Caso da juíza morta pelo ex-marido é retrato trágico do feminicídio no país
O caso da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, morta ontem no Rio de Janeiro, é o retrato do típico feminicídio no Brasil, como mostram dados do relatório "Raio X do feminicídio em São Paulo", publicado pelo Núcleo de Gênero do MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo).
Viviane foi assassinada pelo ex-marido, como 70% das vítimas deste crime no país, com uma arma branca, presente em 58% dos casos.
O crime ocorreu depois de uma separação recente, cenário de 45% das mortes por feminicídio; e teve os filhos do ex-casal como vítimas secundárias, já que a juíza foi morta na frente da filha, o que acontece em 43% dos casos. Ela não tinha medida protetiva, como 97% das vítimas.
"Essa comparação [entre o caso e os dados] torna muito mais grave a conduta de juízes que acham que a Lei Maria da Penha não tem importância, ou que as mulheres inventam a violência que sofrem", disse à Universa a promotora Nathalie Malveiro, do Ministério Púplico de São Paulo. A promotora se refere ao caso recente do juiz Rodrigo de Azevedo Costa, da Vara de Família da Freguesia do Ó, em São Paulo, que afirmou "não estar nem aí" para a lei Maria da Penha durante uma audiência sobre pensão alimentícia e guarda.
Em publicação no Facebook, Malveiro escreveu: "Para cada mulher que morre vítima de feminicídio, falharam um juiz e um promotor de justiça que não deram importância para a situação".
À Universa, ela explica a afirmação: "Muitas vezes, as mulheres encontram juízes, advogados, promotores e outros operadores do direito que não acreditam na palavra dela, desmerecem o medo que elas sentem", diz.
"O julgamento sempre recai sobre a mulher. Nesse caso [da juíza Viviane], os comentários que surgem são 'ninguém mandou retirar a queixa', mas a mulher retira a queixa muitas vezes por medo, ou por não perceber o tamanho do risco que está correndo. O papel dos operadores do direito é alertá-la sobre a vulnerabilidade, insistir para que ela continue com a medida protetiva. E é aí que falhamos".
Essa falha se traduz em ainda dados mais alarmantes:
- O Brasil ocupa o quinto lugar em um ranking de 83 nações que mais matam mulheres, segundo a ONU.
- A cada um minuto, duas mulheres são espancadas, a cada oito, uma mulher é estuprada
- O Ligue 180 recebeu no ano de 2019 uma média de 112 relatos de agressão por dia
Entenda o caso
Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, de 45 anos, foi morta a facadas pelo ex-marido, Paulo Arronenzi, de 52 anos, que foi preso em flagrante pela GM (Guarda Municipal).
O caso ocorreu ontem, véspera de Natal, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio. As três filhas pequenas do casal presenciaram o crime.
Testemunhas que presenciaram as agressões acionaram agentes da GM que estavam próximos ao local. Viviane foi encontrada caída e dasacordada; o Corpo de Bombeiros foi acionado e constatou que a juíza morreu no local.
Segundo a Polícia Civil, em setembro, Viviane já havia feito um registro de lesão corporal e ameaça contra o ex-marido. Ela chegou a circular com escolta, mas pediu para que a proteção fosse retirada.
A escolta foi utilizada pela juíza somente nos meses de outubro e novembro. Depois, Viviane alegou que não era mais necessária a proteção. Dois policiais do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) que integraram a equipe de escolta estiveram na manhã de hoje no IML para auxiliar na remoção do corpo pela família. Eles disseram que Viviane levava as crianças para a casa do pai quando foi morta na noite de ontem.
Viviane foi casada com Paulo por dez anos.
O ex-marido da vítima foi levado para a Delegacia de Homicídios da capital, e na sequência encaminhado para o Hospital Municipal Lourenço Jorge, onde foi atendido para tratar um corte na mão. Ele teve alta e foi encaminhado novamente para a delegacia.
Como denunciar
Já sofreu uma agressão e quer denunciar? Registre um Boletim de Ocorrência por violência doméstica em qualquer delegacia. Se puder, procure uma delegacia da mulher, especializada neste tipo de caso.
Conhece uma mulher em situação de perigo? Ligue para 180. O canal do governo federal funciona 24 horas, incluindo sábados, domingos e feriados. A ligação é anônima e a central dá orientações jurídicas, psicológicas e encaminha o pedido de investigação a órgãos de defesa à mulher, como o Ministério Público.
Em casos de emergência, é possível telefonar para 190 e acionar a polícia.
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