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Ela criou uma startup de terapia online e cresceu 5 vezes na pandemia

A engenheira Tatiana Pimenta - Divulgação
A engenheira Tatiana Pimenta Imagem: Divulgação

Marcelle Souza

Colaboração para Universa

04/01/2021 04h00Atualizada em 05/01/2021 16h49

Formada em engenharia civil, com 15 anos de carreira e passagens por cargos executivos em empresas multinacionais, Tatiana Pimenta, 39, foi surpreendida ao ser comunicada da sua demissão em 2015. Para piorar, no mesmo dia recebeu a notícia de que o pai tinha sido diagnosticado com câncer.

Antes de buscar um novo plano profissional, decidiu que era hora de parar e se dedicar integralmente aos cuidados com o pai. Foi assim por três meses. "Era a primeira vez que eu tinha sido demitida, e essa parada obrigatória me fez pensar na vida. Estava perto dos 35 anos e comecei a questionar: será que as minhas escolhas tinham sido certas?"

Vontade de empreender ela já tinha, e a ideia de um novo negócio surgiu em meio ao tratamento do pai, que morava em Corumbá (MS) e frequentemente tinha que viajar horas para se consultar com um médico especialista, que não atendia em sua cidade. "Às vezes, a gente chegava lá e ele só avaliava exames. Então eu pensei: não seria mais fácil se isso fosse feito online?".

Tatiana começou então a pesquisar, frequentar eventos e descobriu que, no Brasil, a telemedicina ainda não estava regulamentada, apesar de ter encontrado iniciativas em outros países. Se em 2015 ainda não era possível consultar um médico à distância, um colega lhe deu a dica de ouro: na psicologia, o atendimento online já era regulamentado.

Há alguns anos, a própria Tatiana tinha encontrado na psicoterapia o tratamento necessário para uma depressão. Foi no divã também que ela repensou suas relações pessoais, questionou sua carreira e onde encontrou o suporte em cada fase de transição que havia passado nos últimos anos.

Quando eu tive depressão, a maior dificuldade foi encontrar um psicólogo. Se, em 2012, eu tivesse a opção de fazer terapia online, talvez não precisasse ficar duas horas no trânsito toda semana

Nesse momento, Tatiana decidiu criar uma startup, uma plataforma para conectar psicólogos e pacientes em consultas online. Foi assim que nasceu a Vittude. "O nosso objetivo é tornar esse tipo de atendimento mais acessível", explica.

Empreender em uma nova área

A ideia era boa, parecia viável, mas logo surgiram os primeiros desafios. O primeiro, vinha dela mesma, que deveria encarar o medo de falar em público para apresentar o projeto e garantir investimentos para o novo negócio. "Eu ficava muito nervosa, mas a minha psicóloga falava: 'você é a CEO, vai ter que aprender'", conta.

Nessa época, ela ainda precisava encarar outros problemas, como a falta de experiência na área.

Eu vim de indústrias muito tradicionais, como a cimenteira e a florestal, então havia um desconhecimento completo da área. Sabia de psicologia como paciente, não como empreendedora. Tive que estudar não só saúde, mas também o mundo digital, marketing, estratégias para atrair clientes, ferramentas para sites, entender como os psicólogos enxergavam o mercado

Esse período de pesquisa e formação durou alguns meses, entre a ideia inicial (agosto de 2015), a decisão de montar o negócio e o lançamento da Vittude (maio de 2016). Nesse percurso, percebeu que precisava de ajuda, e convidou Everton Höpner, consultor empresarial com foco em gestão estratégica para resultados, para ser seu sócio na empreitada.

Busca por parceiros de negócio

O desafio seguinte foi vender um projeto que parecia tão inovador para o mercado. "Levamos um ano para fazer o negócio parar em pé. Porque não basta ter uma boa ideia, é preciso que alguém esteja disposto a pagar por isso, encontrar parceiros quando você ainda não tem clientes", diz.

O investimento inicial foi de R$ 56 mil, especialmente na estrutura da plataforma online e procedimentos legais para lançar a empresa. Além disso, os sócios dizem que ficaram três anos sem salário até que a empresa começasse a dar retorno.

"Antes da primeira captação, vivemos o período mais tenso. Visitamos mais de cem investidores e eles só falavam 'não', diziam que não ia funcionar, que ninguém ia querer fazer terapia online. Tínhamos só 40 dias de dinheiro em caixa e pensei: vamos ter que começar a procurar emprego?".

O cenário começou a melhorar no final de 2017, quando receberam a primeira rodada de investimentos da Vetor Editora. A partir daí, a startup adotou novas ferramentas para psicólogos, mudou o estilo dos negócios e passou a crescer. Depois, foi apoiada ainda pela Redpoint eventures, empresa de capital de risco que apoia empreendedores do mercado digital, e Superjobs.

Foco no mercado coorporativo

Em 2019, a OMS (Organização Mundial da Saúde) incluiu a síndrome de Burnout na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) como um fenômeno ocupacional, o que acabou impulsionando as primeiras parcerias corporativas da Vittude.

Foi aí que o maior rendimento da startup passou das consultas para pessoa física para contratos com empresas preocupadas com a saúde emocional dos seus funcionários. "Começamos a explorar mais esse nicho e hoje temos mais de 70 clientes empresariais, como Grupo Boticário, Alelo, 99, Resultados Digitais e Microsoft", diz a CEO.

Nesse tipo de parceria, as companhias oferecem, por meio da Vittude, psicoterapia online como parte do pacote de benefícios aos seus colaboradores. Assim como nos planos de saúde, o atendimento psicológico pode ser 100% custeado pela empresa ou oferecido no modelo de coparticipação, quando o funcionário paga uma porcentagem a cada consulta.

O modelo estava funcionando bem, mas o avanço da Covid-19 e o isolamento social impulsionaram ainda mais as buscas por terapia à distância."A pandemia trancou todo mundo dentro de casa, muita gente viveu o luto, perdeu membros da família por conta do Covid, e o RH das empresas não soube como reagir", conta Tatiana.

Insônia e crises de ansiedade: problemas comuns na pandemia

Em outubro deste ano, a empresa realizou uma pesquisa em parceria com a Opinion Box com 2.007 trabalhadores de todas as regiões do Brasil. O resultado mostrou que 33% dos entrevistados relataram insônia durante a pandemia e a mesma porcentagem teve crises de ansiedade no período.

"O home office é um desafio para todo mundo, então a gente tem tido uma demanda crescente. O isolamento social colocou a saúde mental em evidência e as empresas perceberam que precisariam fazer algo".

Por conta do aumento da demanda, o crescimento esperado da Vittude este ano é de 5,6 vezes o registrado em 2019.

Além das consultas e parcerias, a empresa usa suas redes para alertar sobre saúde mental, depressão e Burnout. "A gente não tem ideia da quantidade de pessoas sofrendo. Recebemos todos os dias mensagens de gente dizendo que não está bem, que a família pensa que é frescura", conta a empresária.

Tatiana lembra que o lançamento da série "13 Reasons Why" na plataforma Netflix, em 2017, causou uma enxurrada de pedidos de ajuda. Além de uma campanha de prevenção ao suicídio nas redes, a startup fez parceria com profissionais para atender gratuitamente os casos mais graves.

O site não dá aconselhamento imediato para pessoas em crise suicida. Nesse caso, a recomendação é que o paciente ligue para o CVV, no número 188, ou acesse o site www.cvv.org.br.