"Eu ficava deitada em posição fetal, enquanto ele gritava sem parar"
Demorou dois anos para A*., 39, perceber que estava um relacionamento abusivo. Seu ex-namorado, com quem se relacionou por quatro anos, costumava brigar com ela pelos motivos mais banais o tempo todo. "Parecia um pai dando bronca na filha, parecia que tinha vontade de me bater e estava se controlando. Eu me lembro de ficar deitada na cama em posição fetal, enquanto ele falava e gritava sem parar. As brigas podiam levar horas e só terminavam quando eu concordava que estava errada, que ele tinha razão", contou ao podcast Sexoterapia,ouça o relato abaixo.
Depois que o namorado "ganhava a briga" o roteiro era sempre o mesmo: ele dizia que a amava, que ela era a mulher da vida dele, e a fazia acreditar que ela tinha sorte por estar com ele. "Hoje eu vejo que era uma relação de dependência", diz A. Com a ajuda das amigas que ela conseguiu chegar a essa conclusão e se afastar do abusador. "Quando comecei a desabafar com elas, percebi que eu sentia medo dele, que aquilo não era normal."
Por que é tão difícil nos identificarmos como vítimas de violência psicológica? A resposta, segundo a sexóloga Ana Canosa, passa pela construção social de obediência feminina. "Dentro dessa ideia de masculinidade hegemônica existe uma série de fatores socioeconômicos, familiares, e de histórias de vida que vão abafar ou impedir que muitas mulheres façam o caminho da assertividade, da não obediência", explica.
Outro fator, segundo Ana, é o amor romântico, que faz com que as mulheres romantizem os sinais de abuso. "Há mulheres que acham lindo ter ciúme, acha que o cara vai mudar. E ele alimenta esse jogo psicológico minando a autoestima da parceira, dizendo que a ama, que ela é maravilhosa, e que tudo vai ficar bem", completa.
Confira alguns sinais típicos de um relacionamento abusivo:
Silenciar
A violência psicológica se caracteriza por diminuir a voz da mulher, silenciá-la, fazer com que ela não acredite mais nem no que está sentindo. "O outro invalida o seu sentimento, xinga, coloca a culpa em você, não deixa você opinar", diz Ana. E tudo isso vai criando uma grande confusão na cabeça da abusada, principalmente se ela estiver apaixonada. "É possível que mesmo uma mulher muito autônoma se perca na sua própria opinião nesse contexto."
Despersonalizar
Começa com o ciúme excessivo e a invasão de privacidade (olhar celular, e-mail etc.), o cara afasta a mulher dos amigos e da família, dizendo que as pessoas em volta dela não são legais, e que é para o bem dela. "Obviamente, porque essas pessoas podem ser testemunhas do abuso e alertar a vítima", diz Ana. Ela lembra que para sair de uma situação de abuso é fundamental ter uma rede de apoio. "A hora que a mulher está completamente despersonalizada e afastada de todos, é muito difícil sair, porque ela perde todos os referenciais", completa.
Destruir a autoestima
O cara diz para a mulher que ela é feia, burra, e que ninguém mais vai querer se relacionar com ela se eles se separarem. Aqui pode entrar também o controle financeiro, caso haja uma dependência da mulher em relação ao parceiro.
Ameaçar
O agressor chantageia a mulher para que ela continue se submetendo. Essa chantagem podem ser ameaças, como usar os filhos ("vou contar para nossos filhos quem você é"), abandoná-la (lembrando que a maioria das vítimas desenvolve uma dependência em relação ao abusador, a sensação de que não pode viver sem ele), até chegar à ameaça física.
Machucar
A violência psicológica nem sempre leva à violência física, mas pode acontecer, segundo Ana Canosa. Ela explica que o ciclo da violência tem três fases: a fase da tensão, quando começam a raiva e os insultos; a fase de agressão, quando começam a haver, de fato, as ameaças físicas, às vezes um tapa, às vezes um empurrão; e a fase da lua de mel, quando vêm os pedidos de desculpa, as promessas de mudança, as juras de amor. "E daí começa tudo de novo. É um ciclo que se perpetua".
*O nome foi ocultado a pedido da personagem
Para saber mais
- Série: I May Destroy You (HBO)
- Filmes: Effie Gray (Richard Laxton, 2014) ; Grandes Olhos (Tim Burton, 2015); O Homem Invisível (Leigh Whannell, 2020).
- Livro: "Da dor no corpo à dor na alma", Isadora Vier Machado (Editora D'Plácido); "Estupro Marital", Breno Rosostolato e Carlos Jose Teles (editora Metanoia)
- Documentário: Escola de homens (Universa )
- Cartilhas: Manual Universa para jornalistas; "Sexualidade não é violência" (cartilha em PDF disponível na internet)
Acompanhe o Sexoterapia
Violências nos relacionamentos é o tema do trigésimo nono episódio do podcast Sexoterapia. A quinta temporada do programa será dedicada a refletir sobre dilemas masculinos. Nesse episódio, as apresentadoras Marina Bessa, jornalista, e Ana Canosa, sexóloga, recebem o sociólogo Túlio Custódio.
Sexoterapia está disponível no UOL, no Youtube de Universa e em todas as plataformas de podcasts, como Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e Castbox.
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