era muita proximidade e eu também não sou tão jovem", diz. "Com Funas [agrupação feminista da qual faz parte], participei de algumas ações no Congresso, mas havia mais distância e, em um momento acabou indo embora, por volta das 20h, mas sinto que minha alma permaneceu ali", se emociona.