A pesquisadora que deixou Londres para ajudar Brasil a estudar coronavírus
Em março deste ano, a pesquisadora titular da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Paola Resende foi convocada às pressas para voltar ao Brasil. O chamado era claro: enquanto a pandemia já assombrava a Europa, a instituição buscava reforços para ajudar o país no combate à covid-19. Paola era cientista da University College London e participava de um dos principais polos científicos do mundo, mas não titubeou e fez o caminho de volta.
"Voltei porque achava que era muito importante estar atuando pelo meu país, apoiar meus colegas nesse trabalho", diz a Paola. Aos 35 anos, a virologista conta que a chamada pôs fim a uma agonia. "Em Londres, ficava agoniada, acabava tendo dupla jornada: com fuso de 4 horas a mais, eu terminava lá e ficava perguntando o que estava acontecendo aqui, se precisavam de ajuda. Aí aqui eu me aquietei", conta a Universa.
No Brasil, a cientista é hoje a responsável pelo sequenciamento genômico do novo coronavírus na Fiocruz e foi responsável pela pesquisa que confirmou o primeiro caso de reinfecção de covid-19 no Brasil, na semana passada.
Paola atua em pesquisas no Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo da Fiocruz desde 2008, onde fez mestrado em medicina tropical e doutorado em biologia celular e molecular.
Nas ciências, luta contra coronavírus é feminina
O laboratório, aliás, é coordenado por outra mulher que é referência na área: a pesquisadora Marilda Siqueira. "A Marilda para mim sempre foi um exemplo. Eu me sinto muito honrada de fazer parte dessa grande equipe. Essa pandemia é algo surreal, um vírus totalmente diferente. Fico muito feliz em contribuir para a saúde pública do nosso país. As meninas da nossa equipe também são maravilhosas e ajudam muito. Não faço nada sozinha", afirma.
Paola é pesquisadora em saúde pública concursada da Fiocruz desde 2015. Ela se formou na graduação em ciências biológicas no Centro Universitário de Barra de Mansa, no interior do Rio de Janeiro. "Vim para o Rio [capital] fazer mestrado e estou até agora", conta.
Ela não esconde a felicidade em dedicar sua vida à ciência, que, diz, proporciona aprendizados únicos. "Vivenciar uma pandemia é trabalhar exaustivamente, mas faz a gente crescer de forma inimaginável. Já vivi a epidemia de 2009, e devo a ela esse meu crescimento profissional. Claro, aquela foi muito menor em tempo e número de casos e óbitos. Essa de agora está sendo uma lição de vida", conta, citando dificuldades em equilibrar o lado pessoal com o profissional.
"Tenho amigos, familiares que adoecem; tive colegas que perderam parentes. É difícil equilibrar o emocional do profissional com o lado pessoal", conta Paola, que é solteira e não tem filhos.
Como ela ganhou prêmios e projeção internacional
Ela lembra que, quando chegou à Fiocruz para iniciar suas pesquisas em 2008, enfrentou de imediato a sua primeira pandemia. "Cheguei um pouco antes do H1N1. Trabalhei muito naquela pandemia, tanto que minha tese de doutorado foi sobre ela, terminei em 2015", lembra. A tese ganhou menção honrosa do prêmio SUS do Ministério da Ciência e Tecnologia.
A partir dali sua vida como cientista a projetou para trabalhos e pesquisas relevantes na área. O convite para morar em Londres veio em março de 2019, quando ela foi chamada para trabalhar em um projeto de desenvolvimento de sequenciamento rápido para vírus respiratórios.
Paola então foi cedida por dois anos pela Fiocruz e estava atuando na implantação do consórcio de sequenciamento genômico quando explodiu a pandemia. "Existe um consórcio na Inglaterra para sequenciamento genômico do coronavírus. Esse laboratório em que eu atuava era um braço dessa rede grande. Eu estava ajudando a implementar esse processo desenvolvendo o protocolo e treinando a equipe", explica.
Paola recebeu vários prêmios, entre eles, o de jovem cientista da organização francesa Mérriux Foundation, pelo trabalho sobre reintrodução e dispersão do vírus do sarampo no Brasil em 2018. Ela é hoje uma das curadoras do Gisaid, iniciativa que concentra a base de dados genômica mundial de coronavírus.
"Essa é uma iniciativa de colaboração internacional, onde já existem mais de 267 mil genomas depositados. Nós vemos se está tudo certinho e liberamos genomas de boa qualidade. Essa participação foi um ganho considerável para a ciência no Brasil", conta.
Como fazer ciência no Brasil
Falar de ciência com pesquisadores é também discutir as dificuldades de se trabalhar na área no Brasil. Paola lembra que o país perde pesquisadores todos os anos para centros internacionais por falta de investimento na área.
"Além de se pagar melhor no exterior, tem vaga. Aqui é mais difícil porque você precisa de verba dentro da ciência para trabalhar, e muitos não conseguem se colocar no mercado. Por isso vão para fora. Fui uma privilegiada: tinha um emprego aqui enquanto estava em Londres, mas tenho colegas altamente capacitados que não conseguiram", diz.
Na Fiocruz ela conta que tem equipamentos de ponta para sequenciamento genético —o que também a motivaram a voltar antes do tempo. Há dois meses, recebeu convite para retornar para a universidade inglesa onde atuava.
Ela preferiu ficar. E pensa em concluir a pesquisa que desenvolvia lá, mas só depois que a situação no Brasil com a covid-19 estiver estabilizada. "Hoje, o meu envolvimento com os alunos de pós-graduação, com os projetos, decidi não ir. O Brasil precisa mais [de cientistas] que eles, e eu pretendo ficar. Quando tiver uma situação mais calma, eu volto para lá, mas não tenho previsão", indica.
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