Crianças x home office: mães revelam os aprendizados desse desafio de 2020
2020 merece ser esquecido, de tão ruim? Não exatamente. Ainda que tenha sido um período delicado, para muitas famílias a vida desde março se tornou cheia de aprendizados. Principalmente quem conviveu diariamente com uma ou mais crianças — e precisou levar o trabalho para dentro de casa — passou a enxergar as coisas de uma maneira diferente.
É o caso de Luciana Bugni, de 38 anos, que trabalha como gerente de conteúdo e também é colunista de Universa. Lu conta que, até a quarentena começar, costumava passar no máximo quatro horas na companhia do filho de 4 anos, João — um pouco pela manhã, outro tanto à noite.
"Quando eu precisava participar de algum evento ou demorava mais para chegar em casa, o sentimento era ambíguo. Ao mesmo tempo em que existia a culpa por não dar o beijo de boa noite, também sentia alívio em pular o ritual da hora de dormir, principalmente nos dias de maior cansaço", relembra.
No entanto, desde o início da quarentena, suas atividades passaram a ser cem por cento home office. Por isso, tem ficado 24 horas por dia com o filho. Neste contexto, seu o maior desafio foi driblar a culpa.
"Conforme a noite chega, ele fica desesperado, pedindo para que eu desligue o computador. Muitas vezes, estica a mãozinha e quer fechar meu notebook. Na hora do almoço é: 'Mamãe, por favor, brinca comigo só um pouquinho'. É uma criança que não tem irmãos da mesma idade, que foi privada da convivência com os amigos e que só fala com as avós via Facetime. Penso muito sobre a ideia sobre o trabalho que ele está construindo agora e como vai lidar com ela no futuro", diz.
Enquanto Luciana responde às perguntas, é possível ouvir João gritando ao fundo. "Agora ele está correndo pela casa, imitando um lobo. O que eu às vezes entendo como agressividade, na verdade é só ele querendo gastar energia, interagir com alguém", explica.
Meu maior aprendizado teve a ver com resiliência. Sinto que diminui as expectativas com relação ao seu comportamento. É um exercício de paciência constante, mas eu tenho as ferramentas emocionais necessárias para lidar quando fico irritada. Ele não tem ainda e estaria errada se esperasse qualquer coisa diferente disso", opina.
Quem também precisou driblar as dificuldades foi Monique dos Anjos, de 39 anos, que voltou ao mercado de trabalho como jornalista durante a pandemia. Ela é mãe de três crianças: Victória, de 7 anos, Nicholas, de 5 e Alessandra Carolina, que tem apenas 9 meses e nasceu semanas antes de a quarentena ter início no Brasil.
Ela fala sobre a experiência: "Descobri que não estava tão perto da educação deles quanto pensava. Minha filha mais velha não sabia, por exemplo, como usar o apontador e escrevia os números de forma invertida. Em uma sala de aula com 25 alunos, é mais difícil reparar nesses detalhes. Mas, nos meses que passamos em casa, ensinei a ela como escrever em letra cursiva e, o mais emocionante, a ler. Foi lindo".
O que descobriu sobre si mesma? A dificuldade de pedir ajuda e de querer resolver tudo sempre sozinha.
"No fundo, achava que isso poderia me fazer parecer frágil ou dependente. Foi muito difícil exigir do meu marido uma divisão de tarefas mais equilibrada, até porque secretamente gosto quando alguém me enxerga como uma mulher multitarefas. Mas a verdade é que essa encenação pode custar caro na minha saúde física e mental. É preciso reconhecer os limites", diz.
Natasha Ligneul, arquiteta de 34 anos, concorda que tenha sido uma experiência com mais bônus do que ônus. Ela é mãe de Joaquim, de 3 anos, e as brincadeiras que inventou para distrair o filho durante o período em casa fizeram tanto sucesso na internet que ela foi convidada para dar palestras virtuais em empresas sobre o tema.
No início, achei que a quarentena duraria, no máximo, duas semanas. Então fiz um PDF com ideias de brincadeiras para fazer em casa e mandei para as amigas. O documento rodou na mão de tantos pais que fui chamada para dar palestras e entrevistas sobre o assunto. Com tantas atividades, é claro que as primeiras semanas foram ótimas. Mas quando percebi que os planos teriam que ser feitos a longo prazo, o desafio foi enorme. O que mais me ajudou foi entender que era o trabalho invadindo o espaço da criança e não o contrário", diz.
Conforme a parte "enlouquecedora" passou, ela relembra que conseguiu junto ao marido, reestabelecer uma rotina e se acostumar. Com isso, pode presenciar muitas das primeiras vezes do filho. "Antes eu precisava viajar uma vez por semana e passava mais tempo longe. Neste ano, estive presente quando ele escreveu o nome em uma folha pela primeira vez, de almoçar do seu lado durante a semana. Quando paro para pensar, percebo que passar tanto tempo ao seu lado foi uma experiência única, que provavelmente nunca mais terei — pelo menos não com a mesma intensidade", reflete.
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