Projeto de Doria para proteger mulheres fere liberdade, dizem especialistas
O governo de São Paulo, sob comando do governador João Doria (PSDB), anunciou investimento de R$ 67 milhões num sistema que pretende avisar as mulheres com medidas protetivas se o agressor está se aproximando além do limite definido pela Justiça. O plano é contar com 10 mil dispositivos, o que pode beneficiar 5.000 vítimas de abusos e agressões, já que é preciso de dois aparelhos para cada caso. O projeto ainda será detalhado em edital para contratação de serviços.
Na avaliação de duas especialistas em combate à violência contra a mulher, a medida é importante, mas atinge a privacidade da vítima, podendo afetar sua liberdade, já que ela também será monitorada permanentemente.
Para a delegada Raquel Kobashi Gallinati, primeira mulher a presidir o Sindpesp (Sindicato dos Delegados da Polícia Civil de São Paulo), a medida também coloca sobre a vítima a responsabilidade de andar sempre com seu dispositivo para se proteger.
"O monitoramento eletrônico, claro, é uma medida muito importante. Mas da forma como está sendo proposto coloca sobre a vítima a responsabilidade de andar sempre com seu dispositivo de localização para se proteger, o que além de invadir a privacidade dela, que passará a ser monitorada da mesma forma que o agressor, deixa a mulher desprotegida sempre que ela não estiver com seu aparelho."
Em São Paulo, as vítimas que já têm medida protetiva também podem contar com o aplicativo SOS Mulher para denúncias. O app permite que a mulher peça ajuda rapidamente, apertando apenas um botão no celular, e uma viatura da Polícia Militar se desloca até o local da ocorrência.
"Há iniciativas mais eficazes", diz delegada
"Já há iniciativas mais eficazes e baratas, que são o aperfeiçoamento do botão do pânico, que é ligado à polícia e que garante sua privacidade, além de evitar a necessidade de um novo aparelho de monitoramento", diz a delegada.
Para ela, urgente mesmo é contratar e capacitar a polícia de São Paulo, que sofre um déficit, segundo ela, de 15 mil profissionais, para que eles possam, junto do Poder Judiciário, fiscalizar o descumprimento das medidas cautelares.
"A gente percebe que muitas vezes a sociedade está carente de atenção especial à mulher vulnerável, e alternativas estão sendo colocadas não de forma eficaz e técnica, mas com intuito populista para que aquele clamor social seja apaziguado."
Para promotora, é preciso ir além de medidas paliativas
A promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Celeste Leite dos Santos uma das idealizadoras do projeto Avarc (Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflito), compartilha da mesma visão.
"A iniciativa é um passo significativo no enfrentado ao grande número de feminicídios, mas o ônus pelo descumprimento da medida protetiva imposta deve ser do agressor e não da vítima. Os órgãos estatais deveriam agir ao serem alertados do descumprimento, e isso implica um maior aparelhamento das polícias civis e militares, que vêm sofrendo um processo de sucateamento", ela afirma.
"Não podemos nos levar por medidas que conduzem a um populismo penal, mas precisamos enfrentar a raiz do problema. Medidas meramente paliativas, embora bem-vindas, não podem ser celebradas sem que se cobre o desenvolvimento de efetiva política de combate à violência em nossa sociedade, que perpassa pela educação sobre a igualdade de direitos de todas as pessoas, além de medidas que rompam com o ciclo de vitimização."
O outro lado
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP) informa que o investimento de R$ 67 milhões em 10 mil dispositivos eletrônicos irá ajudar a proteger as vidas de 5.000 mulheres sob risco de agressão. Classifica ainda a iniciativa como importante para o combate à violência e ao feminicídio.
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