Advogado denuncia pais que descontam presente de Natal da pensão
De acordo com a lei, receber pensão alimentícia é um direito da criança. O valor é pré-estabelecido pelo juiz, com base nas despesas do alimentado, do padrão de vida do pagante e do quanto ele recebe de salário. Quem gere essa pensão é o representante legal do menor, que geralmente é a mãe.
Muitas mulheres, porém, estão recebendo propostas de desconto no valor da pensão alimentícia em troca de presentes de Natal para a criança, como relata o advogado Rafael Gonçalves, especialista em Direito da Família e em Violência Doméstica. Com mais de um milhão de seguidores no Facebook e 500 mil no Instagram, o advogado conta que, com a proximidade das festas de fim de ano, tem recebido muitas perguntas das seguidoras a respeito do assunto.
"O pai é obrigado a custear a íntegra da pensão sem proceder nenhum tipo de desconto - desde que não seja um desconto pré-ajustado entre as partes ou determinado na ata, no acordo ou na sentença. Fora isso a pensão é destinada para os gastos e despesas básicas dos filhos, tais como alimentação, moradia, vestuário, educação, saúde e lazer", explica Rafael.
Portanto, descontar gastos de presentes ou de viagens, por exemplo, é proibido por lei, o que não impede que pais ameacem e retirem parte do valor mensal destinado aos filhos para reembolsar tais despensas. Entenda o que fazer e como proceder em casos como estes.
"Ele não pagou a pensão e disse que daria um presente de Natal no lugar"
Maria*, 32 anos, é autônoma e atualmente está desempregada por causa da pandemia. Ela, que tem um filho de 3 anos, pediu para não ter a identidade revelada porque isso pode afetar o processo judicial que move contra o pai da criança desde que o primogênito tinha 45 dias de vida.
Em entrevista para Universa a mãe conta que o filho recebe um salário mínimo de pensão alimentícia (R$ 1.045), mas o valor de dezembro ainda não foi depositado pelo pai. "Ele disse que não vai pagar esse mês porque quer dar um presente de Natal para a criança", diz Maria.
O advogado Rafael Gonçalves explica que a atitude do pai está errada, mesmo que a intenção do mesmo seja presentear a criança.
O juiz entende que estas despesas, mesmo que tenham sido direcionados para o filho, são desnecessárias, porque a criança tem outros gastos, como alimentação, saúde, etc, que não podem ser trocadas. Deixar um menor desamparado financeiramente durante um período, mesmo com a intenção de presenteá-lo, é errado. Não estou dizendo que é errado presentear, mas, o alimentante tem que entender que o filho tem despesas mensais e que qualquer desconto vai gerar um prejuízo para a criança, e que isso pode gerar um acúmulo de débitos e contas", detalha.
A mãe relata que este desamparo é comum. "O pai não compra nada extra para a criança, nem cotonete. Não posso nem pedir para ele levar a criança para vacinar. Para ele o filho só serve para tirar foto", desabafa Maria.
Rafael compartilha que muitos homens tomam essa atitude com a intenção de atingir a ex-companheira: "Há uma desconfiança dos pais com relação ao emprego do dinheiro. Por divergências pessoais, muitos acabam querendo prejudicar a mãe e descontam valores na pensão, sem se dar conta que o débito vai prejudicar a criança. Muitos compram presentes com a intenção de atingir a mãe, porque eles sabem que, faltando dinheiro, ela não gastaria o dinheiro 'com ela mesma', como alguns deles pensam, quando na verdade não é assim que funciona".
Regra não se aplica só no Natal
A auxiliar administrativa de escritório Raíssa* tem 29 anos e é mãe de gêmeos univitelinos de 1 ano e 4 meses. Ela conta que passou por uma gestação de risco, o que fez com que os filhos nascessem prematuros e com algumas complicações de saúde. Para cuidar das crianças, Raíssa teve que abandonar o emprego e hoje sobrevive com a ajuda financeira dos pais.
Ela conta que passou por situações de abuso psicológico e financeiro ainda durante a gravidez. "Estávamos juntos há 8 meses quando eu descobri que estava grávida. A partir daí ele passou a me tratar mal. Como eu trabalhava e ele é autônomo, as despesas da casa sempre ficaram comigo. Ele participava de competição de motocross e se negou a comprar coisas de enxoval, coisas pro quarto das crianças, porque preferiu investir o dinheiro em treinos e viagens", compartilha Raíssa.
"Durante o relacionamento passei por muitos abusos, ele dizia que era melhor eu ficar quieta porque ninguém ia aceitar uma mulher com dois filhos." Raíssa conta que esperava que o companheiro melhorasse depois do nascimento dos filhos, o que não aconteceu.
Enquanto se recuperava do parto, Raíssa diz que passou por outro episódio traumático. Ela lembra do dia em que o ex-companheiro chegou em casa com amigos depois de uma competição de motocross, organizou um churrasco, e se irritou com os filhos, que não paravam de chorar. "Depois que os amigos foram embora, ele chegou pra mim e disse: 'Você passa o dia todo com esses moleques e ainda não aprendeu como que faz pra eles calarem a boca?'. Não satisfeito com isso, ele me trancou no quarto das crianças e foi dormir em outro lugar. A partir do momento que a agressividade dele atingiu meus filhos, eu decidi me separar".
Segunda Raíssa, o ex-companheiro paga somente R$ 420 de pensão alimentícia para cada filho. O dinheiro não é o suficiente para manter as duas crianças e o pai ainda tenta descontar presentes e brindes deste valor. "Ele chegou a dizer que faria eu e as crianças passar necessidade de propósito, para eu ver o quanto ele fazia falta na nossa vida". Ela lembra que a única vez que pediu dinheiro ao ex-companheiro, para comprar remédio quando os filhos ficaram doentes, ele se negou a ajudar e alegou ter outras despesas pessoais, inclusive a pensão alimentícia de outra filha para pagar.
"Apesar dele ainda não ter ameaçado descontar o valor do presente de Natal da pensão dos meninos, ele já fez isso no aniversário e no dia das crianças. Me ligou dizendo: 'Se você for parar para ver, eu pago muito mais de pensão do que o juiz determinou, porque preciso comprar presente'. Eu não deixei. A pensão é para despesas do dia a dia. Respondi a ligação dizendo: 'Presente é para quem quer dar, ninguém é obrigado. Se você for descontar o valor da pensão, não precisa dar nada'". "Até então não sabia que isso era ilegal, achava que era só imoral", adiciona a mãe.
Rafael Gonçalves ressalta também que descontar valores na pensão é proibido por lei não só no Natal, mas em qualquer outra data comemorativa. "É proibido que o pai proceda com qualquer desconto na pensão alimentícia, não vale somente para o Natal, vale também para o presente do dia das crianças, aniversário, viagens de férias e outras datas comemorativas".
O que fazer nesses casos
O desconto no valor da pensão por conta de presente pode gerar até cadeia. Basta a mãe comprovar a diferença de pagamento entre meses e apresentar ao juiz. Se o pai receber a intimação e ainda mesmo assim permanecer inadimplente, ele pode ser preso.
A mãe não precisa se preocupar com o valor do presente de Natal. E provas como conversas de WhatsApp, ligações e extrato bancário podem comprovar a ilegalidade do desconto. "A pensão tem um valor pré determinado. O que faltar na pensão é o que ela vai exigir do pagante. Não é o valor do presente - ela não tem que se preocupar com o que o homem deu - ela tem que se preocupar com o que está faltando na pensão. Se ela recebe uma pensão de R$ 1 mil, e o pai deu um presente de R$ 300, então ela vai cobrar o valor faltante na pensão", explica Rafael.
O advogado destaca também que a mãe pode reaver valores descontados no passado. "Recebi casos em que pais descontaram o valor há 3 anos, três natais atrás. E mães perguntando se perderam o valor por causa do tempo. Não, vale lembrar que ações que envolvem menores não prescrevem. A mãe pode descontar a ordem ainda hoje. Ela vai entrar com uma ação de cumprimento de sentença, que é diferente do rito de prisão, e vai poder reaver o desconto que o pai fez na pensão alimentícia".
Para o advogado, a pandemia não foi um motivo que impulsionou este comportamento, que é recorrente há anos. "A pandemia aumentou, em muito, casos de cobranças de pensão e também o número de litígios envolvendo regularização de visitas de menores. Essas ações, eu vejo, quase triplicaram durante o período, junto com o número de divórcios. Descontos de presente é habitual há anos", conclui.
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