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"Eu precisava me posicionar como mulher lésbica", conta repórter da Globo

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Elisa Soupin

Colaboração para Universa

18/12/2020 04h00Atualizada em 18/12/2020 17h29

Há um ano, Raquel Honorato, 33, é repórter da Globo em Brasília. Quem acompanha os telejornais da emissora deve se lembrar de sua voz marcante, que contrasta os traços delicados. Durante muito tempo, Raquel se manteve como veículo da notícia, que acredita ser o papel do jornalista. Mas, em 2019, um evento a fez entender que era a hora de se posicionar e dizer abertamente que era lésbica.

A vontade foi impulsionada por um episódio público protagonizado pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella. Conhecido por seus posicionamentos conservadores, ele mandou que fossem recolhidos da Bienal do Livro de 2019 exemplares de um HQ em que dois personagens apareciam se beijando. Houve muita controvérsia e Raquel postou uma imagem em sua conta no Instagram em que duas princesas da Disney se beijavam. A legenda era simples: "Eu vejo o amor? e você?".

"Caraca! Eu recebi tantas críticas, muitas mensagens horrorosas, homofóbicas mesmo, muito preconceito, inclusive inbox. Comentários machistas, como 'que desperdício', e muitas críticas religiosas. Naquele momento, eu entendi que não dava para ficar neutro em situações de injustiça. Eu tinha que fazer mais do que falar pela igualdade, eu precisava realmente me posicionar. Perdi seguidores, mas vários outros chegaram", conta a repórter.

Daí em diante, a repórter passou a falar sobre o tema mais abertamente e, em agosto desse ano, postou uma foto com a namorada, um amor arrebatador de quarentena.

"A história é muito doida: eu e minha namorada temos uma amiga em comum, só que minha namorada mora no Canadá e trabalha na Gucci em Nova York, como visual merchandising. Essa nossa amiga vivia me falando que queria nos apresentar e eu falava: 'Imagina! Não namoro a distância nem Rio-Resende' (interior do Rio, onde Raquel nasceu), imagina alguém no Canadá! Mas aí começamos a nos falar em março, bem no início da quarentena", conta ela.

A paixão foi surgindo e não teve pandemia que ficasse no caminho das duas. "Quando eu vi, estava totalmente desesperada para encontrá-la. As fronteiras de lá estavam fechadas, mas a do Brasil estava aberta e ela veio me ver. Foi incrível, estamos namorando e estou muito apaixonada. Temos tudo diferente: a cultura, o idioma, mas, olha, o oposto também é muito bom. A nossa próxima previsão de estarmos juntas é em fevereiro", diz.

Dessa vez, as reações no Instagram foram ótimas: muitas felicitações foram dadas ao casal no perfil da repórter. "Pessoas me falaram que tinham medo de contar e que agora se sentiam encorajadas, isso é muito legal", diz.

Aulas de inglês e a descoberta sexual

Muitos anos atrás, bem antes de se sentir confortável para falar abertamente sobre o amor por uma mulher, Raquel, que morava em Resende, de 130 mil habitantes, custou a entender a própria sexualidade. E sofreu no caminho até a aceitação.

"É engraçado isso, porque antes de eu saber mesmo, teve um episódio. Eu tinha 15 anos, fazia aula de inglês e sentia que olhava para a professora de uma forma diferente, mas eu não entendia aquilo como um interesse meu", diz ela.

Mesmo assim, o sentimento era peculiar. "Eu descobri o telefone dessa professora e ligava várias vezes para ela, para ouvir a voz dela na secretária eletrônica. A professora comparou o número do identificador com os números do curso e a minha mãe foi chamada no cursinho porque eu ficava ligando para a professora. Minha mãe disse: 'Por que você fica ligando, você é sapatão?' e eu falei: "Claro que não!', eu tinha namorado. E eu realmente não interpretava aquilo como um interesse romântico, mas aprendi inglês que foi uma beleza", ela conta, rindo.

Quatro anos depois, Raquel perdeu a mãe. "Depois que a minha mãe faleceu, de fato vi que sexto sentido de mãe não se engana mesmo. Esse mesmo interesse que tive pela professora apareceu por outras mulheres. Fiquei com uma menina pela primeira vez aos 20 anos e foi muito difícil. Eu vivi a negação, a fase da revolta, eu cheguei a iniciar um namoro com um cara, me dizendo que aquilo iria passar. Até finalmente chegar à aceitação. Meu primeiro namoro com uma mulher foi aos 21", conta ela.

Tensão em família: "Meu pai ficou muito sentido"

Como acontece com muita gente, revelar para a família foi um momento tenso para Raquel, que acabou resolvendo que iria contar de uma vez para todos.

"Eu, aquariana e caçula, chamei toda a família em casa, em Resende, meus três irmãos e meu pai. Cada um veio de um lugar do país. Juntei todo mundo e falei: 'Então, gente, eu to namorando', e eles: 'Ah, Raquel, chamou todo mundo para dizer que está namorando?' E eu: 'E o meu namorado é uma mulher'", conta.

Os irmãos reagiram bem, à exceção do mais velho, que ficou preocupado que a irmã fosse alvo de preconceito. O pai não lidou bem. "Ele teve aquela reação que a gente morre de medo que a família tenha: ficou muito sentido, dizia que eu poderia ter 'escolhido' outra coisa. Conversei muito com ele, perguntei quando ele havia escolhido ser heterossexual, disse que a sexualidade simplesmente se impõe. Foram dois anos muito difíceis até que ele aceitasse", conta ela, que pediu que o pai lesse, se informasse.

Ele realmente fez isso e mudou o pensamento. "Ele me pediu perdão pelas coisas que havia dito e, hoje, abre a casa dele para qualquer pessoa que eu quiser levar", diz ela.

Sexualidade e trabalho: "Se esconder tem um custo"

Quando iniciou a carreira no jornalismo, na TV Bandeirantes, aos 22 anos, Raquel já sabia da sexualidade. Aos 24, foi para a TV Rio Sul, afiliada da Globo, e depois para a Globo Rio. Em todo o seu percurso profissional, a escolha de não falar da vida pessoal com colegas de trabalho acabou tendo um preço.

"Eu não queria falar da minha sexualidade, achava que como jornalista não tinha que falar sobre mim, que a notícia tinha que estar acima disso", aponta. Quando os colegas de trabalho comentavam da vida particular, ela fugia, escutava mas não falava. "Só que com o tempo você percebe que tem um custo, que assim nunca vai estreitar os laços, chamar para ir na casa, por exemplo. Aos poucos, eu fui contando para as pessoas mais próximas", diz ela, mostrando que a trajetória de cada pessoa é única quando o assunto é o momento de sair do armário.

Agora, Raquel planeja escrever um livro em que entrelaça sua história pessoal, desde a perda da mãe na adolescência e das agruras da descoberta da sexualidade até o sucesso na profissão e seus desafios. "É um livro para inspirar as pessoas", adianta.